Apostas online seduzem jovens com promessas de lucro fácil e agravam problemas de saúde mental

Influenciadores impulsionam jogos de azar nas redes sociais, e jovens mergulham em uma prática que mistura adrenalina, frustração e risco. Especialistas alertam para os impactos psicológicos e cobram regulamentação urgente.

Ana Cláudia Botelho de Lima

Postado em 25/06/2025

Jovens chegam a utilizar vários dispositivos ao mesmo tempo para realizar apostas, comportamento associado ao aumento do risco de compulsão, alerta a Sociedade Brasileira de Psicologia. Crédito: Ana Cláudia B. Lima.

Nos últimos anos, as apostas online deixaram de ser apenas um passatempo e se consolidaram como uma presença constante na rotina de muitos jovens brasileiros. Impulsionado por aplicativos de fácil acesso e pela estética sedutora das redes sociais, esse universo cresce em ritmo acelerado, alimentado pela promessa de dinheiro rápido e transformações instantâneas de vida. O que parecia ser entretenimento virou fenômeno social — e, com ele, vieram os vícios, o endividamento e o sofrimento psicológico.

Por trás da tela iluminada do celular, entre cliques e palpites, muitos jovens acumulam perdas, frustrações e ansiedade. A falsa sensação de controle e o estilo de vida glamouroso vendido por influenciadores digitais criam um ambiente fértil para comportamentos compulsivos. Sem regulamentação eficaz e políticas públicas de conscientização, a prática se espalha em silêncio, atingindo especialmente aqueles que veem nas apostas uma chance de escapar da crise ou aliviar o peso da ansiedade.

A explosão silenciosa: por que tantos jovens estão apostando?

O número de jovens brasileiros envolvidos com apostas online cresceu exponencialmente. Segundo dados da consultoria H2 Gambling Capital, o setor movimentou cerca de R$ 120 bilhões em 2023 — e a tendência é de alta. Mas o que está por trás desse crescimento?

Para a psicóloga Aline Sampaio, a combinação entre busca por renda e alívio emocional tem sido determinante. “Muitos jovens veem nas apostas uma forma de mudar suas condições de vida. É uma dopamina rápida, uma sensação de prazer que alivia, mesmo que brevemente, as tensões do dia a dia”, explica. Ela aponta também o papel do reforço social e da propaganda feita por influenciadores como agravantes.

Uma pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) confirmou essa percepção: 70% dos jovens apostadores afirmam que o principal motivo para começar foi o desejo de complementar a renda. No entanto, o que começa como solução pode virar armadilha. A promessa de lucros fáceis frequentemente resulta em dívidas, frustração e compulsão — especialmente entre os mais vulneráveis.

O impacto financeiro também preocupa. Dados do setor indicam que até 20% do orçamento discricionário de brasileiros de baixa renda já é comprometido com apostas. Em comunidades periféricas, há relatos de jovens que deixam de pagar contas básicas para continuar jogando. Um caso emblemático é o de um jovem do Vale do Paraíba que perdeu todos os seus recursos e precisou recorrer à ajuda familiar para se reerguer.

Paralelamente à dimensão econômica, os danos emocionais se acumulam. A Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP) aponta o aumento dos casos de ansiedade e depressão entre jovens como um fator de risco associado ao uso compulsivo de plataformas de apostas. Um estudo da Universidade de Oxford reforça essa correlação: jovens apostadores online têm o dobro de chances de desenvolver transtornos mentais.

A influência que arrasta: lifestyle, glamour e rotina de apostas

Combinação entre futebol ao vivo e aplicativo de apostas intensifica o envolvimento emocional do apostador, principalmente entre os mais jovens, segundo especialistas. Crédito: Ana Cláudia B. Lima.

Se o apelo financeiro já é forte, o componente visual potencializa ainda mais o vício. Nas redes sociais, influenciadores com milhões de seguidores vendem a imagem de liberdade, luxo e ganhos extraordinários — tudo aparentemente conquistado com poucos cliques.

Caio Arioque, de 21 anos, começou a apostar após ver amigos ganhando dinheiro com apostas esportivas. “No começo, parecia fácil. Vi meus amigos apostando e fui tentar também”, conta. Já Davi Marque, de 23, se envolveu mais pela adrenalina. “Torcer por um resultado que dependia da aposta deixava tudo mais emocionante.”

Ambos reconhecem a força da influência digital. “Tem gente que mostra só o lado bom. Ganha, ostenta, divulga link… mas ninguém fala das perdas”, alerta Caio. Ele lembra que parte do dinheiro perdido pelos apostadores vai justamente para os influenciadores que divulgam os sites.

Essa lógica é confirmada por dados da consultoria Nielsen: 70% dos jovens brasileiros seguem influenciadores digitais, e metade já adquiriu produtos ou serviços por indicação deles. No caso das apostas, a estética do “ganhe do sofá” combinada com vídeos de ganhos fictícios cria uma fantasia perigosa.

“Quando se está com pouco dinheiro e vê alguém supostamente enriquecendo com um clique, o risco parece atrativo”, explica Aline Sampaio. “Mas é uma ilusão que termina, na maioria das vezes, em prejuízo emocional e financeiro.”

Quando apostar vira compulsão: os sinais de alerta

Para alguns, apostar vira um hábito. Para outros, vira dependência. Quando a pessoa continua apostando mesmo contra a própria vontade ou capacidade financeira, o quadro já pode ser classificado como compulsão.

“É comum que o vício venha acompanhado de ansiedade, baixa autoestima e isolamento social”, explica a psicóloga. “O jovem começa a se afastar da família, dos amigos, do trabalho ou dos estudos… e vai se afundando cada vez mais.”

Caio relata ter vivido essa realidade. “Ganhei muito e perdi tudo, por ganância. A gente acha que vai recuperar, mas só se afunda. Fiquei mal”, confessa. Davi lembra de momentos em que se distraía durante provas pensando no resultado das apostas. “Bate o arrependimento depois. Aquela sensação de ‘por que fui fazer isso?’”, relata.

Um estudo da Universidade de São Paulo (USP) mostrou que jovens com comportamento compulsivo relacionado a jogos apresentam índices maiores de depressão, ideação suicida e transtornos de humor. Os impactos sociais também são visíveis: perda de vínculos afetivos, queda no desempenho acadêmico ou profissional e aumento de conflitos familiares. Em casos extremos, o vício leva até a pequenos furtos ou crimes para sustentar o hábito.

Prevenção, educação e regulamentação: os caminhos possíveis

Diante da expansão do problema e da fragilidade dos jovens frente às plataformas de apostas, especialistas são unânimes: é urgente regulamentar o setor e ampliar ações educativas. Hoje, influenciadores promovem livremente sites de apostas, muitas vezes sem qualquer tipo de advertência sobre os riscos envolvidos.

“A gente precisa tratar isso como questão de saúde pública”, defende a psicóloga Aline Sampaio. Ela aponta a necessidade de políticas de conscientização, fiscalização da publicidade e suporte psicológico em escolas e universidades. Em paralelo, alguns países já avançaram em medidas preventivas, como limites de tempo e de valor em plataformas, proibição de bônus enganosos e restrição ao marketing direcionado a menores de idade. No Brasil, projetos tramitam no Congresso, mas enfrentam resistência e lobby da indústria.

Para o advogado João Gazolla, especialista em Direito Digital, ainda que não exista uma “lei do influenciador para apostas”, há um conjunto de regras claras que compõem o cenário jurídico brasileiro. A Lei nº 14.790/2023, conhecida como “Lei das Bets”, proíbe expressamente a divulgação de casas de apostas não autorizadas pelo Ministério da Fazenda, além de estabelecer diretrizes para a publicidade responsável. “Essa legislação já torna ilegal que influenciadores anunciem plataformas sem licença. A publicidade precisa vir acompanhada de alertas sobre o risco e conter restrição para menores”, afirma.

Jogos de azar simulados em plataformas digitais atraem jovens com promessas de ganho rápido. A estética colorida e os efeitos de vitória reforçam a sensação de controle e recompensa imediata. Crédito: Ana Cláudia B. Lima.

Gazolla reforça que influenciadores que descumprem essas diretrizes podem ser responsabilizados em três esferas: cível, administrativa e até penal. “Se a propaganda for enganosa ou promover uma plataforma fraudulenta, eles podem ser acionados judicialmente por danos materiais e morais, multados por órgãos como a Senacon e, em casos mais graves, responder por crimes como estelionato ou lavagem de dinheiro”, explica.

Além disso, quando a publicidade atinge jovens e adolescentes, a situação se agrava. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Código de Defesa do Consumidor consideram esse grupo hipervulnerável, exigindo proteção redobrada. “Direcionar esse conteúdo a menores é uma violação grave. Eles não têm maturidade crítica para avaliar os riscos de um jogo de azar”, diz o advogado. Ele alerta para práticas ilegais como a publicidade velada — quando os influenciadores mascaram a promoção como dica ou conversa informal. “Frases como ‘ganhe uma renda extra’ sem identificar o conteúdo como publicidade são violação direta do CDC.”

Apesar dos esforços do CONAR e da Senacon, Gazolla reconhece que o ritmo da fiscalização ainda não acompanha a velocidade das redes. “A regulação foi pensada para mídias de massa, e hoje lidamos com um ecossistema pulverizado, onde stories desaparecem em 24 horas e grupos fechados dificultam a supervisão. A colaboração com plataformas e denúncias dos usuários são, por ora, as ferramentas mais eficazes.”

A recente CPI das Apostas reforçou a urgência do debate e reacendeu discussões sobre novas regulamentações. Para Gazolla, o avanço passa pela responsabilização objetiva de plataformas digitais e influenciadores. “Não se trata apenas de proibir, mas de criar um ambiente seguro, com regras claras para todos os envolvidos.”

Enquanto o cerco legal ainda se forma, a recomendação do advogado é clara: influenciadores devem verificar se a empresa tem autorização para atuar no Brasil, consultar uma assessoria jurídica e sinalizar de forma transparente qualquer conteúdo publicitário. Já os consumidores, sobretudo os jovens, devem adotar uma postura crítica, desconfiar de promessas de lucros rápidos e buscar ajuda ao menor sinal de compulsão. “Desconfie de ganhos extraordinários ou extremamente fáceis”, alerta. Porque, no fim, o que parece uma oportunidade pode esconder um risco — e transformar a promessa de um clique em um prejuízo de longo prazo.