DJ Jay Lee: da herança familiar à persistência na cena hip-hop do DF

DJ Jay Lee traz à tona a realidade da música periférica no DF, seus percalços e motivações, e mostra como a paixão e a resistência guiam a sua carreira no rap e no hip-hop.

Karol Oliveira dos Santos

Postado em 28/05/2025

DJ Jay Lee, diretamente do Distrito Federal, carrega na sua trajetória uma forte conexão com a música herdada do pai, também DJ. Desde cedo, ele teve contato com o universo do som, especialmente quando o pai passou um período dedicado à igreja, onde Jay Lee começou a atuar como sonoplasta. Foi esse ambiente e os incentivos paternos que o levaram a fazer seu primeiro curso de discotecagem, mesmo que no início tenha hesitado. A partir daí, o interesse pelo rap e pelo hip-hop só cresceu, consolidando seu caminho artístico.

Sua maior inspiração vem de pessoas próximas, especialmente o pai, e de nomes importantes da cena musical, como o KL Jay, figura de referência no cenário do hip-hop e rap no Brasil e no mundo. A pandemia marcou um momento decisivo para Jay Lee, quando a popularidade de seu trabalho começou a crescer, e ele percebeu que poderia transformar a música em profissão. 

Nessa entrevista, DJ Jay Lee traz um olhar crítico e pessoal sobre a cena hip-hop do DF, destacando o papel das batalhas de rima, os conflitos geracionais e a resistência da velha escola. “Já me sabotaram várias vezes. Pessoal que veio da velha escola… no começo eles não deram oportunidade”, conta. Ele também fala sobre a criminalização do movimento e os desafios de engajamento local, apontando que “falar é fácil, mas às vezes o próprio lugar não abraça”. Um relato direto e cheio de vivência de quem conhece a cena de dentro.

Quais artistas ou movimentos te influenciaram como DJ? Tem alguém da cena do DF ou de fora que você considera inspiração pro que faz hoje?

Acho que a maior referência mesmo é meu pai, sabe? Tipo, através dele eu consegui muitos caminhos — não só por ele, claro, teve mérito meu também — mas foi muito conselho, muita visão sobre o que fazer e o que não fazer. Mas assim, um DJ grande mesmo, de referência, seria o KL Jay. O KL Jay é foda.

Em que momento você percebeu que queria seguir a música como profissão, e não só como algo herdado da família ou um hobby?

Acho que quando geral começou a me reconhecer, quando realmente Jay Lee pegou. Quando eu comecei a pegar o Jay Lee e comecei a ter a desenvoltura de tocar com grupos de hip-hop, principalmente com Sobreviventes de Rua, foi aí que eu fui vendo meu potencial, de ir alcançando os espaços. Aí eu falei: é, isso aqui eu acho que é pra mim. Eu vou.

Como surgiu a decisão de fazer um curso de discotecagem? Foi algo planejado ou aconteceu de forma mais natural?

O curso de DJ mesmo, que era a parte de performance, scratch, back to back, tinha duas turmas: uma de manhã e outra à tarde. E a discotecagem era à noite, que é aquela parte de administrar a festa e tal. Tinha dia que eu matava aula e ia de manhã, de tarde e de noite, fazia os dois no mesmo dia. Eu ia mais cedo, sempre me destaquei no curso, então ajudava os alunos que tinham dificuldade. Eu era um dos primeiros a chegar e um dos últimos a ir embora.

Além de atuar como DJ, Jay Lee integra os grupos Coktel Molotov e Tropa de Elite, importantes nomes da cena rap do DF. Foto: Karol Oliveira

O nome artístico Jay Lee vem das suas iniciais, mas hoje ele representa mais do que isso? O que esse nome significa pra você?

Ah, o DJ Jay Lee é tipo o Mauro e o Oruam, tá ligado? São duas pessoas diferentes, acho que o João Lucas é um mano mais calmo, mais família, tá ligado? Na dele, nerd, gosta de assistir um anime tranquilo, sossegado. E o Jay Lee já é outra pessoa, é um personagem, tá ligado? Tipo uma máscara, que, porra, é hip-hop, funk, bora, animação! E eu acho que o Jay Lee, hoje, se olhar pra dois anos atrás, nem imaginava que estaria onde está agora. 

Como você enxerga a cena do hip-hop e do funk atualmente, especialmente em relação à criminalização, à falta de apoio nas periferias e ao conflito de gerações dentro do movimento?

A cena no geral é muito complexa, sabe? Vários cantores, como por exemplo o Froid, o Orochi, o Major… todos eles vieram da batalha. E eu acho que ainda rola muita criminalização, tá ligado? E principalmente pro público leigo. Por isso, acho que ia ser ‘da hora’ a gente trabalhar mais, principalmente a batalha, em lugares onde não tem, lugares que às vezes são esquecidos. Só que é complicado, porque falar é fácil, mas às vezes o próprio lugar não abraça, tá ligado? Mesmo pessoas da cena local. Quando a sua caminhada fica um pouco mais concreta, tem outra coisa também: o conflito de gerações, sabe? Na hora que o corre acontece, acho que rola um receio de ver a nova geração chegando, da pessoa conquistando os espaços. 

Seu trabalho carrega algum tipo de compromisso político ou social, por vir da periferia?

Eu acho que é um assunto muito complicado, mas eu acho que o rap não tem um lado político, ele tem um lado da comunidade, tá ligado? De tomar o que é nosso, o que é de direito, o mínimo que a gente tem que ter, tá ligado?

Quais foram os maiores desafios até aqui pra se manter como DJ na cena do DF?

Acho que o maior desafio de todos é a constância. É difícil conciliar com um trabalho, às vezes, que a gente precisa, tá ligado? Quando você tá sem trabalho, você tá sobrevivendo 100% disso, aí sua agenda tá ‘da hora’. Aí dá uma abaixada, dá uma instabilidade, e você precisa ir trabalhar fora. Aí, quando você vai trabalhar fora, começa a aparecer um monte de show. Então, sempre vai ter isso, você vai ter que priorizar um. Isso entra na constância também. 

DJ Jay Lee começou como sonoplasta em ambientes religiosos e hoje atua na cena hip-hop local, com passagens por cursos técnicos e participação em eventos independentes. Foto: Karol Oliveira

A caminhada na música nem sempre é fácil, especialmente na cena independente. Em momentos difíceis, o que te mantém firme e motivado a seguir esse caminho?

Acho que é Deus mesmo, porque sempre aparece um sinal de alguma coisa muito aleatória. Sempre tem uma palavra de motivação de uma pessoa muito aleatória. Tipo: “Deus, será que eu tô no caminho certo?” A resposta vem, mano, é incrível, tá ligado? É tipo alguém te reconhecendo na rua: “Pô, mano, aquele dia que você tocou, não sei o quê, eu tava triste, aí cheguei lá e vi você tocando… mudou meu dia.” E acho que é isso, mano. Acho que todo mundo já deve ter passado por isso em algum momento, tá ligado? De ter o trampo reconhecido.

O Coktel Molotov e o Tropa de Elite carregam uma história importante dentro do rap do DF. Como é pra você fazer parte de grupos que ajudaram a construir essa cena?

Pra ser sincero, acho que tem vezes que até hoje eu não acredito que eu tô lá, porque, tipo, eu cresci ouvindo rap, cresci ouvindo hip-hop, cresci ouvindo os caras. ‘Opala 71 azul’ eu conheço desde novo, tá ligado? ‘Erva da Jamaica’ eu lembro que eu ia pra escola ouvindo, e, tipo, foi muito do nada. A gente fez o primeiro evento no réveillon de 2023 pra 2024. Eles gostaram bastante e me chamaram pra fazer parte do grupo, pra compor esse time aí. E depois disso foi, tipo… sensação de meta alcançada, próximo nível. Agora eu subi. 

E agora, olhando pra frente, quais são seus próximos passos? A gente pode esperar músicas autorais ou novos projetos?

Eu tô com o projeto de lançar um estúdio. Eu acho que o próximo passo é esse: aprender a produzir e montar um estúdio. Muitas, muitas, muitas pessoas me falam isso, pra eu começar a não só produzir músicas autorais, mas produzir MCs também, né?