Redes sociais distorcem padrões e impulsionam gatilhos para transtornos alimentares
Aplicativos de contagem de calorias, dietas da moda e jejuns extremos são normalizados por adolescentes e especialistas alertam para danos metabólicos e emocionais.
Postado em 20/05/2025
A presença massiva das redes sociais na vida de adolescentes e jovens adultos vem deixando marcas profundas na relação desse público com o corpo e com a comida. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 70 milhões de pessoas no mundo sofram com transtornos alimentares, sendo 15 milhões apenas no Brasil. Existem diversos distúrbios descritos pela ciência, sendo os mais conhecidos, a bulimia, a compulsão alimentar e a anorexia. Este último possui a maior taxa de mortalidade, podendo chegar a 20% nos casos mais graves.

Nas redes, a avalanche de conteúdos sobre dietas, “estilo de vida saudável” e corpos idealizados aumenta os riscos de desenvolver esses transtornos. “As pessoas estão com seu olhar voltado cada vez mais para fora do que para dentro de si, o que favorece as comparações, distorções e insatisfação com a sua vida e sua própria imagem. As redes sociais trazem a promessa de sucesso e felicidade em cima de uma vida perfeita. Vida perfeita que se inicia com o corpo perfeito ou com a exposição do mesmo”, explica a psicóloga Adriana Carbonera, que realiza diversos trabalhos também na área de psiconutrição.
Um estudo publicado na revista Plos One revelou que 44% dos vídeos mais populares no TikTok sobre alimentação e corpo promovem dietas extremas, jejuns prolongados ou restrição calórica severa, enquanto apenas 1,4% dos vídeos foram produzidos por nutricionistas ou especialistas realmente qualificados. No Instagram, mais de 25% das adolescentes relatam comparações negativas diárias com corpos irreais e outras 30% sentem-se pressionadas a manter uma imagem “perfeita”, segundo pesquisas da Royal Society for Public Health.
“A desinformação em saúde é algo que não se aplica apenas a notícias ou política, como muitas pessoas pensam. Vivemos uma verdadeira infodemia e as redes sociais são grandes contribuidoras para informações falsas e equivocadas sobre alimentação, muitas vezes baseadas em modismos e achismos”, reforça a nutricionista Nathália Gheventer.
Influencers, filtros e os novos gatilhos digitais
De acordo com a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), muitos casos de transtornos alimentares começam com a busca por um “corpo ideal” inspirado em tendências das redes sociais. Nathália enfatiza: “Quantos pacientes eu já atendi, que desejavam emagrecer e buscaram nos perfis dicas mirabolantes e perigosas, para atingir resultados rápidos? E, passado um tempo, o que era apenas um desejo se tornou uma obsessão e uma séria doença?”
A exposição prolongada a conteúdos tóxicos pode induzir comportamentos obsessivos como contagem de calorias, recusa alimentar e práticas de compensação, como períodos longos de jejum e exercícios excessivos. A situação se agrava quando conteúdos perigosos são romantizados por influencers não qualificados para o público mais jovem. “Os adolescentes estão ainda mais expostos às influências e prejuízos das redes sociais, porque sua identidade está se desenvolvendo, são muitas emoções controversas, confusões de ideias e pensamentos, visto que estão na busca pela aceitação e identificação com grupo”, reforça Adriana.
Luciana Monteiro*, de 21 anos, viveu essa experiência. “As redes sociais eram um gatilho diário. Eu seguia perfis que me faziam acreditar que comer era como fracassar. Cada foto que aparecia, eu me comparava e reforçava ainda mais meu ódio pelo meu corpo”. Adriana enfatiza o quanto a comparação pode ser prejudicial para a saúde: “A comparação é um verdadeiro veneno mental, onde se deseja tanto ser o outro que se deixa de olhar para seus pontos fortes e se admirar. As características positivas são anuladas, quando deveriam ser praticadas e valorizadas.”

Esse ciclo vicioso de comparação se intensificou à medida que ela se tornava cada vez mais obcecada com a busca por um “corpo perfeito”, ignorando os sinais de que sua saúde estava em risco. “Comecei a seguir contas que promoviam dietas extremas e, mesmo quando meu corpo já estava fraco, via aquelas imagens como motivação para continuar”.
Nathália chama atenção para sinais precoces, como o corte de grupos alimentares, dietas rígidas, exercício intenso, recusa em comer em público e indícios de fraqueza. “Existem alguns sinais comportamentais e físicos que os pais precisam estar atentos, uma vez que para os adolescentes, as redes sociais fazem parte presente de suas vidas, e consequentemente, eles podem estar mais vulneráveis à perfis e comunidades que propagam dicas alimentares distorcidas e desordenadas”, afirma.
Por outro lado, também observamos transtornos ligados ao excesso de peso, muitas vezes decorrentes de emoções negativas geradas pela frustração de não alcançar os padrões impostos. Ansiedade, tristeza e sensação de inadequação podem levar pessoas a recorrerem à comida como forma de alívio imediato, exemplifica Adriana.
Hoje, em processo de recuperação, Luciana reformulou seu uso da internet. “Parei de seguir contas tóxicas e criei um perfil só com conteúdos que me fazem bem, porque se eu continuasse consumindo aquele conteúdo só ia me afundar mais”. Embora plataformas como Instagram e TikTok tenham começado a restringir hashtags pró-transtornos e redirecionar usuários a conteúdos de apoio, a fiscalização ainda é insuficiente visto a grande viralização desses conteúdos.
A reversão desse cenário exige uma atuação conjunta entre profissionais da saúde, psico educadores e responsáveis para reconstruir a relação de jovens com o próprio corpo e com a comida. “O mais saudável sempre será manter o equilíbrio e pensar que a saúde é para sempre, e não se importar apenas com os resultados imediatos. As dietas promissoras podem trazer inconstância corporal e, consequentemente, emocional, o oposto do que precisamos para ter corpo e mente saudáveis”, defende Adriana.
*Nome fictício a pedido do entrevistado