Ruído urbano adoece as pessoas, alertam especialistas

Exposição constante a sons intensos interfere na saúde e na qualidade de vida — e ainda enfrenta lacunas legais no país

Alice Pereira de Oliveira Silva

Postado em 18/06/2025

Ruídos intensos fazem parte da rotina de quem vive em áreas urbanas, mas o excesso de barulho já é considerado um problema ambiental sério. A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que níveis de ruído acima de 75 decibéis (dB) – o som de um aspirador de pó, por exemplo, são prejudiciais à saúde humana, enquanto ruídos acima de 85 dB (som de liquidificador, tráfego pesado), por períodos prolongados e repetitivos, podem causar a perda de audição. Ainda assim, cenas comuns como buzinas, bares, obras e carros de som seguem pouco fiscalizadas no espaço urbano brasileiro.

O tráfego é uma das principais fontes de poluição sonora nas cidades brasileiras. (Foto: Alice Pereira)

Em entrevista à Agência Senado, o pesquisador da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em acústica ambiental, Armando Maroja, destacou o problema. “Você vê a cor da água poluída e se recusa a bebê-la. Diante do ar contaminado, você prende a respiração ou se afasta. Com o barulho, é diferente. Embora perigoso, não é encarado como tal. Um lugar barulhento dificilmente espanta alguém.”

A exposição contínua a esses sons é capaz de provocar distúrbios do sono, perda auditiva, problemas cardíacos, estresse e até interferência nos ecossistemas urbanos, como alertam também especialistas da Sociedade Brasileira de Acústica (SOBRAC) e da Organização das Nações Unidas (ONU). Em Brasília, as denúncias de barulho excessivo cresceram 18% em 2023, segundo a Ouvidoria-Geral do DF.

Entre buzinas e gritos: o cotidiano de moradores reféns do barulho

Adriano Disessa, morador do centro de Taguatinga Sul, relata o impacto da poluição sonora no dia a dia. “Ainda que eu more em uma zona considerada ‘calma’, a poluição sonora em Taguatinga é um problema de anos. Sendo considerada uma cidade de grande comércio, os principais barulhos que eu escuto são voltados às atividades urbanas, como intenso barulho de carros e motos trafegando pela região, barulhos voltados à atividade comercial e o que mais incomoda: distribuidoras de bebidas.”

Mesmo com janelas fechadas e o uso de fones com isolamento acústico, Adriano admite que o incômodo noturno persiste. “Somos reféns dessa situação. Já tive janelas de impacto na minha antiga casa, e realmente o silêncio é absoluto. No caso de Taguatinga, eu moro em um apartamento. Nunca pesquisei por estar ciente que é algo muito caro, e a instalação em apartamentos é bem mais complicada.”

Thainá Albuquerque, moradora de Águas Claras, também se queixa da estrutura dos edifícios residenciais. “A acústica do meu prédio em Águas Claras é péssima, consigo escutar vários móveis sendo arrastados, coisas caindo, é horrível! Inclusive agora que o prédio ao lado do meu está em reforma… dormir após as 8h da manhã é impossível.” Para ela, o incômodo influencia diretamente na qualidade do sono e da rotina.

Diante da exposição constante ao barulho, muitos cidadãos buscam alternativas como fones com isolamento acústico. (Foto: Alice Pereira)

O papel do planejamento urbano e as falhas da legislação

Para a arquiteta e urbanista Carolina Bernardes, o Brasil ainda não trata o ruído urbano com a devida seriedade dentro dos planos diretores. “Na prática, temos ali algumas práticas de bons modos, como por exemplo, não buzinar perto de bibliotecas e hospitais, mas fora isso, não há um aprofundamento legislativo.”

Ela cita estudos como o de Vitruvius (2023), que observou que praças com menor cobertura arbórea em Juiz de Fora registraram os maiores níveis de ruído, e o da UNESP (2021), que apontou zonas escolares com mais de 70 dB(A) em horários de pico em Sorocaba.

Entre as estratégias possíveis, Carolina sugere o uso de camadas porosas de asfalto, barreiras acústicas, vegetação e a criação de “códigos de ruído urbano”, como defende Baring (2008). A redução da velocidade de 60 km/h para 50 km/h também pode amenizar o problema, segundo Peixoto (2023). “A adoção de códigos de ruído claros, sistemas de medição simples e programas de educação comunitária são apontados como medidas-chave para a mitigação desse problema.”

Ela destaca ainda que estudos como os de Garavelli (2021) e Eniz & Garavelli (2006) revelam que eixos viários de Brasília e até escolas sofrem com altos níveis sonoros, mesmo em áreas que deveriam ser mais protegidas, como praças e zonas de lazer. “Brasília, apesar de seu planejamento urbano e viário modernista, não foge desse problema.”

Segundo estudos citados pela urbanista Carolina Bernardes, a ausência de vegetação e o alto fluxo de veículos elevam os níveis de ruído urbano, afetando a saúde e o bem-estar da população. (Foto: Alice Pereira)

Ruído também é problema ambiental

Jhennyfer Pires, coordenadora secretária da Sociedade Brasileira de Acústica – Regional Centro-Oeste (SOBRAC-CO), reforça a gravidade da poluição sonora no país. “Ruído demais adoece, e essa é uma realidade que precisa ser encarada com seriedade. Pesquisas como a de Ludmila Correia (2024), que estudou o som na cidade de Brasília, mostram que a exposição constante ao ruído pode provocar estresse, distúrbios do sono, perda auditiva e até problemas no coração.”

Ela também destaca os impactos ambientais. “O barulho em excesso espanta a fauna, interfere nos ecossistemas urbanos e rurais e até desvaloriza os imóveis localizados em áreas muito ruidosas.” Segundo a SOBRAC-CO, medidas como uso de materiais acústicos, redução de velocidade e fiscalização real dos limites sonoros precisam ser parte do planejamento urbano. “Não adianta ter regras se elas não são cumpridas.”

Silêncio vale ouro — e saúde

No centro da discussão, está o direito ao sossego. Para Adriano, é “muito ruim ter de acordar cedo no dia seguinte, e ser acordado por um funkeiro com som alto às 2 da manhã.” Para Thainá, “se eu estivesse indo para um novo apartamento, com certeza levaria em conta a acústica do local.”

A luta contra a poluição sonora exige esforços conjuntos — de governos, da população e de quem desenha as cidades. Porque o barulho, como diz Armando Maroja, pode não ser visível, mas seus efeitos se espalham por toda parte.