A autenticidade artística está ameaçada pela inteligência artificial?
Enquanto a inteligência artificial avança sobre roteiros, dublagens e artes visuais, profissionais do audiovisual discutem limites éticos, ameaças e potencial como ferramenta criativa.
Postado em 23/04/2025
De Hollywood a produções independentes, ferramentas como ChatGPT, Midjourney, Poppy AI, Invid AI, 11Labs e outras IAs generativas estão reformulando processos criativos, acelerando fluxos de trabalho e, ao mesmo tempo, gerando tensões éticas e profissionais. A polêmica se intensificou em 2023 com a greve dos roteiristas e atores nos Estados Unidos, que denunciavam o uso indevido de vozes, imagens e até performances inteiras criadas digitalmente.
A atriz Justine Bateman, também roteirista e defensora de direitos autorais, foi uma das vozes mais ativas na época da greve. Em entrevistas, ela alertou que estúdios estavam buscando formas de escanear atores e usar suas imagens indefinidamente sem pagamento adicional. Casos como o de James Earl Jones, cuja voz foi recriada por IA para o personagem Darth Vader, reacendem debates sobre consentimento, legado e o risco da desumanização artística.
Até onde a inovação pode ir sem comprometer o valor humano da arte?
O cineasta Paulo Duro, que está na área há 30 anos, comenta que a IA tem alterado profundamente o modo de fazer cinema. “Não é só uma questão de produtividade, mas de como a gente pensa o processo criativo”, afirma. Ele vê vantagens no uso dessas ferramentas, especialmente em fases como planejamento de roteiro e pré-produção, mas aponta o risco da automatização superficial: “o perigo está em usar a IA sem propósito, só para parecer moderno”.

Já o designer gráfico e professor Ivan Sasha é mais entusiasta. Ele relata que a IA transformou sua rotina de trabalho a partir de 2022, otimizando tarefas e expandindo possibilidades: “Coisas que eu demorava uma semana, hoje faço em três ou quatro horas”, diz. Ivan defende o uso consciente da tecnologia e a formação crítica dos alunos: “Não é só mandar a IA fazer o trabalho, é discutir com ela, entender os limites e as possibilidades”.
No entanto, na atuação, o debate ganha outra camada. Iel Good, ator, roteirista e diretor, vê com preocupação o uso de IA para recriar rostos ou performances. “Cada ator tem uma marca, uma identidade. Quando você simula isso digitalmente sem autorização, é roubo”, afirma. Ele reconhece o potencial da IA como apoio em situações pontuais, mas acredita que o “olho no olho” da atuação humana nunca será plenamente substituído.

A ética, aliás, é o ponto onde todos convergem. Seja na reconstituição de vozes de atores falecidos ou no uso de traços artísticos sem consentimento, como aconteceu com a polêmica envolvendo o Studio Ghibli, os entrevistados reforçam a necessidade de regulamentação. “Tem que haver limites claros, leis. Não é justo ver o legado de um artista ser usado de forma comercial sem respeito à sua história”, defende Iel.
Diante dessas transformações, a indústria se vê obrigada a se reinventar, com premiações como o Oscar repensando seus critérios, após a polêmica do filme “O Brutalista” e “Emília Pérez” ter utilizado IA na pós-produção do filme. No entanto, uma certeza se destaca: a inteligência artificial não é uma inimiga inevitável, mas uma ferramenta que exige uso consciente. Para que ela não transforme a arte em um produto genérico, seu uso deve ser guiado por escolhas éticas, autoria clara e uma criatividade genuína. Como bem coloca Ivan Sasha: “Não somos substituíveis se entendermos o design, o cinema, a arte, como projeto e não só como técnica”.