Artistas transformam casas em ateliês
Longe de museus e galerias, artistas encontram na própria casa o espaço para resistir à invisibilidade cultural e conciliar arte e rotina
Postado em 28/05/2025
A arte muitas vezes nasce no anonimato e continua sendo produzida e vendida fora do circuito profissional. Uma produção artística que resiste de forma alternativa, em casas e apartamentos, onde servidores públicos, estudantes e professores transformam horas vagas em criação. E negociam o que produzem em feiras e na Internet.
Julia Fortunati, licenciada em Artes Visuais pela UnB, admite que, durante o curso, sua produção ficou restrita às demandas das disciplinas. A experiência na UnB, embora rica em técnicas como gravura e escultura, não a motivou a produzir além das obrigações acadêmicas. Para ela, a produção feita em casa, longe das instituições, traz uma liberdade que o ambiente formal nem sempre permite, um valor que vai além do lucro.
Regina Panquestor em uma de suas produções artísticas. Foto: Gabriela Nogueira
Isabela de Castro, formada em Design Gráfico, descobriu seu amor pelo desenho ainda na infância, aos 7 anos, durante uma festa infantil. “Vi uma menina desenhando bem bonito e a partir daí despertei interesse”, lembra. Autodidata, aprendeu a maior parte das técnicas sozinha, com ajuda de tutoriais na internet. Vender seus trabalhos ainda é raro, mas quando acontece, a experiência é gratificante. “Receber por algo que amo fazer é ótimo, ainda mais quando a pessoa gosta do resultado”, afirma. Apesar das dificuldades, Isabela não desiste do sonho de trabalhar exclusivamente com arte.
A arte entrou na vida de Regina Panquestor para preencher um vazio. Dois anos após a morte da irmã caçula, buscando uma ocupação diferente, ela parou em frente à Casa das Artes num sábado qualquer. “Perguntei sobre aulas de pintura e no mesmo dia comecei”, conta. Seu primeiro quadro, um pequeno mar azul pintado a óleo, marcou o início de uma jornada que dura até hoje. Seu ateliê improvisado é a varanda de casa, onde o ar livre ameniza o cheiro forte das tintas. Prefere o óleo pela beleza, mas adota a acrílica pela praticidade. Para Regina, pintar é espairecer a mente da rotina, mas o reconhecimento é escasso. “Já vendi alguns quadros para amigos, mas em galeria, só um.” A artista critica a desvalorização da arte local. “O brasileiro prefere o que vem de fora, seja quadro, filme ou livro.”
O desenhista Domingos Di Lello encontrou no design de superfícies uma forma singular de unir arte e funcionalidade. Sua trajetória começou com aquarelas de plantas e flores, paixão que ganhou força durante a pandemia. Dois anos de curso com a designer Mila Petry e estudos em técnicas digitais deram estrutura ao que era apenas intuição artística.
Para o artista, o encanto das estampas está na versatilidade. “Um desenho à mão pode virar tecido, papel de parede ou item de papelaria”, diz. A natureza é sua musa principal, folhas, flores e insetos inspiram composições que mesclam o orgânico com o lúdico, muitas vezes influenciadas por livros infantis. O processo criativo começa no papel, com esboços em lápis ou tinta, evolui para aquarelas e só então migra para o digital, onde ganha forma final. “Respeito a essência artesanal, mesmo usando Photoshop ou Illustrator”, ressalta.
O próximo passo está em construção: “Planejo lançar uma coleção autoral de produtos”. O sonho de viver só da arte ganha contornos reais a cada padrão criado. Para aspirantes a artistas que dividem tempo entre obrigações e vocação, seu conselho é prático: “proteja esse espaço criativo como um momento sagrado para si mesmo”. Hoje, além de vender encomendas, ele circula por feiras nacionais e internacionais, usando as redes sociais como vitrine principal para estampas que já cruzam fronteiras.
Obras de autoria de Domingos Di Lello. Foto: Gabriela Nogueira Estampas criadas por Domingos Di Lello. Foto: Gabriela Nogueira