Comerciantes da Rodoviária do Plano Piloto vivem incerteza com nova concessão
Com promessas de modernização, contrato com Consórcio Catedral traz esperanças e receios a permissionários e ambulantes que há anos movimentam o coração do terminal.
Postado em 28/05/2025

A Rodoviária do Plano Piloto, ponto pulsante de Brasília, está prestes a virar a página. Com a concessão à iniciativa privada, anunciada pelo GDF (Governo do Distrito Federal), surgem planos de instalação de câmeras, banheiros limpos e elevadores funcionando. Mas quem vive dali — lojistas, ambulantes — se pergunta: o futuro que chega tem espaço para todos?
Estima-se que atuem cerca de 300 vendedores ambulantes e um número considerável de comerciantes formais no espaço, embora os dados exatos sobre estes últimos não sejam amplamente divulgados. Com a concessão da gestão do terminal ao Consórcio Catedral, em fevereiro de 2025, o Governo do Distrito Federal (GDF) iniciou um processo de reorganização do local, o que incluiu a realocação de aproximadamente 100 ambulantes para uma área provisória entre a plataforma superior e o shopping Conjunto Nacional. A concessão pode marcar o início de uma nova fase ou o fim de uma era para os comerciantes que sempre fizeram dali o seu sustento.
Para David Lima, doutor em Segurança de Trânsito pela Universidade Livre de Bruxelas, e professor da UnB (Universidade de Brasília), a mudança traz potencial para resolver velhos entraves da gestão pública. “A iniciativa privada tem mais agilidade. Quebrou a escada rolante? Ela chama o técnico, paga e bota pra funcionar. O setor público, com suas amarras, precisa licitar até um parafuso. Isso trava tudo”, avalia.
Mas ele reconhece que o debate é mais complexo quando envolve pessoas que construíram raízes naquele espaço. “Tem muita gente ali há décadas. A pastelaria Viçosa, por exemplo, virou parte do imaginário afetivo da cidade. É preciso garantir continuidade para esses comércios tradicionais, mesmo que haja atualização nos contratos. Isso pode e talvez deva envolver o governo como mediador”, propõe.

Preocupação
Apesar da tentativa de tranquilizar os permissionários, a transição tem sido marcada por incertezas. Em nota enviada à reportagem, a Secretaria de Transporte e Mobilidade (Semob) confirmou que as permissões atuais expiram em 22 de maio e que os 147 comerciantes formalmente autorizados têm preferência para continuar operando em seus pontos, sem pagamento de luvas ou valores adicionais. A continuidade, no entanto, dependerá de negociação direta com a nova gestora.
A palavra “negociação” é o que preocupa muitos. Lúcio Alves, servidor público de 60 anos e frequentador assíduo da Rodoviária, ainda não está convencido. “Se disserem que vão tirar os ambulantes para facilitar o trânsito, colocar bancos com encosto, garantir o funcionamento dos elevadores e escadas rolantes, ótimo. Mas quero ver se vão cumprir. Não quero que aconteça como foi com a CEB (Companhia Energética de Brasília): privatizaram e nunca ficou claro pra onde foi o dinheiro.”
Lojistas como Lorrane Almeida, 21, e Fernanda da Silva, 24, que enfrentam a rotina intensa do terminal, temem ser esquecidas no processo. “Uma senhora quis usar o elevador porque tinha problema de saúde. Disseram que era só pra cadeirante. Ela saiu chorando”, lembra Lorrane. Fernanda, que já viu sua loja ser furtada mais de uma vez, diz que a segurança ainda é precária: “Os seguranças não abordam ninguém, só chamam a polícia. Mas até lá a pessoa já sumiu.”
Modernizar sem excluir
David ressalta que os benefícios só virão se houver fiscalização e compromisso público. “Se a concessão for bem controlada, pode transformar o terminal num espaço mais digno. Mas o foco precisa continuar sendo as pessoas. Todo mundo quer um lugar limpo, seguro, com estrutura para descansar e circular. Só que isso não pode significar excluir quem está ali há anos.”
Com investimento previsto de R$ 120 milhões ao longo dos 20 anos de contrato, o Consórcio Catedral terá a missão de modernizar o espaço. Já foi anunciado, por exemplo, um novo sistema de videomonitoramento com 62 câmeras. O GDF garante que as tarifas de transporte continuarão congeladas até 2026 e que não haverá cobrança de taxas abusivas aos comerciantes tradicionais.
Mas enquanto a nova gestão se instala, paira no ar a sensação de que os rostos que fazem da Rodoviária um ponto vivo de Brasília estão ficando em segundo plano. Pois, afinal, a Rodoviária não é feita só de concreto, ônibus e escadas rolantes — é feita de histórias. E muitas delas ainda estão esperando para saber se terão um próximo capítulo. “A gente só quer continuar trabalhando. Com dignidade, com respeito”, diz Fernanda.