Dançarino conta experiências com a cena contemporânea no DF

No campo há quase dez anos, Gabe traça uma trajetória rica e complexa na pesquisa em dança.

Maria Clara Ibiapina Santinoni

Postado em 25/06/2025

Dançando há aproximadamente nove anos, Gabriel Bernardo Marinho, ou apenas Gabe, está focado em concluir seu primeiro curso superior formal em Tecnologia em Dança pelo Centro Universitário do Distrito Federal (UDF). Ele nem sempre teve certeza de sua vocação, mas sabia que teria a ver com arte. Foi a dança que despertou a paixão pela pesquisa, pelo conhecimento e pela expressão.

Gabe vive para a dança. Em específico, para a contemporânea, um conceito que só é realmente possível compreender experienciando-o ao vivo. Tanto no Distrito Federal quanto pelo Brasil, ele já competiu e se apresentou em inúmeros festivais desde 2016. Por aqui, participou do Brasília em Dança, do Só Dois Três, do Movimento Internacional de Dança (MID), entre diversos outros. Atualmente, Gabe faz parte do grupo de dança contemporânea Cena 2, dando aulas no Estúdio Síntese, em Águas Claras. 

O caminho até Gabe se estabelecer foi instável, mas regado de companheirismo e cultura. Assim, ele conta a sua história com o cenário contemporâneo brasiliense, entre incentivos e obstáculos, nesta entrevista ao Portal de Jornalismo Iesb. 

Gabe competiu na 3ª edição do festival Brasília em Dança em 2024 e ganhou em sua categoria, Dança Contemporânea Solo Masculino Avançado, com seu solo “so”, e como melhor dançarino da sessão.

O que você entende como dança contemporânea?

É um assunto complexo. Tem que voltar um pouquinho atrás. Mais ou menos os anos 60, 50. Era tudo basicamente dança clássica e começou o movimento de dança moderna. A dança moderna vem quebrando alguns padrões dentro da dança clássica, e certos grupos, que vem chamando dança contemporânea, vem quebrando os padrões da dança moderna. É muito sobre estrutura de criação e começa a criar experimentações. Daí vem a improvisação, a pesquisa do corpo. Isso vai criando várias bases, que a gente chamou de dança contemporânea, mas teoricamente são danças pós-modernas. A arte contemporânea, ela é geralmente a arte que trata de falar sobre ela mesma.

Ela é a dança que se propõe a se comentar dentro dela mesma. É a dança onde a gente pesquisa sobre dança, usando a dança como material de pesquisa. É um pouco complicado, né? Geralmente tem muita tendência de buscar estilos, quando a gente fala de dança. Mas dança contemporânea não é um estilo. Ela é um pensamento sobre uma forma de olhar a dança.

Como você entrou para o mundo da dança e, especificamente, passou a trabalhar com ela?

Eu comecei meio de acidente na dança. Eu fui chamado por uma ex-namorada minha para participar de um espetáculo, porque elas precisavam de alguns meninos para fazer cenas específicas. E dentro desse processo de aprender as coreografias, eu comecei a fazer aula. Dentro desse ambiente comecei a curtir essa parada de movimento, de dançar. 

Eu sempre gostei muito de arte em geral. Eu já fui designer porque eu gostava de desenhar. De designer eu comecei a editar vídeos em mídias sociais, mas eu parei. Então eu comecei a querer fazer gastronomia, fazendo em forma de arte. Daí eu fui para dança. Eu comecei a me achar mais dentro do ambiente artístico, com algo que eu, de fato, sentia uma vocação para fazer. Só teve um momento que eu decidi, eu não sei exatamente quando.

Como é o acesso a espaços de ensaio, apresentações e financiamentos aqui em Brasília?

O acesso a espaços é meio difuso. A gente tem um espaço em comum em Brasília que é o Centro de Dança. Teoricamente, qualquer pessoa pode mandar uma pauta para receber uma sala. Mas, fora ele, a gente tem poucos ambientes fáceis de entrar. Tem alguns, como o Centro Cultural de Samambaia, que você consegue também mandar uma foto para usar o espaço de vez em quando. Mas, fora isso, geralmente você tem que ir para uma academia, uma escola de dança.

A gente tem alguns incentivos. Em Brasília, tem o FAC, né?, que é uma coisa só de Brasília, só do DF. É o Fundo de Apoio à Cultura. Você tendo um registro e interesse, você pode enviar projeto para o FAC. Assim, você pode ser aprovado para ter verba para fazer diversas coisas, desde espetáculo até um festival mesmo.

Você, por muito tempo, deu suas aulas no Centro de Dança. Como foi a sua experiência com ele?

Como eu falei, o Centro de Dança funciona dando pautas. Você manda uma pauta, eles aprovam dentro do que eles precisam, do que eles querem. Eles geralmente dão a preferência para projetos que foram aprovados pelo FAC. Então, é natural que às vezes, em certas épocas do ano, quando saem essas verbas, a maior parte da sala seja ocupada por projetos do FAC.

Mas, geralmente, eles têm um período para você mandar e eles fecharem as pautas. Só consegue mandar quando tiver uma abertura, mas daí você não consegue ter um período inteiro. O que aconteceu foi uma situação em que um projeto aprovado do FAC entrou depois que as pautas já estavam fechadas. Então, eles deram essa preferência. Acho que nunca aconteceu antes de eles darem preferência por um projeto tão grande depois de ter fechado todas as pautas, com a maioria das pessoas já tendo assinado o contrato das salas. Para colocarem esse projeto, eles basicamente foram mudando um monte de coisa de lugar e acabou tirando muita gente. Eu sei de mim, eu sei de mais algumas outras pessoas que também perderam salas e pessoas que tiveram os horários mudados, mas foram horários que eles não poderiam estar.

O projeto do FAC é focado em balé clássico. A proposta dentro do Centro de Dança é fomentar, tipo, pesquisa em dança, né? Então, teoricamente, coisas de balé clássico não deveriam ter tanta força dentro dessas propostas de pautas. Mas, infelizmente, tem muita força. Todo dia tem pelo menos umas cinco aulas de balé. Agora, com esse projeto, tem uma sala que é ocupada o dia inteiro de segunda a sexta durante, eu acho que, seis meses. 

Além do Fundo de Apoio à Cultura, você sente que tem reconhecimento para a dança contemporânea por parte do público e das instituições de arte?

Das instituições, eu acho que na verdade é um pouco mais complicado. Porque o reconhecimento da cultura em termos de arte, cultura em geral, é bem pouco. E aí quando a gente vai para esses ramos de arte, a dança, eu acho que talvez seja o primo mais feio da arte. Porque é o menos valorizado, basicamente, em ser conhecido enquanto uma arte própria. 

Agora com o público também é complicado, mas é outra forma. Porque eu acho difícil dizer, porque existe um público da dança aqui, mas geralmente são parentes das pessoas que dançam ou as próprias pessoas que dançam. As pessoas que não estão dentro da bolha dificilmente vão buscar um evento de dança para assistir. As pessoas já têm muita dificuldade de ir para um teatro, né? Até uma festa, um palco de dança parece muito improvável.

O que você acha que poderia ser feito de iniciativa para impulsionar a valorização da dança?

Eu acho que uma forma seria encontrar algum jeito de chegar nos ambientes onde pouco se fala sobre isso enquanto arte. Por exemplo, a maior parte dos grupos e das escolas de dança famosas estão no Plano Piloto. Poucas estão fora disso. Então, de alguma forma, conseguir chegar nesses lugares para mostrar que isso também é um local para arte. 

Outra coisa, falar em “ter eventos gratuitos de dança”. O problema é que já tem bastante evento. Mas é isso, a maioria é aqui. Tem uns por fora, não vou dizer que não tem. Mas eu não sei, às vezes é um problema de divulgação, talvez um problema cultural mesmo. Eu acho que não existe exatamente essa cultura de assistir dança, talvez na cidade. É um problema mais embaixo, complexo. Não finjo que tenho uma solução.