Endometriose afeta 7 milhões de brasileiras e desafia diagnóstico precoce

Mulheres levam em média 7 anos para receber o diagnóstico correto. Enquanto isso, enfrentam dores incapacitantes e impactos físicos e psicológicos.

Júlia de Mesquita Ribeiro

Postado em 09/04/2025

Déborah Branco, 20 anos, começou a sentir fortes cólicas menstruais aos 12. “Abri os meus olhos para essas dores incapacitantes, assim como meus pais também perceberam que minhas dores passavam do comum do cotidiano de uma adolescente”, conta. Ela só recebeu o diagnóstico de endometriose aos 18 anos, após seis anos de sofrimento. Casos como o dela são comuns no Brasil, onde a doença afeta cerca de 7 milhões de mulheres, segundo dados do Ministério da Saúde.  

A ginecologista Daniele Cidade explica que essa demora no diagnóstico não é por acaso. “Ter cólica apenas não é fator determinante para a pesquisa da endometriose. Existem mulheres que sentem mais dor no período menstrual de forma constitucional, e outras com a doença que não apresentam nenhum sintoma”, esclarece a médica. Essa variação nos sintomas é um dos principais motivos para o atraso no diagnóstico.  

Um estudo da Universidade de York mostra que as mulheres demoram em média sete anos para serem diagnosticadas. No Sistema Único de Saúde (SUS), foram registrados mais de 26 mil atendimentos relacionados à endometriose em 2021. A doença ocorre quando o tecido que reveste o útero cresce em outros órgãos, causando dor e, em alguns casos, infertilidade.  

O diagnóstico e os impactos da endometriose na vida da mulher

Ariane Cieglinski, 49 anos, também teve dificuldades para conseguir seu diagnóstico. Ela relata que menstruou aos 13 anos e que sentia muitas cólicas, além de ter um grande fluxo menstrual. “Só tive o diagnóstico ao fazer uma cirurgia exploratória não relacionada com a endometriose. Eu tinha 43 anos quando comecei o tratamento, sendo assim, posso dizer que foram 30 anos sofrendo”. 

Exames de imagem, como a ressonância magnética da pelve, são importantes para mapear os focos e a extensão da doença. Foto: Júlia de Mesquita

Os impactos vão além da dor física. Um estudo realizado pelo ginecologista Edvaldo Cavalcante, em parceria com o Grupo de Apoio às Portadoras de Endometriose e Infertilidade (GAPENDI), revelou que 50% das mais de 3 mil mulheres entrevistadas foram diagnosticadas com transtorno de ansiedade generalizada, enquanto 34% desenvolveram depressão. 

A psicóloga Gabriella Monteiro, que atua com foco no estudo da endometriose e também tem a condição, explica que é uma doença sistêmica e que afeta completamente a mulher. “As adaptações e os ajustes que a mulher precisa fazer quando ela recebe um diagnóstico de endometriose atinge todas as áreas da vida dela, e, consequentemente, abala também a saúde mental”, diz.

Ela destaca especialmente os impactos nos relacionamentos: “Se a rede de apoio da mulher com endometriose não compreender, não tiver empatia e não se dispuser a entender como é a vivência dessa doença, essa mulher provavelmente vai ser muito julgada e não vai se sentir acolhida em casa”. Déborah demonstra a importância desse apoio ao relatar que nos momentos das crises de dor, acaba ficando mais sensível e sem perspectiva de melhora, o que a atrapalha nas tarefas básicas do dia a dia.

Déborah Branco tem 20 anos e é portadora de endometriose. Foto: Júlia de Mesquita

A busca pelo tratamento e o Março Amarelo 

Quando finalmente recebem o diagnóstico, as mulheres enfrentam outro desafio: encontrar um bom tratamento. Ariane conta que após conviver com a doença sem diagnóstico por 30 anos, ainda lidou com problemas no tratamento: “Primeiramente, eu usei um implante hormonal. Contudo, ele me causou crises de enxaqueca, e tive de fazer um longo tratamento para essas crises. Então, após conversas com a minha ginecologista, decidimos pelo uso de um anticoncepcional e, até o momento, tem funcionado bem”.  

A ginecologista Daniele explica que as opções variam conforme cada caso: “Os tratamentos consistem em: medicamentoso (para controle da dor e processo inflamatório), hormonal (uso de medicação hormonal oral contínua, o implante Implanon ou DIU medicado como o Mirena) ou até cirúrgico (com a ressecção das lesões)”. Ela ressalta que o desafio da paciente consiste em aderir adequadamente a conduta proposta e avaliar se ocorre alguma melhora dos sintomas. “Costuma ser um processo longo e requer perseverança”.  

Déborah também passou por dificuldades: “Depois do diagnóstico, o principal desafio durante o tratamento para mim foi a adaptação ao remédio. O corpo demora cerca de três meses para responder ao medicamento e, durante esse tempo, é um misto de dores (que ainda não estavam controladas) e medo do medicamento não funcionar”.  

Segundo a Organização Mundial da Saúde, a endometriose atinge aproximadamente 176 milhões de mulheres em todo o mundo. Foto: Júlia de Mesquita

O Março Amarelo, mês de conscientização sobre a endometriose, ganha significado especial para quem convive com a doença. Déborah afirma: “Me senti acolhida quando descobri que o mês de março era de conscientização da endometriose, de modo que me conforta saber que existe um mês totalmente dedicado para a disseminação de informações que podem ajudar mulheres”. Ariane diz que considera uma ótima oportunidade para que as mulheres saibam que é possível obter o diagnóstico correto. “As campanhas evidenciam a importância de se obter o diagnóstico possível”.

Gabriella Monteiro também reforça a importância da iniciativa: “O Março Amarelo é um mês super importante para a gente que trabalha com isso e para quem tem a doença. A gente precisa falar sobre isso e precisa que as pessoas saibam sobre”. Enquanto isso, histórias como as de Déborah e Ariane mostram a urgência em melhorar o diagnóstico, o tratamento e o acolhimento das mulheres com endometriose. Como conclui Déborah: “Sentir cólicas incapacitantes durante o período menstrual não é natural e nem pode ser normalizado”. A conscientização promovida pelo Março Amarelo é um passo importante para essa luta.