Fundação Cultural Palmares preserva e promove a cultura afro-brasileira

Representante internacional compartilha a importância do Quilombo dos Palmares.

Luara F. Oliveira

Postado em 06/06/2025

A promulgação da Lei 10.639, em 9 de janeiro de 2003, representou um marco histórico na luta por reconhecimento e valorização da cultura afro-brasileira no Brasil. Tornando obrigatório o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas públicas e privadas de ensino Fundamental e Médio, a lei responde à necessidade de combate ao racismo e a valorização da cultura ancestral do Brasil. 

No entanto, o trabalho a ser feito dentro da sociedade brasileira, precisa de um apoio e visibilidade maior. Nesse contexto, a Fundação Cultural Palmares exerce um papel necessário e estratégico. Criada em 1988, a instituição, vinculada ao Ministério da Cultura, tem como missão preservar, valorizar e promover as manifestações culturais afro-brasileiras, ou seja, uma afirmação clara das políticas afirmativas da ancestralidade africana. 

Ao longo de sua trajetória, a Fundação tem atuado no reconhecimento de territórios quilombolas, no apoio a iniciativas culturais afro-brasileiras e na produção de conhecimento voltado à memória e ancestralidade negra. Mais do que um órgão institucional, a Palmares simboliza um espaço de resistência, compartilhamento de narrativas e afirmação da contribuição africana na formação do povo brasileiro. Em tempos de debates sobre identidades e reparação histórica, seu papel se torna ainda mais relevante e necessário.

A promoção e preservação da cultura afro-brasileira

Moaz Mavoungou com o seu livro “O paradoxo africano – Foto: Luara F. Oliveira “

A Fundação Palmares nasceu para representar o resgate, o fomento, a promoção e a conservação do patrimônio material e imaterial da herança africana e afro-brasileira. Porém, a fundação vai muito além disso, é o resgate da história de um país que aprendeu a existir apesar dos empecilhos e luta pelas comunidades quilombolas que sofreram e sofrem agressões.

Boaz Mavoungou, natural do Gabão, chefe de divisão sobre assuntos internacionais e escritor, conta que o órgão atua em diversas áreas. “A Fundação Palmares faz tudo o que pode para lutar pelos direitos das comunidades tradicionais afro-brasileiras. Também procuramos uma forma de titularizar, ou pelo menos registrar, as localizações e provar que são quilombos tradicionais, para elas terem seus direitos reconhecidos e o direito da terra”, explica o representante da fundação. 

Além desse trabalho, a instituição busca promover a herança cultural, indo da oralidade até a literatura africana e afro-brasileira. Um dos projetos para o ano de 2025, o Palmares canta, conta e dança, é uma ação que reúne literatura, música e experiências que fortalecem as expressões culturais negras. O projeto acontece no espaço da própria fundação e já tem conversas para fazer com que a ação também possa ser itinerante, alcançando mais pessoas. 

Fortalecendo a Lei 10.639, a Fundação Palmares conta com o Espaço Erê, onde crianças e adolescentes podem se conectar e aprender sobre a herança de sua raça. Para Tatiana Guedes, o espaço e a iniciativa de literatura infantil é algo positivo para ela. “Os livros que a Fundação disponibiliza para levar são ótimas, pois acabam cumprindo um papel que a escola não faz e eu posso ensinar meu filho um pouco sobre quem ele é enquanto menino preto.”

“Para mim Palmares é uma verdadeira caixa preta da África. Porque quando uma jornada dá errado, não procuram pela asa do avião, vão atrás da caixa, porque é lá onde está a história.”

História de Palmares

A Fundação Cultural Palmares recebe esse nome como uma forma de homenagear o Quilombo do Palmares, o maior e mais longevo quilombo do Brasil. Localizado na Serra da Barriga, no município de União dos Palmares, no estado de Alagoas, o quilombo foi fundado por volta de 1590 e resistiu por mais de 100 anos, tendo sua destruição no dia 20 de novembro de 1695. Liderado por figuras como Ganga Zumba e, posteriormente, por Zumbi dos Palmares, o quilombo chegou a reunir cerca de 20 mil pessoas em seu auge. A comunidade abrigava pessoas escravizadas fugidas, mas também pessoas brancas, que estavam dispostas a lutar pela causa, e nativos que foram arrancados de suas terras. Moaz Mavoungou, conta que Palmares era um lugar de vivência de diversas origens e todos se uniam por um único objetivo: a dignidade humana. “Ali era um sistema pluralista e unificado onde a União fazia a força”, conta Moaz.

O Quilombo dos Palmares é considerado por muitos historiadores como a primeira tentativa de construção de uma república no Brasil. “Ali se criava o início do Brasil que conhecemos hoje: uma união. Era a União de Palmares. Então, pode se afirmar que o Quilombo dos Palmares foi a primeira República do Planeta “, confirma o representante da Fundação Palmares. 

Durante um século, o quilombo resistiu a diversas tentativas de invasão, através do desenvolvimento de uma estrutura sociopolítica própria, com práticas de autogoverno, agricultura coletiva, defesa militar organizada e relações diplomáticas com vilarejos e outras comunidades quilombolas. Palmares representava um projeto de liberdade e autonomia baseado na ancestralidade africana, na solidariedade, diplomacia e na resistência. “Do ponto de vista africanista, o herói é aquele que evitou a guerra e do lado ocidental é aquele que mais derramou sangue” explica Boaz. 

 “No Quilombo dos Palmares, cura não significa só curar as feridas, significa o equilíbrio da alma, tirar o desejo de vingança e lembrar que lá dentro todas as feridas ficavam lá fora. No quilombo, o poder era o convívio, várias nações africanas, os povos nativos, europeus, com todas as suas diferenças convivendo e isso fez o Quilombo dos Palmares ser a primeira República das Américas e do mundo moderno.”                                                                                  

Foto do atual Quilombo dos Palmares; o banner está na entrada da Fundação Palmares – Foto: Luara F. Oliveira

É importante lembrar que as pessoas arrancadas de seus países na África, para serem escravizados no Brasil, trouxeram consigo toda a sua cultura, já que era a única coisa que podiam carregar. “Em várias situações, há mais conexão com a ancestralidade no Brasil do que na África. Já que lá muitos não conheceram outra coisa a não ser a cultura europeia e os negros aqui, nasceram de pais que sabiam da história, que foram passando isso pelas gerações.”, compartilha o escritor. Essa cultura tão forte enriquecia o Quilombo dos Palmares e se fundia com as outras heranças culturais e nascia o que é hoje a cultura afro-brasileira.

“A desigualdade nacional só será reparada se resgatarmos a história de fato e tentarmos combater as desigualdades nas suas justificativas.”