Memória e identidade marcam os 65 anos de Brasília
Projetos culturais e educativos ajudam a preservar a história da capital e reforçam o sentimento de pertencimento dos brasilienses.
Postado em 23/04/2025
Eternizada em letras de canções e em roteiros cinematográficos, Brasília completou 65 anos no último 21 de abril. Como de costume, a cidade comemorou seu aniversário com uma programação para toda a família, shows de artistas locais e a realização de exposições sobre a história da capital, reforçando a importância da preservação do patrimônio imaterial dessa jovem senhora.
Entre as atrações do aniversário, a exposição “Quando os brasilienses se encontram”, na Praça dos Três Poderes, reúne imagens do acervo do Correio Braziliense. A mostra destaca o papel da memória coletiva na formação da identidade de Brasília, incluindo registros históricos como os do movimento das Diretas Já, em 1984, e do desfile no Eixão durante a visita do Papa João Paulo II à cidade, em 1980.
Dois projetos têm se destacado nesse processo de resgate e valorização da memória da capital: o Histórias de Brasília, idealizado pelo jornalista João Carlos Amador, e o projeto de extensão Outras Brasílias, coordenado pela professora Cristiane Portela, da Universidade de Brasília (UnB). Ambos buscam recuperar memórias para promover uma compreensão mais ampla da cidade, seja por meio de fotografias e relatos afetivos nas redes sociais, seja pelas narrativas de grupos historicamente marginalizados, como trabalhadores e moradores das periferias.

Criado em 2014, o projeto Histórias de Brasília teve início no Facebook com o objetivo de divulgar fotos antigas e curiosidades sobre a cidade. “Sempre colecionei fotos e percebi que muitas informações da capital não estavam disponíveis em lugar algum na internet”, conta João Carlos. O primeiro post tratava do ginásio Nilson Nelson. De lá para cá, a página tornou-se referência em memória afetiva e soma mais de 300 mil seguidores nas redes sociais, com mais de 131 mil curtidas e mais de 5.000 postagens no Instagram.
O sucesso do projeto, segundo o idealizador, veio de forma despretensiosa. “Era uma forma de colocar na internet um material que eu guardava no computador”, diz. Hoje, ele recebe diariamente mensagens de seguidores pedindo temas, enviando fotos antigas ou compartilhando lembranças. Postagens com imagens de escolas, lanchonetes e cinemas antigos frequentemente provocam reencontros emocionantes. “Nas fotos de turmas de escola, os alunos costumam se encontrar por ali, décadas depois. É uma forma de a rede social conectar pessoas por meio das memórias do passado”.
Para ele, preservar a memória de Brasília é essencial justamente por ser uma cidade jovem. “Temos o privilégio de conviver com os pioneiros da capital e ter seus relatos ainda vivos. Então a história da cidade está próxima de todos nós e deve ser preservada da forma mais fiel possível”, defende. João também destaca que há um crescente interesse tanto por parte da população quanto das instituições públicas, ainda que Brasília esteja “descobrindo sua identidade como povo e como cidade”.
Com fotos vindas de arquivos públicos, jornais, revistas antigas e contribuições de seguidores, a página se consolidou como um espaço de construção coletiva da memória. Algumas imagens, como as dos candangos construindo a cidade, são especialmente simbólicas. “Mostram o gigantesco esforço para erguer uma capital em tempo recorde, com pouca tecnologia e muita força de vontade”, resume.
Contranarrativas e a resistência da periferia
Por sua vez, o projeto Outras Brasílias foi idealizado em 2005, inspirado pela experiência de Cristiane Portela como docente na rede pública. A proposta é construir contranarrativas e dar visibilidade a memórias que não fazem parte da história oficial. “Essa narrativa hegemônica não contempla a história dos meus alunos nem a de suas famílias”, afirma Portela. O projeto realiza exposições, oficinas e atividades culturais em escolas e espaços públicos, resgatando episódios como o Levante da Turma da Boa Vontade (1964), o Massacre da GEB (1959) e a resistência das lavadeiras de Taguatinga à retirada da bomba d’água em 1960.
Além do resgate histórico, o Outras Brasílias também oferece formação crítica. Mais de 400 estudantes da graduação já cursaram a disciplina homônima na UnB, e cerca de 300 professores participaram de capacitações. Segundo Portela, a identidade local tem se fortalecido, especialmente com o crescimento da população nascida no Distrito Federal, que hoje representa cerca de 60% da população. “Brasília é uma história recente, mas muito viva, que pode ser ouvida nos relatos de quem viu tudo surgir”.
Os projetos convidam a população a refletir sobre as múltiplas histórias que formam Brasília e como essas narrativas podem ser reconhecidas e valorizadas. Em um momento de transformações rápidas e de crescimento populacional, a preservação da memória da cidade torna-se crucial. Com a chegada de novas gerações e o aumento da diversidade, é fundamental que iniciativas como essas continuem a atuar como pontes entre o passado e o presente, mantendo a conexão da população com a cidade e com sua história.
Para Cristiane Portela, “a memória não está apenas nos livros ou museus. Ela está nas ruas, nas histórias que ainda estão por contar e nas vivências que precisamos compartilhar”. A preservação da memória de Brasília, portanto, não é apenas uma questão de nostalgia, mas uma necessidade para fortalecer a identidade da cidade e garantir que ela continue sendo um lugar de pertencimento e resistência.