Natasha Ferreira, a travesti que virou liderança política em Porto Alegre
Vereadora eleita pelo PT e a mais votada do Rio Grande do Sul em 2024, ela fala sobre sua trajetória política em um cenário político conservador
Postado em 23/06/2025
Em um país marcado por uma estrutura política historicamente conservadora, a ascensão de Natasha Ferreira (PT-RS) como vereadora em Porto Alegre e, mais ainda, como líder de bancada, representa não apenas um avanço simbólico, mas um movimento estratégico de ocupação e disputa institucional. Mulher travesti, de 37 anos, militante de base e representante da comunidade LGBTQIAP+, Natasha não apenas entrou no jogo político: ela decidiu redesenhar suas regras.
Eleita em 2024, a vereadora atua com firmeza num cenário ainda hostil à diversidade de gênero e sexualidade. No Estado do Rio Grande do Sul, a representatividade trans chega a apenas 18%, segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA). Mas Natasha rompe essa estatística ao se tornar a primeira transexual a liderar uma bancada partidária na Câmara de Porto Alegre.

“Não é somente sobre liderar uma bancada, é representar lutas e necessidades de inclusão”, afirma.
Do ativismo à articulação institucional
Natasha surge como liderança forjada nas bases dos movimentos sociais. Sua trajetória é marcada pela militância pelos direitos das pessoas trans e pela luta por políticas públicas inclusivas, especialmente nas áreas de saúde, educação, trabalho e segurança. A entrada na política institucional, para ela, foi uma extensão natural de sua atuação nos territórios e nas ruas.
Na entrevista, ela relata que enfrentou o preconceito já na campanha eleitoral. Sofreu ataques nas redes, viu sua participação ser silenciada em debates e teve que comprovar constantemente sua capacidade política. A resposta veio nas urnas, onde agora se traduz em uma agenda combativa no Legislativo municipal.
“Estar dentro desse espaço não é lutar somente por mim, mas por toda comunidade LGBTI+ e outros grupos minorizados.”
Natasha surge como liderança forjada nas bases dos movimentos sociais. Trajetória essa marcada pela militância pelos direitos das pessoas trans e pela luta por políticas públicas inclusivas, especialmente nas áreas de saúde, educação, trabalho e segurança. Foto: Arquivo Pessoal
Um mandato voltado à equidade
Natasha defende uma plataforma centrada na justiça social, nos direitos humanos e na inclusão efetiva das populações minorizadas. Sua atuação busca traduzir a representatividade em política pública concreta, com projetos de lei e ações voltadas para a promoção de saúde integral para pessoas trans, combate à transfobia institucional, garantia de nome social e identidade de gênero em serviços públicos, políticas de empregabilidade e capacitação profissional, e de campanhas de conscientização para a população em geral.
Ela também denuncia a omissão do Estado no cumprimento das leis que garantem direitos básicos às pessoas trans. Para ela, o problema não é só legislativo, mas estrutural: falta preparo técnico, vontade política e enfrentamento cultural.
“Há uma lacuna entre a existência das leis e sua aplicação prática. Pessoas trans encontram barreiras em áreas como saúde, educação e segurança.”

Liderança progressista e articulação com o Congresso
Aliada de figuras como Erika Hilton e Duda Salabert, Natasha integra um grupo de parlamentares trans que têm reformulado o debate público e ampliado a atuação institucional das pautas LGBTQIAP+. Mais do que representação simbólica, esse grupo tem conseguido articular avanços em políticas públicas e ampliar o alcance do ativismo trans no Legislativo.
“O protagonismo das mulheres trans reflete no reconhecimento da diversidade e numa oportunidade de construir políticas públicas mais inclusivas e justas.”
Ao falar de seu papel, Natasha se vê como símbolo e ferramenta de transformação: “Eu vejo na política um instrumento poderoso para transformar vidas e construir um Brasil mais justo e inclusivo.”
Com uma postura combativa, mas dialogal, ela reforça a importância de se conectar aos movimentos sociais, promover empatia e construir alianças interseccionais dentro e fora do parlamento.
ENTREVISTA NA ÍNTEGRA — Natasha Ferreira (PT-RS)
1) Durante sua campanha para vereadora, quais foram os maiores desafios enfrentados como mulher trans em um cenário político tão polarizado?
Natasha Ferreira: Os maiores desafios que enfrentei ao longo da campanha foi o preconceito enraizado na nossa sociedade que, infelizmente, veio através de diversas manifestações, desde ataques diretos nas redes sociais, até dificuldades de fazer com que minha voz fosse ouvida em debates e espaços públicos. Como mulher travesti, tive que superar barreiras de estereótipos e provar constantemente minha competência e comprometimento com a causa pública. Estar dentro desse espaço não é lutar somente por mim, mas por toda comunidade LGBTI+ e outros grupos minorizados, para que mais e mais pessoas ocupem posições de destaque e contribuam para uma política efetiva e justa.
2) Você está sendo a primeira transexual a liderar a bancada de um partido na Câmara da capital do RS. Como você se sente sabendo que está abrindo ainda mais portas para a comunidade LGBTQIAP+?
Primeiro, é uma honra estar representando a comunidade LGBTI+ na Câmara Municipal de Porto Alegre. Sem dúvidas é um misto de emoção, gratidão e reconhecimento pela minha trajetória e trabalho realizado até agora. Não é somente sobre liderar uma bancada, é representar lutas e necessidades de inclusão de pessoas que ainda enfrentam desafios e preconceito para serem respeitadas e vistas nos espaços. Espero que meu trabalho aqui na Câmara mostre que é sim possível construir uma sociedade mais justa e plural. E, se essa conquista abrir portas para que mais pessoas da comunidade ocupem espaços de poder no futuro, já terá valido a pena todo o processo que lutei para conseguir.

3) Quais os desafios que você ainda vê nesse cenário de baixa representatividade trans na sua região? O que pretende fazer para melhorar essa situação?
A representatividade da comunidade trans na região Sul ainda enfrenta grandes desafios, especialmente devido ao conservadorismo que persiste em muitos espaços. Apesar disso, percebo sinais de mudança, como o marco histórico da eleição de duas travestis como vereadoras em nossa cidade. Esse avanço reforça a importância de ocuparmos todos os espaços, desde a política até outras esferas da sociedade.
Os desafios incluem a superação do preconceito e da discriminação, que ainda limitam o acesso das pessoas trans a direitos básicos, como educação, saúde e trabalho. Além disso, é fundamental combater a violência contra a comunidade trans e travesti, que ainda registra índices alarmantes no Brasil.
Para melhorar esse cenário, é importante se conectar com movimentos sociais que já defendem os direitos das pessoas trans, aumentando sua visibilidade e alcance. Também é essencial fortalecer iniciativas locais que promovam inclusão, com apoio, capacitação profissional e acolhimento. A conscientização da população por meio de campanhas educativas pode ajudar a desconstruir preconceitos. Por fim, garantir políticas públicas que respeitem e incluam a comunidade trans em todos os setores faz toda a diferença.
4) O Estado ainda é omisso na implementação de políticas públicas para pessoas trans, mesmo com legislações que as amparam?
Apesar dos avanços das legislações e decisões judiciais que buscam assegurar os direitos das pessoas trans, o Estado ainda enfrenta desafios significativos na implementação efetiva dessas políticas públicas. Há uma lacuna entre a existência das leis e sua aplicação prática, seja pela falta de infraestrutura, de treinamento adequado para os profissionais que lidam com essas questões, ou até mesmo pela resistência cultural em alguns setores da sociedade. Pessoas trans encontram barreiras em áreas como saúde, educação e segurança, no desrespeito ao uso do nome social, dificuldade de acesso a tratamentos específicos e a alta vulnerabilidade à violência. É necessário um esforço conjunto: do Estado, na criação de políticas públicas mais abrangentes e no fortalecimento de sua implementação; da sociedade, na construção de um ambiente mais acolhedor; e de cada um de nós.
5) O protagonismo de mulheres trans na política representa um avanço significativo?
Com certeza! Não só para a comunidade LGBTI+, mas para toda a sociedade como uma quebra de barreiras históricas e visibilidade para demandas em prol das mesmas. O protagonismo das mulheres trans reflete no reconhecimento da diversidade e numa oportunidade de construir políticas públicas mais inclusivas e justas. Também serve como inspiração para as gerações mais novas, mostrando que é possível sim sonhar com um amanhã representativo, onde as pessoas tenham oportunidades iguais de participar na construção de uma sociedade melhor.
6) Que mensagem você passa para os seus eleitores e os novos que a veem como esperança para a política brasileira?
Aos meus eleitores e às pessoas que estão me conhecendo agora, quero dizer que vejo na política um instrumento poderoso para transformar vidas e construir um Brasil mais justo e inclusivo. Eu carrego comigo o compromisso de lutar por igualdade, respeito e oportunidades para todos, especialmente para aqueles que historicamente foram deixados à margem.
Acredito que juntos podemos fazer a diferença. É hora de ressignificar a política, aproximá-la das pessoas e garantir que ela seja um reflexo das nossas diversidades e demandas reais. Meu compromisso é trabalhar com transparência, escutar a voz da população e buscar soluções que promovam dignidade e progresso para todos.
Convido cada um a sonhar comigo com um Brasil onde todas as pessoas possam viver sem medo, com direitos garantidos e com oportunidades para alcançar seus sonhos. Vamos construir, juntos, um futuro que nos encha de orgulho!