Quadrilhas juninas unem arte, tradição e competição no Distrito Federal

Grupos carregam cultura ao longo de todo o ano e participam de competições regionais e nacionais

Débora Sobreira Rezende

Postado em 25/06/2025

Para além das comidas típicas, decorações coloridas e roupas à caráter, as festas juninas que animam o Brasil ao longo do mês de junho possuem uma outra particularidade: os tradicionais grupos de quadrilha junina. E a preparação para que os festejos tragam a magia das danças não se inicia, nem é finalizada, em junho: é fruto de agrupamentos que carregam história, tradição e cultura ao longo de todo o ano.

As quadrilhas juninas possuem suas raízes na quadrille francesa, que consiste em uma dança de salão performada simultaneamente por quatro casais. Trazidas para cá ao início do século XIX, desenvolveram uma personalidade própria, alinhada à religiosidade, ao folclore e à cultura brasileira.

Arthur Cunha, também conhecido como “Capivara” entre seus companheiros de quadrilha, se apaixonou à primeira vista pela dança junina ao assistir a uma apresentação a convite de uma amiga. Hoje, é brincante e dançarino pelo grupo Si Bobiá a Gente Pimba, originário de Samambaia. “Sou muito feliz dançando, é algo surreal de se explicar. É gratificante entender os ensaios, a revelação do traje, o frio na barriga. É muito sobre a magia, o entendimento do outro e a disciplina”, conta, orgulhoso.

Gabriel Nunes Duarte é também brincante na “Pimba”. Integrante do grupo desde 2023, conta ter se apaixonado pela cultura junina ao acompanhar os primos, já artistas do meio, em competições da categoria. “É um amor indescritível, nós voltamos a ser crianças; o forró do nordeste é uma sensação única de se estar vivo”, comenta.

Para Esther Braga, que integra a quadrilha desde 2018, a dança se tornou parte de todos os campos da sua vida. Junto à Pimba, já viajou para competir em Picos, Piauí. “Competir para mim é sempre uma sensação engraçada, porque nunca sei o que estou sentindo (…) mas tem sempre a sensação de dever cumprido por conseguir tocar as pessoas através da arte e expressar diversos sentimentos através da dança”.

Fundada em 1992, a quadrilha da qual os três dançarinos fazem parte tem um forte peso na história da categoria: foi campeã do torneio encabeçado pela Federação das Quadrilhas Juninas (FequajuDFE) em 2024, com o espetáculo “Entre a labuta e a devoção, as mãos que constroem o meu São João” e é fundadora da Liga de Quadrilhas Juninas do DF e Entorno (LINQ-DFE). Os enredos, como explicado por Gabriel, fazem parte da performance e dão o tom da dança, centrando-se, geralmente, em temas ligados à cultura nordestina, casamento e religiosidade. Há, tal como no Carnaval, a presença de “alas”, com os noivos possuindo papel essencial.

Si Bobiá a Gente Pimba em apresentação na III Mostra de Dança Planaltina 2024 | Foto: Acervo pessoal

Outro elemento comum às coreografias é a arriúna, passo de dança que começou a ganhar forma em 1994. É oriundo do Distrito Federal e foi criado por Gilberto Alves da Silva, ex-dançarino e fundador da quadrilha junina Êta Lasquera. “Consiste em uma dança energética, saltitante, onde o brincante “quica” na ponta dos pés, jogando as pernas para o lado, chegando a flutuar com os dois pés no ar em grande parte dos movimentos”, explica Gilberto. A dança incorpora elementos da teatralidade, expressões faciais diversas e gritos animados durante a apresentação.

A arriúna foi batizada em referência ao termo usado na canção “No Terreiro da Fazenda”, regravada pela banda cearense Mastruz com Leite. O ex-brincante conta ter pego inspiração para a dança na sua própria experiência em grupos de quadrilha, a partir dos anos 80. Já familiarizado com o tradicional bater das solas dos pés e das mãos durante a performance, encontrou na arriúna uma alternativa para expandir o potencial do corpo: “Pensei: se, ao invés de apenas jogar o calcanhar para o lado com os pés presos no chão, eu tirasse os pés do chão, saltasse e movimentasse os braços, a dança ganharia uma energia e uma potência totalmente novas”.

Embora siga o mesmo padrão de pulos animados e espontâneos, a arriúna passou por diversas transformações ao longo de sua história. Hoje, cada grupo molda a dança de acordo com sua identidade.

Quadrilha enquanto memória

No Distrito Federal, grupos goianos e candangos agitam o cenário das festas de São João todos os anos; antes restritas a pequenas apresentações em igrejas e festas comunitárias, hoje são geridas por ligas responsáveis por organizar festivais e campeonatos, como é o caso da LINQ-DFE. Sua história é também mantida através do carinho nutrido por quem acompanha ou vive o espírito junino. As articulações para preservar e relembrar a história das quadrilhas são um esforço por parte de suas próprias entidades e que já apresenta resultados. Em junho de 2024, um decreto reconheceu a quadrilha junina como manifestação cultural nacional.

Leandro Santana tem 38 anos, é engenheiro civil e bombeiro, mas antes, da adolescência em diante, ocupou-se como dançarino no grupo junino “Êta Lasquera” pelo período de 2005 a 2012. Embora não mais nos palcos, hoje dedica-se a preservar a memória da antiga formação através de uma página no Instagram para, em suas palavras, “preservar a memória daqueles que também vestiram a camisa e deram o sangue para que o nome da quadrilha esteja onde está hoje”.

Conta que o que despertou seu interesse em integrar um grupo de quadrilha, aos 14 anos, foi o desejo de se enturmar com outros jovens da sua idade e a ausência de mais opções de lazer em Samambaia, onde residia. “A partir das apresentações no meu primeiro grupo, pude conhecer outros lugares do DF. Já na Êta, consegui uma liberdade nacional; conheci outros estados e a praia através da quadrilha junina”.