Empresas usam a identidade de Brasília para gerar valor e conquistar o mercado
Marcas apostam em elementos do cotidiano brasiliense, como a arquitetura e o céu da cidade, para gerar conexão com o consumidor
Postado em 20/05/2025
Empresas de moda, design e outras áreas criativas do DF têm apostado, nos últimos anos, em referências visuais e simbólicas do cotidiano brasiliense — como a arquitetura modernista, o céu do cerrado e a organização urbana da capital — para desenvolver produtos autorais que fortalecem o posicionamento de marca e criam uma conexão mais afetiva com o consumidor.

A arquitetura que veste e diferencia
O uso de traços de Brasília como diferencial de marca reflete uma mudança de postura no mercado criativo: em vez de buscar inspiração em tendências globais, empreendedores locais têm voltado o olhar para o que os cerca. Esse processo tem resultado em produtos com forte carga simbólica, que exploram a originalidade do lugar como uma vantagem competitiva. A Sacramound, por exemplo, é um ateliê brasiliense que criou uma coleção de moda inspirada na arquitetura da cidade, reinterpretando elementos icônicos como a Catedral, o Congresso Nacional e as curvas de Niemeyer.
A marca Verdurão, também brasiliense, segue o mesmo caminho, com uma proposta estética que transforma a paisagem do cerrado e o cotidiano urbano em peças vestíveis. “Brasília é nossa inspiração diária. Cada peça que criamos é um tributo ao cerrado, à arquitetura e à cultura única da nossa cidade. A gente transforma horizonte em estampa, concreto em cor”, afirma um dos fundadores da Verdurão. “A ideia sempre foi essa: fazer com que as pessoas possam vestir um pouco da cidade que vivem. Queremos que quem usa Verdurão sinta que está carregando um pedaço do Planalto com orgulho.”
Em um cenário de concorrência acirrada, especialmente para marcas de pequeno porte, trabalhar com identidade local se revela uma estratégia de diferenciação eficaz. Além de ajudar a contar histórias autênticas, esse posicionamento permite estabelecer vínculos com um público cada vez mais interessado em consumir com propósito. “A gente vive e respira Brasília. Com o tempo, isso virou uma vontade: traduzir tudo isso em roupa, trazer para o corpo o que a cidade transmite pra alma”, declarou a Sacramound em entrevista. Ao fazer isso, essas marcas não apenas vendem um produto — elas compartilham um sentimento coletivo de pertencimento.
A economia criativa em números
O avanço desses negócios está inserido em um cenário de crescimento da economia criativa no Brasil. Segundo a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), o setor representa 3,11% do Produto Interno Bruto (PIB) do país e emprega mais de 7,4 milhões de pessoas. Só em 2023, o segmento movimentou mais de R$ 230 bilhões, superando setores tradicionais como o têxtil e a construção civil. No Distrito Federal, o impacto é ainda mais expressivo: a economia criativa corresponde a 3,5% do PIB local, com mais de R$ 9 bilhões movimentados por ano, segundo dados da Fundação de Apoio à Pesquisa do DF (FAP-DF).
Esse desempenho está fortemente ligado à capacidade de profissionais e empresas locais de transformar cultura em valor econômico. Marcas autorais que incorporam símbolos da cidade em suas criações não só geram renda e empregos, como também fortalecem o imaginário coletivo de Brasília como polo criativo e inovador. O reconhecimento, muitas vezes, extrapola os limites do DF. No caso da Sacramound, a coleção inspirada na cidade viralizou nas redes sociais e rendeu convites para colaborações e parcerias nacionais, mostrando que a capital federal pode, sim, exportar moda com sotaque próprio.
A Verdurão também compartilha desse desejo de levar a identidade brasiliense para além do Eixo Monumental. “Nosso sonho nunca foi só vender roupa. É contar uma história, provocar conversa, gerar identificação. A moda que a gente faz é carregada de afeto e de memória — e por isso ela vai longe”, explicam os criadores da marca. “Nosso objetivo é levar a identidade brasiliense para o mundo, mostrando que a moda do cerrado tem voz e estilo próprios.”
O papel do FAC e os limites do fomento
Parte importante desse crescimento passa pelo financiamento público. A Sacramound, por exemplo, contou com o apoio do Fundo de Apoio à Cultura (FAC), vinculado à Secretaria de Cultura e Economia Criativa do DF. Criado em 1991, o FAC é uma das principais políticas de fomento à cultura no país e, em 2023, destinou mais de R$ 52 milhões a projetos locais. Os editais beneficiaram iniciativas nas áreas de moda, audiovisual, música, artes visuais, entre outras.
O financiamento permitiu à marca investir em materiais, pesquisa e tempo de produção, mantendo a essência artesanal sem comprometer a qualidade. Para pequenos empreendedores, esse tipo de apoio é muitas vezes a única forma de tirar um projeto do papel com estrutura profissional. No entanto, o acesso ao fomento ainda é limitado a quem consegue transitar bem pelo processo burocrático, o que acaba excluindo parte das iniciativas criativas que surgem nas periferias ou fora do circuito cultural tradicional.
Identidade como ativo econômico
A valorização de produtos com identidade local não é apenas um fenômeno estético, mas um reflexo das mudanças no perfil de consumo. Um relatório global da consultoria Deloitte mostrou que 57% dos consumidores priorizam marcas com propósito claro e valores alinhados aos seus. No Brasil, segundo o Sebrae, quase metade dos consumidores afirmam preferir empresas que representem sua cultura ou região.

Nesse contexto, explorar elementos simbólicos da cidade — como o céu amplo de Brasília, suas formas geométricas, o urbanismo singular — não é apenas uma escolha poética, mas também estratégica. Essas referências criam uma narrativa de marca poderosa, que comunica originalidade e desperta afeto. Quando bem trabalhadas, elas se convertem em valor de mercado.
A trajetória da Verdurão mostra isso de forma clara. “Começamos no improviso, com uma prensa emprestada e vontade de mostrar que o que é nosso tem valor. Lá no início, ninguém falava em moda autoral de Brasília. A gente só queria imprimir o que via na rua, no céu, nas quadras”, lembra um dos fundadores. “Hoje, olhando pra trás, dá orgulho ver que continuamos fazendo moda com alma. Brasília não é só cenário pra gente, é personagem principal.”
Ainda que o caminho da identidade local seja promissor, os empreendedores que o trilham enfrentam obstáculos. A concentração de investimentos em grandes centros, a dificuldade de escalar produtos artesanais e a fragilidade de políticas públicas contínuas são desafios recorrentes. “Trabalhar com cultura local é resistir”, afirma a Sacramound. “É mostrar que temos muito a dizer e que o nosso olhar é tão potente quanto qualquer outro.”
Apesar dos desafios, marcas autorais que apostam na identidade local seguem ganhando espaço no Distrito Federal. A cada coleção, exposição ou lançamento inspirado em traços da capital, o setor criativo se fortalece como uma alternativa econômica viável e conectada ao território. Pequenos negócios como a Verdurão e a Sacramound mostram que há mercado para produtos que nascem da cultura local e que dialogam diretamente com o cotidiano da cidade
Infográfico: Beatriz de Almeida Infográfico: Beatriz de Almeida