A jornada de Tatielly, guardiã da vida felina

“Salvar a vida de um animalzinho pode não mudar em nada a sua vida, mas mudará a vida dele para sempre”

João Guilherme da Silva Melo

Postado em 17/06/2025

Foto: Pexels

Nas ruas de Brazlândia, Distrito Federal, uma história de amor mudou o destino de dezenas de vidas de quatro patas. Tatielly Lopes da Silva, hoje com 26 anos, sempre gostou de gatos, desde pequenininha. Mas foi em junho de 2020, em meio à pandemia, que ela deu o primeiro passo de um projeto de resgate que transformaria sua vida e a de inúmeros felinos. Em 2023, nasceu a página “@miaudatati”. Hoje, o projeto de Tatielly é muito mais do que uma iniciativa de proteção animal, é uma missão de vida.



Como começou o seu amor pelos animais e esse trabalho de resgate e cuidado com os gatinhos de rua?

Meu amor pelos animais começou quando eu tinha por volta de 8, 9 anos. Eu estava indo para a escola e vi um grupo de crianças tacando pedra em alguma coisa. Eu cheguei perto para ver o que era e era um gatinho. Esse gatinho não tinha nem aberto os olhos ainda, era muito bebê. E eu entrei no meio, levei pedrada, peguei o gatinho, saí correndo e levei para a minha casa. Nisso, pedi para minha mãe para a gente ficar com esse gatinho, mas a gente não tinha uma condição financeira boa. A gente realmente só tinha o básico para sobreviver. Minha mãe falou que não poderia, mas que também tinha ficado com dó. Então ela conseguiu doar para uma moça da igreja. Ela deu mamadeira para esse gatinho, porque era realmente muito bebezinho. E eu sei que ela viveu por muitos anos, era uma fêmea. A partir daí, eu sempre tive um sonho de ter um gatinho.


Você lembra do primeiro gatinho que resgatou?

Eu sempre quis ter um animalzinho, mas por conta dos nossos recursos, minha mãe nunca deixou. E aí, com 20 anos de idade, eu estava no meu primeiro emprego. Um dia, meu cunhado chegou aqui em casa de carro, tinha um gatinho no motor e ele estava com medo de pegar. Minha mãe simplesmente puxou. Quando ela viu, era uma gatinha, uma filhotinha. Ela chegou no meu quarto e perguntou se eu queria. Na época eu ganhava muito pouco, mas levei essa gata ao veterinário. Essa gata inclusive tá aqui na minha frente agora: o nome dela é Pandora, tem 5 anos e foi minha primeira gatinha. No caso, não foi o meu primeiro resgate, mas tudo começou por ela.


Quais são os maiores desafios que você enfrenta no dia a dia, especialmente estando por conta própria?

Acho que o maior desafio de todos é a questão de você não ter com quem contar. Se eu tivesse uma ajuda financeira fixa todo mês, por exemplo, eu passaria por problemas, dificuldades, mas eu saberia que no mês que vem eu teria aquela quantidade certa. Outra dificuldade é não ter muitas pessoas para ajudar, compartilhando. Pois se eu resgato dois animais e o meu alcance não é tanto assim, eu não sei até quando eu vou ter esses gatinhos pra sustentar dentro da nossa casa. Se acumular, não dá certo. Toda ajuda que recebemos são de pessoas aleatórias, não é sempre das mesmas pessoas. Às vezes eu peço ajuda e a gente não consegue um real sequer. Então, dependendo da fase em que eu estou, eu prefiro me poupar, sabe? Até poupar meu psicológico. Então, quando eu vejo que realmente eu não consigo, que não dou conta, é quando eu recorro às redes sociais. Muitas pessoas já falaram muitas coisas, então, realmente é uma coisa que mexe com a gente, ter que ficar sempre pedindo ajuda.


Como você organiza sua rotina para conseguir cuidar dos gatos?

Quando tudo começou, eu trabalhava em home office, era só meio período, então ficava com eles o dia inteiro, tudo era eu mesma quem fazia. Cuidava deles, das redes sociais, de fazer as doações, tudo era comigo. Só que há um ano eu mudei de emprego, agora minha rotina é outra, totalmente mais puxada, tanto que eu sumi bastante das redes sociais. Inclusive, posto muito sobre isso para explicar para o pessoal, mas eu continuo cuidando dos gatinhos como antigamente, só que agora é muito mais contando com a ajuda da minha mãe. E questões de horários, eu passo o dia inteiro fora, então minha mãe cuida deles durante a semana, eu ajudo mais quando é à noite, quando eu chego, e nos finais de semana. Mas durante a semana fica com a minha mãe, fim de semana eu cuido. A questão dos gatinhos de rua é comigo, eu que cuido deles. Saio pela quadra para levar a comida. Mas a minha mãe durante o dia também deixa aqui na frente de casa, ração, água para eles, mas para sair na quadra mesmo, pela quadra, sou eu. Aí isso eu faço todo dia à noite, quando eu chego, por volta das 21h30.


Existe alguma história que te marcou de maneira especial?

Eu estava em um rodízio de sushi comemorando alguma coisa. Então a gatinha simplesmente parou na frente do sushi. E ficou me olhando como se ela tivesse sentido que eu fosse fazer alguma coisa por ela. A gata era extremamente magra. Eu nunca vi uma gata assim. Eu não sei como que ela sobrevivia. Ela estava tão seca que parecia que não comia há muito tempo. Eu peguei um sushi e levei pra ela. Ela comeu como se fosse a primeira vez que eu tivesse comido na vida. O pessoal do sushi reclamou comigo, pois não podia. Eu tinha acabado de chegar. Ou eu ia pra casa salvar aquela gata, ou eu ficava no sushi comendo, aproveitando a minha noite, a minha comemoração. Eu simplesmente fui embora com ela, peguei no meu colo e fui. Eu não sei explicar. Mas ela me olhava pedindo socorro mesmo. Foi a gata mais desnutrida que eu já peguei em toda a minha vida. Foi muito especial pra mim. Consegui doar ela, castrei; e até hoje eu tenho contato com ela. Tem muito tempo, e mesmo assim ela me reconhece. Eu não sei como, pois nem todos conhecem. Hoje ela é uma gatinha muito gordinha, muito fofa e carinhosa. Me marcou muito a questão dela ser tão carinhosa e dela lembrar de mim até hoje.

Recentemente, você salvou uma gatinha que foi atropelada. Pode contar um pouco mais sobre essa história e como foi o processo de recuperação?

A vizinhança veio aqui em casa avisar, mas como eu não estava em casa, minha mãe foi até lá. Eu lembro que na hora veio a vontade de chorar, pois eu não podia resgatar. Não tinha condição financeira e minha vida muito corrida. Minha mãe mandou um vídeo e eu falei na hora para levar a gatinha para o veterinário. Se eu não conseguisse ajuda financeira, eu tentaria dividir e pagar sozinha. Eu já sabia que não ia ficar barato. Comecei a postar. E, graças a deus, as pessoas começaram a ajudar. E, no fim, deu tudo certo. Ela ficou internada por falta de 30 dias. A gente conseguiu pagar a conta no veterinário e hoje ela está super bem, com algumas sequelas leves, mas está muito bem.


O que mais te motiva a continuar com esse trabalho, mesmo diante das dificuldades?

O amor que tenho por eles. É muito gratificante ver que a vida de um gatinho foi salva. O que me motiva é o amor.


Como funciona o processo de adoção? Você encontra famílias com facilidade ou é difícil conseguir lares responsáveis para os gatinhos?


Primeiramente nós cuidamos do gato. Damos remédios, curamos e logo após fazemos uma análise para ver se realmente aquela pessoa está apta para cuidar do animal. Damos preferência para casas teladas, fechada. É todo um trabalho, uma logística para o bem do animal. Nós postamos em vários canais, mas se eu sentir ou ver que o animal não será bem tratado ou se a casa tem rota de fuga, eu não permito a doação.


Que tipo de ajuda ou apoio você gostaria de receber, seja da comunidade ou de instituições?


Qualquer valor ajuda. Quando nós pedimos ajuda, até mesmo um real já ajuda. Faz muita diferença. Até mesmo um potinho de ração. Compartilhar também ajuda muito. Não precisa fazer muito, um olhar de empatia já é algo que acrescenta.


Por fim, que mensagem você gostaria de deixar para as pessoas que veem um animal abandonado na rua, mas não sabem como agir?


Salvar a vida de um animalzinho pode ser que não mude nada na sua vida, mas vai mudar a vida desse animalzinho para sempre. Isso não quer dizer exatamente que você tem que pegar todos os animais da rua e colocar dentro da sua casa, mas tem várias maneiras de você salvar a vida de um animalzinho. Por exemplo, o que custa? Você juntar sempre todo o resto de comida dentro da tua casa e colocar numa sacola para no fim do dia você deixar na rua para os cachorrinhos e os gatinhos comerem. O que custa você colocar um potinho de ração, um potinho de água na sua porta todos os dias? O que custa você estar num restaurante e ver um animalzinho que está com muita fome e você ir lá e pagar um espetinho para esse animalzinho? O que custa você sair com pouca ração na sua bolsa e ir dando para os animaizinhos de rua? Entende? São várias maneiras. São várias maneiras de você contribuir com a vida desses animais sem ter que diretamente colocá-los dentro da tua casa. Mas sobre colocar dentro de casa, eu também acho que todo mundo consegue. Muitas pessoas encontram um animal e já saem correndo atrás de ONGs. Estão todas lotadas. As pessoas têm 20 animais para cuidar de uma vez. Você não tem nenhum ou você tem uns dois e vai ficar com mais aquele. São poucos dias. Se você procurar bem, pegar esse animalzinho, dar um banho nele, postar fotinhas bonitinhas, no máximo duas semanas você consegue alguém para adotar esse animalzinho. Então por que sobrecarregar mais as ONGs? Se você não está dando conta com três animais que você vai ter dentro de casa, por que você acha que uma ONG com 20, 15 animais vai conseguir? É tão gratificante ver um animalzinho sofrendo na rua, você pega ele e salva ele e daqui um tempo você vê ele tendo a melhor vida do mundo. Eu acho que quando você passa por isso a primeira vez, você não quer mais parar. Então há várias maneiras de você ajudar. E se a única opção para você for realmente procurar alguma ONG, então faça também. Então procure alguém que possa resgatar ou se junte com alguém da sua rua para tentar fazer rifa e salvar o animalzinho. Não é impossível. Então a mensagem que eu dou é essa. Vai custar poucos dias da sua vida e você vai salvar a vida de um animalzinho para sempre.

Representação de ajuda e cuidado. Foto: Pexels
Amor por gatinhos. Foto: pexels


Se você deseja ajudar o projeto siga no instagram @miaudatati e fique por dentro de como ajudar e manter a vida de diversos felinos.