Geração Z e a entrada no mercado de trabalho: uma equação difícil
Empresas não estão preparadas para lidar com jovens que apresentam questões de saúde mental
Postado em 24/03/2025

Jovens da Geração Z (nascidos entre o fim dos anos 1990 e o início dos anos 2000) apresentam dificuldades ao iniciar suas carreiras profissionais em razão de problemas de saúde mental. A situação está relacionada tanto a problemas pessoais, que já os acompanhavam, quanto ao despreparo do mercado para lidar com transtornos psicológicos.
Segundo dados fornecidos pelo Ministério da Previdência ao portal G1, houve um aumento de 68% dos afastamentos por ansiedade e depressão em 2024, com quase meio milhão de licenças médicas concedidas. O Ministério do Trabalho atualizou a Norma Regulamentadora No. 1 (NR-1), que define diretrizes de segurança e saúde no trabalho, e, desde agosto de 2024, inclui riscos psicossociais neste ambiente.
Vivências da geração
Amanda Fonseca tem 22 anos e se formou em design gráfico no início de 2024. Desde o ensino médio, ela enfrenta dificuldades com ansiedade, mas, ano passado, a questão se tornou clínica quando foi diagnosticada com Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG). Apesar de se sentir muito melhor com o tratamento, ela ainda encontra problemas em tomar a iniciativa para entrar no mercado de trabalho. “Acaba que eu não lembro os primeiros passos, porque eu já começo a pensar muito lá na frente e ainda não fiz nada. Eu acabo ficando congelada”, conta.

Além dessas questões, Amanda explica que o design gráfico é uma área que trabalha muito com a criatividade. Desse modo, ao não se sentir preparada mentalmente para o mercado, o lado profissional também é afetado. Além disso, por ser um setor que cobra prazos, existe ainda uma incompreensão acerca do tempo que leva para desenvolver um material gráfico criativo e, assim, este fator corrobora com a ansiedade.
Karina Campelo, de 21 anos, também é designer gráfica. Ela relata como a vivência mostra que o mercado é fechado para pessoas recém-formadas ou com pouca experiência e, quando não é, as funções são desviadas. Karina não se sente preparada para ingressar no mercado por falta de orientação e preparo mental. “Psicologicamente, no design você só consegue sair da estaca zero quando para de se comparar, hábito que infelizmente sempre tive durante a faculdade”, lamenta.
A gastrônoma Ana Lídia Macedo, de 24 anos, já teve uma experiência diferente. Na pré-adolescência, foi diagnosticada com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e, no ensino médio, descobriu a ansiedade. “Eu não entendia porque eu não conseguia só sentar e falar ‘vou estudar por tantas horas’. Meu cérebro só desistia”, relata.

Ana já teve experiências profissionais tanto em estágios, quanto em empregos CLT, na escala 6×1. Ela conta como era maçante trabalhar neste sistema, principalmente por exaurir sua saúde mental e, desde que saiu de seu último emprego, não conseguiu mais voltar ao mercado. Na Casa de Chá do Senac, onde fez um curso profissionalizante e estagiou por três meses, não conseguiu ser efetivada, por exigirem alguém que estivesse no mercado há mais tempo. “De resto, todos os empregos são 6×1 e, dos últimos que eu tive, estava voltando para casa chorando de dor”, desabafa.
Sob a ótica psicológica
De acordo com a psicóloga organizacional Marília Márcia Santos Pereira, o trabalho é mais que remuneração pela mão de obra, ele traz reconhecimento e reafirma a identidade de uma pessoa. Dessa forma, o jovem adulto, quando passa por esse período de transição, busca construir e encontrar o seu lugar no mundo. Então, a forma como ingressa-se no mercado de trabalho, em especial na contemporaneidade, traz muitas incertezas. “Todas essas questões estão muito de acordo com a forma como o indivíduo vai vivendo isso, podendo ser gerador de ansiedade”, afirma.
Um fator agravante da ansiedade na juventude foi a pandemia da COVID-19. A geração que está iniciando a carreira profissional agora é a que fez parte do ensino médio e/ou o começo da graduação em meio à pandemia. Para essas pessoas, além da preocupação constante com a saúde em geral, incluindo a saúde mental, esse período interferiu em uma fase estruturante no desenvolvimento humano, que é a transição de adolescente para jovem adulto, por causa do isolamento e das incertezas do cenário.
A psicóloga afirma que o mundo contemporâneo em si é ansiogênico, ou seja, agravante de ansiedade. Em conjunto com todas essas questões, a atualidade também envolve uma mudança drástica na interação social e profissional com o avanço tecnológico. A partir do surgimento de novas tecnologias, é possível traçar uma relação entre a ansiedade e o meio digital. “Às vezes é complicado não ceder a esse apelo (da internet) de uma aparência incrível e de produzir, produzir e produzir, como se as pessoas não precisassem de espaços para fazer essa renovação, tanto física, quanto mental”, explica Marília.

A pergunta que vale um milhão
Como equilibrar uma saúde mental estável com a carreira profissional? Segundo a psicóloga, para alcançar este ponto, deve-se mudar a perspectiva que se tem de equilíbrio. Ele existe, mas é um ponto dinâmico, ou seja, não deve estagnar-se, senão torna-se rígido e não acompanhará a movimentação da própria vida.
Tangencialmente, outra questão a ser levantada é como o mercado pode ajudar nesse momento de transição que afeta tantas pessoas. Para Ana Lídia, é necessário que as empresas estudem e tenham uma mínima noção do que são e como funcionam neurodivergências, como TDAH e autismo. A psicóloga Marília agrega a esse apontamento ao afirmar que essas instituições devem ter uma cultura de atenção ao bem-estar. “Saúde mental não é uma existência de doença. É um bem-estar físico, mental, espiritual e relacional”, explica.
Uma outra perspectiva, dessa vez apontada por Amanda, levanta o ponto acerca da falta de receptividade de gerações anteriores com problemas psicológicos. Logo, este fator afeta também o recebimento de pessoas que abertamente tratam de questões psicológicas ou psiquiátricas.
Já Karina comenta que ainda há muitos problemas no reconhecimento de funcionários como pessoas complexas com vidas pessoais. “Isso torna o processo criativo extremamente estressante e cansativo”, conta. Para ela, empresas devem entender a visão do ponto de vista trabalhista e evitar sobrecarregar o funcionário, fornecer feedback e encorajamentos e valorizar e acolher os funcionários.
“Basicamente, é criar um ambiente que proporcione segurança psicológica para que os funcionários, os colaboradores, sejam, façam as coisas, dêem as opiniões, participem”, sugere a psicóloga. Por fim, ela explica a importância da manutenção de relações interpessoais e comunicação saudáveis no trabalho, para que pessoas possam se conhecer e entender os próprios limites e os dos outros.