Mandatos coletivos crescem no país
Candidaturas compostas por grupos de pessoas se apresentam como uma forma de descentralização do poder. Apesar do crescimento, o modelo ainda não é regulamentado pela Justiça Eleitoral
Postado em 20/04/2022
Os mandatos coletivos ganham força como uma alternativa à crise de representatividade política. De acordo com um levantamento da FGV, as candidaturas coletivas passaram de 13 em 2016 para 257 no ano de 2020. O formato consiste em várias pessoas que se unem para disputar um cargo legislativo. Em 2016, o município de Alto Paraíso, em Goiás, vivenciou a experiência de um mandato coletivo na Câmara Municipal composto por cinco pessoas. João Yugi, Ivan Anjo Diniz, Laryssa Galantini, Luiz Paulo Veiga Nunes e César Adriano de Sousa Barbosa integraram o mandato inspirado no anarquismo e no movimento ecofederalista.
Segundo o advogado João Yugi, representante formal do mandato, houve um contrato registrado em cartório que expressava o acordo feito entre os membros. João aponta que um dos principais desafios para o sucesso de uma candidatura coletiva é a dificuldade de garantir a igualdade de poder entre os integrantes do grupo. Yugi critica também a falta de coesão ideológica fora da lógica dos tradicionais partidos políticos.
Um exemplo de crise em candidaturas coletivas é o da Mandata Ativista, formada por nove pessoas e eleita em 2018 para a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp). Ano passado, Raquel Marques foi expulsa do mandato por causa de divergências ideológicas, ao fazer duas postagens, uma considerada transfóbica e outra ofensiva aos professores.
A Rede Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS) enfatiza que o formato dos mandatos coletivos existe há mais de 20 anos no Brasil, mas se expandiram a partir das eleições municipais de 2012 e das eleições gerais de 2014. Ainda de acordo com a RAPS, os partidos Rede, PSol e PT lideram as candidaturas coletivas, entre os anos de 1994 a 2018.
Além da descentralização do poder, os mandatos coletivos também abrem espaço para a representatividade de pessoas e grupos invisibilizados pelo sistema político tradicional. A professora Lêda Gonçalves, a ativista e mulher trans Luíza Cruz, a comunicadora e artista Sheila Campos e o líder comunitário Lucas Chaparral lançaram a pré-candidatura à Câmara Legislativa e formam o Coletive Chão, do Partido dos Trabalhadores. Sheila ressalta que as candidaturas coletivas são importantes porque rompem com a ideia de personalização, já que o mandato não é centrado em uma só pessoa. Já Lêda, representante formal do mandato, destaca que a pré-candidatura apresenta e defende diversas ideias e grupos sociais, como a educação, os movimentos negro, feminista e LGBTQIA+, e o acesso e valorização da cultura.
Bruno Kanela e Airy Galvão integram o primeiro mandato coletivo indígena do Distrito Federal, articulado no ano passado. “Quando as pessoas falam que somos minorias, significa que somos minorias dentro da institucionalidade, pois somos maiorias sociais. Então se as maiorias sociais não estão sendo representadas dentro das casas de lei, alguma coisa está errada”, diz o líder indígena Bruno Kanela. A artesã Airy Galvão enfatiza que a candidatura coletiva é uma das formas de buscar visibilidade. “Já está mais do que na hora dos povos originários falarem por si mesmos e ocupar o espaço que têm por direito”, defende.
Regulamentação dos mandatos coletivos
O Tribunal Superior Eleitoral aprovou, em 2021, uma resolução que permite a inclusão de nomes de coletivos nas urnas eletrônicas como um complemento ao nome do candidato que representa formalmente o mandato. A medida já vale para as eleições deste ano. Segundo relatório do ministro Edson Fachin, relator da resolução, “ a chamada candidatura coletiva representa apenas um formato de promoção da candidatura, que permite à pessoa que se candidata destacar seu engajamento em movimento social ou em coletivo”,
No entanto, de acordo com Gabriela Rollemberg, advogada especialista em direito eleitoral e cientista política, a Justiça Eleitoral ainda trata o mandato coletivo como uma candidatura individual, pois “para a legislação eleitoral, o mandato é pessoal, então nem todas as prerrogativas são concedidas a todos os membros do mandato, cada candidatura coletiva constrói as próprias regras”, diz.
Gabriela aponta também que, mesmo em meio aos desafios da falta de regulamentação, os mandatos coletivos têm pontos positivos. “Com essas candidaturas podemos ter uma amplitude na representatividade política e uma qualidade maior na produção legislativa”, pontua a advogada.