Mulheres negras assumem papel de destaque na gastronomia
Elas superaram o preconceito e se tornaram referências na culinária
Postado em 22/06/2022
É possível seguir uma linha cronológica que se inicia na escravidão, onde mulheres negras trabalhavam dia após dia cozinhando para os senhores, até os dias de hoje, quando muitas dessas mulheres ainda continuam na cozinha e cuidando do lar como empregadas domésticas. Algumas, felizmente, conseguem quebrar esse ciclo e usam o talento para a culinária em algo que vai muito além da exploração recorrente.
A primeira chef de cozinha profissional no Brasil foi Benê Ricardo, uma mulher negra que mesmo significando tanto para a culinária brasileira recebeu pouquíssimo reconhecimento ao longo da vida. A moça mineira começou trabalhando como empregada doméstica na casa onde foi adotada. Aos 38 anos começou a estudar gastronomia graças a uma bolsa de estudos; logo depois se tornou professora, chefiou dois grandes restaurantes em São Paulo e criou seu próprio negócio. Em 2006 , escreveu o livro “Culinária da Benê”. A chef morreu em 2018.
Aqui em Brasília, outras duas mulheres também iniciaram a vida trabalhando como empregadas domésticas e vieram para a cidade em busca de condições melhores de vida.
Gizélia Araújo Bastos, 47, é dona do Acarajé da Giza, um empreendimento que há 21 anos é sua fonte de renda. Nascida na Bahia, aprendeu a fazer os acarajés com a sua família, mas só começou a trabalhar com isso em 2001, quando se mudou para o DF com o ex-marido. “Eu já sabia cozinhar, trabalhei em algumas casas como empregada doméstica e era uma tradição da minha família cozinhar”, conta a empresária.
A cozinheira diz que se sente realizada ao saber que seus sucessores estão aproveitando o negócio que se tornou fonte de renda para eles também. “Eu fico muito feliz, pois já tem descendentes nossos, tanto da minha família, quanto do meu ex-marido, que vivem desse ramo do acarajé. Me alegra saber que deu certo esse sonho e que eles estão vivendo isso também”.
Outra mulher que deixa como legado para suas filhas o empoderamento e independência financeira é Valéria Marques, mais conhecida como Val. Atualmente ela trabalha como Confeiteira Sous Chef na padaria Castália Artesanal. Com cinco anos de carreira e formada no IESB, Val também dá aulas de confeitaria ensinando técnicas e profissionalizando seus alunos. “Eu sinto que as minhas alunas negras possuem mais identificação, terminam o curso mas continuam a amizade pro resto da vida”.
A confeiteira que também começou sua vida profissional como empregada doméstica em Tocantins, onde nasceu, comenta da importância da valorização das mulheres negras na gastronomia, já que os chefs de cozinha com mais visibilidade são homens e, em sua maioria, brancos. “Quando se aprofunda na história, nós já estávamos lá. O reconhecimento é a parte mais difícil, é um ambiente onde homens brancos se destacam e ficamos para trás, é preciso que a gente quebre esse ciclo”.
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), no Brasil há 6,7 milhões de empregadas domésticas, a maioria, negras.