Touchdown! O futebol americano no quadradinho

Entre diferenças culturais, desafios e muita paixão, a prática do futebol americano tem ganhado destaque no Brasil e no DF. Saiba mais sobre o esporte e conheça os times candangos ativos na capital federal

Reportagem especial

Postado em 04/07/2022

Ana Cristina Morbach, Larissa Alves e Vitórian Tito

DF É LUGAR DE FOOTBALL

Quando o assunto é futebol americano, é comum associá-lo aos Estados Unidos. Agilidade, velocidade, intensidade, capacidade tática e força bruta são pilares desse esporte, que nada tem a ver com o termo futebol usado no Brasil para representar a modalidade esportiva mais famosa do mundo. Apesar de culturalmente diferente, a dinâmica de correr, bloquear, empurrar e lançar uma bola oval em traves que ficam no ar chamou a atenção dos brasileiros e tem se difundido entre praticantes no país.

Um dos locais que mais se destacam no cenário nacional é o Distrito Federal. O esporte chegou à capital há 13 anos e hoje o DF é representado por três times principais: o Tubarões do Cerrado, que por dois anos seguidos ficou entre os quatro melhores do Brasil; o Gama Leões de Judá, que vem crescendo graças aos investimentos em novos jogadores; e o Brasília Pilots, o time feminino, que conseguiu exportar várias jogadoras da equipe para ligas nacionais e internacionais e abre espaços de representatividade para mulheres no futebol. 

Quem faz essa análise é o vice-presidente da Fefac (Federação de Futebol Americano do Cerrado), Carlos Mohamed Gonzales. A Fefac é a responsável por jogos, inclusão de times, entrega de títulos e entre outras atribuições no DF. Seu principal objetivo é fomentar e difundir o futebol americano na região, tanto em Brasília quanto no Goiás. 

Times de futebol americano existentes no Distrito Federal
Crédito: Larissa Alves

Sobre o público consumidor do esporte no DF, Carlos conta que a maior parte dos torcedores é formada por torcedores ligados aos jogadores de alguma forma. “A maioria dos times tem 50 jogadores, então imagina a família de 50 jogadores de um time, e a família de mais 50 jogadores do outro. Dessa forma, conseguimos agregar nos jogos cerca 300 pessoas”. Dependendo dos campeonatos, por exemplo numa final, o vice-presidente afirma já ter conseguido reunir mais de 5 mil pessoas em um único jogo.

Para o jornalista Henrique Riffel, especializado na cobertura do futebol americano no Brasil, o esporte vinha crescendo nacionalmente, tanto em público quanto em times, mas por conta da pandemia, esse crescimento acabou freado. Carlos Mohamed, da Fefac, concorda ao dizer que, nesse período, muitos times deixaram de treinar e competir: “A Federação, mesmo na pandemia, se esforçou e realizou os campeonatos que são chancelados por nós. Alguns times abriram mão e deixaram de lado, e isso ocasionou em baixas nesses times. Outros conseguiram se manter, mesmo que só perto dos campeonatos, usando máscara, fazendo teste, cobrando vacinação, de alguma forma eles resistiram”.

Outro impacto causado pela pandemia foi o fato de os campeonatos nacionais não terem acontecido. Apenas os regionais foram promovidos, mas de forma mais simples. “Foi um choque muito grande. Os jogadores precisam de academia, fisioterapia, estrutura para jogar, e a pandemia fechou tudo, então eles não conseguiam manter a constância necessária”, compartilha o vice-presidente da Federação.

No que diz respeito à cobertura do esporte, em razão a Covid-19, muitos deixaram de produzir conteúdo. Blogs que eram de nicho específico da produção de conteúdo sobre futebol americano aqui no país fecharam porque as pessoas perderam suas fontes de renda primária, acabaram se tornando desempregados e tiveram que arranjar um jeito de sobreviver. 

Além disso, para o jornalista Henrique, a pandemia também deu uma sensação de atraso, por conta dos dois anos sem jogos no país. Os times tiveram que se reorganizar, e nesse momento eles estão voltando aos poucos à normalidade. “Nesse primeiro semestre são poucos os campeonatos estaduais que estão acontecendo no país. Hoje são quatro, só que no passado já tiveram muito mais, quase dez. Então dá pra ver que a pandemia um pouco mais controlada está deixando os times voltarem, mesmo que devagar”. Dessa forma, a tendência de produção de conteúdo vai seguir a mesma lógica das organizações dos jogos: quem conseguiu continuar, vai voltar, mas de uma forma mais lenta.

Crédito: Larissa Alves

FUTEBOL CANDANGO

Jogadores do Gama Leões de Judá após partida de treinamento
Crédito: Arquivo Pessoal

O Gama Leões de Judá foi fundado em 2013 e é um dos cinco times de futebol americano representantes do DF. Atualmente, possui 80 atletas amadores, jogando somente em campeonatos masculinos do esporte. Até hoje, o time é o único tricampeão do cerrado, conquistando o primeiro lugar no “Candangão”, campeonato regional realizado pela Federação de Futebol Americano do Cerrado, nos anos de 2015, 2020 e 2021. 

Apesar de a pandemia ter conturbado o funcionamento das coisas nos últimos dois anos,  o time, assim como muitos outros, teve de aguardar a volta da realização de campeonatos e, também, suspender os processos seletivos para a entrada de novos atletas. No final de 2021, a equipe voltou com tudo, inclusive, com um novo troféu para a coleção. Atualmente em preparação para tornar 2022 outro ano ativo e recheado de conquistas, os atletas estão com os olhos voltados para o Campeonato Nacional de Futebol Americano.

O Gama Leões de Judá é um dos dois times da região do Distrito Federal que foram convocados para a competição nacional, ao lado do Tubarões do Cerrado. Segundo o site Salão Oval, o primeiro jogo do Leões está previsto para acontecer no dia 30 de julho contra outro time da região Centro-Oeste, o Goiânia Rednecks. 

Gama Leões de Judá

Parte do bando 

Presente no time desde 2018, Vinicius Bortolini, 22 anos, estudante de engenharia civil, atualmente está na posição titular de kicker, responsável pelos chutes que ocorrem no jogo. Dando início à sua jornada no futebol americano em 2017, Vinicius já jogou na posição de wide receiver, ou recebedor, em outros times brasilienses. No mesmo ano, acabou sofrendo uma lesão, e teve que se afastar do esporte por aproximadamente seis meses. Após sua recuperação, além de encontrar o Leões de Judá, o atleta também se encontrou na sua nova posição no campo, em que joga atualmente. 

Seu primeiro jogo pelo time foi em 2019, na disputa pela taça Cairo Santos, assim nomeado o troféu do vencedor do campeonato regional do DF. Desde então, competiu em todos os jogos pelo Leões. Este ano, está com foco no seu preparo para o Brasileirão, treinando de duas a três vezes por semana. Nas suas palavras, as expectativas estão altas tanto para os resultados do time quanto para si mesmo. Portanto, além de ajudar a trazer a vitória para casa, se destacar como melhor jogador especialista é o seu maior desejo. 

“Eu venho dedicando uma boa parte do meu dia a dia em relação a isso. Nos dedicamos muito com relação aos treinos e a expectativa é ganhar os dois maiores campeonatos desse ano. O objetivo principal é tentar se destacar o máximo possível no nacional, porque, querendo ou não, vamos enfrentar equipes muito tradicionais também, mais antigas. Toda oportunidade que aparecer, vamos correr atrás”, revela o estudante. 

Apesar do entusiasmo, Vinícius comenta sobre o principal desafio que o time e o esporte enfrentam: a falta de visibilidade. Como um dos jogadores mais antigos no time, ele comenta que já queria ter visto algum tipo de melhora ou mudança ao longo dos anos que passou com o Leões. Mudanças essas que podem ser realizadas com mais investimentos, por parte do governo.

Também veterano no time, Raphael Oliveira, publicitário de 23 anos, iniciou sua jornada no Leões como jogador, em 2015. Há aproximadamente três anos, se mantém como técnico do time e já passou pelos cargos de  sub-coordenador, assistente de coordenador defensivo, e, atualmente, se encontra como coordenador da parte defensiva do time. Ao longo desse período, ter a visão tanto de atleta como técnico permitiu que o estudante pudesse colocar em prática seus estudos táticos. 

“Para me tornar técnico, tive que aprender a ter uma visão diferente no futebol para ver o que eu poderia colocar nos treinos e que poderia ajudar os jogadores. Hoje, como coordenador defensivo geral, eu trabalho mais no ato. Tenho que olhar o que um jogador está fazendo, o que ele influencia no conjunto geral e o que o conjunto geral influencia na defesa como um todo. É mais trabalhoso”

Ao longo desses anos como treinador, Raphael revela que a maior dificuldade com que o time se depara não está no óbvio, como procurar equipamento, ter local para fazer treinos e se manter financeiramente. O desafio está, na verdade, em achar pessoas para jogar. Apesar do grande número de jogadores que a equipe possui e de manter ativo o processo de seletivas, algumas posições, como por exemplo a linha ofensiva defensiva, são precárias em relação às outras mais conhecidas. 

Agregado aos desafios no dia-a-dia do esporte, a questão da falta de investimento também está em pauta para o técnico. Ambos esses fatores contribuem em um contexto geral do por que o Futebol Americano não é tão disseminado no DF e no Brasil, tanto quanto outros esportes. 

Posição dos jogadores de futebol americano dentro de campo 
Crédito: Vitórian Tito

Para o Quarterback iniciante do time, Marcus Rezende, o que faz com que o esporte não evolua no Brasil também é a falta de investimento. No olhar do estudante de 18 anos, por Brasília ter um elenco de times tradicionais e de alto nível, a cidade e a sua população deveriam dar mais reconhecimento ao futebol americano e aos seus atletas. 

No Leões desde 2019, Marcus foi um dos rapazes que conquistou sua vaga no time e, logo em seguida, teve que esperar para colocar em prática seus aprendizados por conta da pandemia. Utilizando o futebol americano como um hobby, Marcus revela que não pretende focar em criar uma carreira profissional no esporte nos próximos anos. Entretanto, isso não o impede de ter garra. 

Na esperança de ser convocado como titular do time este ano, o atleta também está em preparação para o Brasileirão e com as expectativas no topo. Até agora, jogou somente em amistosos pelo Leões, e ressalta que se sente preparado para dar tudo pelo time agora que as atividades voltaram. 

“Estou bem focado e me dedicando ao máximo pra jogar esse campeonato, mesmo que seja um hobby. Estou malhando, correndo atrás, indo em todos os treinos, conversando com várias pessoas do time e pegando umas dicas com os veteranos. Realmente quero participar do campeonato e ajudar o time no que eu puder”, diz ele. 

Quarterback, Marcus Rezende e, Kicker, Vinicius Bortolini, em treinamento para o início do Brasileirão 2022
Crédito: Arquivo Pessoal

TAMBÉM É COISA DE MENINA!

Diretamente do planalto central, um grupo de mulheres movidas por um interesse em comum se reúne semanalmente para difundir a paixão que as uniu: o futebol americano. Quem passar pelo gramado em frente ao Congresso Nacional, em Brasília – DF, poderá ver as guerreiras do Brasília Pilots nas manhãs de sábado treinando em terreno irregular com seus capacetes coloridos, equipamentos pesados, nenhum investimento e muita alegria no rosto. 

Entre algumas pancadas e vários desafios, o Brasília Pilots movimenta um esporte pouco conhecido no Brasil sem nenhuma compensação monetária. Criado em 2016, o time representa a cidade em campeonatos nacionais e se mantém, quase que exclusivamente, pelo amor ao esporte e por esforços individuais. Se quiserem dar continuidade à história que as reuniu, elas precisam tirar do próprio bolso, contar com a sorte e lutar pelo dia de amanhã. 

Mesmo em cenário desanimador, a única equipe de futebol americano feminino da capital federal conquista bons resultados. Em 2017, participaram do primeiro campeonato da trajetória do Pilots e conquistaram o terceiro lugar geral. Depois disso, em 2019, a primeira convocação para treinos de campo da seleção brasileira dedicada ao esporte contou com nove atletas na lista de convocadas. Após dois anos de pausa devido à pandemia, quatro meninas do time foram chamadas na segunda convocação, em 2022, para vestir a amarelinha, representar o país e dar visibilidade ao futebol da bola oval entre mulheres. 

Raquel Araújo, de 36 anos, é uma delas. A wild receiver do time faz parte da equipe brasiliense desde o primeiro dia de treino. Foi nessa época que tomou gosto pelo esporte e decidiu se dedicar a uma carreira no futebol americano. Hoje capitã do time, Raquel garante as duas convocações entre as Brasil Onças, como são conhecidas as atletas da seleção.

A posição que joga atualmente não foi a primeira escolha. Ela começou jogando na defesa, mas como veterana experiente precisou mudar para o ataque ao perceber que muitas jogadoras do time se machucam nos treinamentos – que acontecem, até hoje, em local impróprio com desníveis, buracos, pedras e até cacos de vidro pelo chão. “Realmente vamos onde precisar ir. Tem que ser coringa nessas horas, porque temos poucas jogadoras”, relata. 

Dia de treino

Atualmente, o Brasília Pilots conta com 35 jogadoras – número que não é satisfatório para boas médias de treino. Nos dois anos de pausa durante a pandemia, o futebol americano não perdeu apenas jogadoras pelo Brasil: muitos times não conseguiram se manter e precisam encerrar as atividades. Antes de 2021, a Liga Brasil Futebol Americano, o campeonato nacional das equipes femininas, contava com a participação de sete a nove times. Esse ano, serão apenas quatro. 

Para dar continuidade à equipe, o primeiro desafio está no preconceito de que o esporte é violento ou perigoso, que Raquel logo refuta. O segundo é a infraestrutura e o terceiro é monetário. “A gente só gasta, não conseguimos muito apoio. Todo o equipamento nós temos que comprar, e o usado custa em média R$ 2 mil. O que nós conseguimos é o ônibus para ir até os locais de jogo, rifas e algumas parcerias com descontos em crossfit e consultas com fisioterapeuta, por exemplo”, destaca.  

As dificuldades são compartilhadas entre as atletas do Brasília Pilots: 

Larissa Arthemis

Adna Rodrigues

Paula Chiarotti

Quem também se dedica ao Pilots é a farmacêutica Anna Beatriz, 26, uma das treinadoras da equipe. Atleta desde que se entende por gente, Anna se lesionou enquanto jogava futebol americano em terreno irregular na frente da Funarte, no Eixo Monumental, e não conseguiu voltar a treinar. Para continuar envolvida com o esporte, decidiu fazer parte da equipe técnica e hoje ajuda novas meninas a se descobrirem no futebol e desenvolverem habilidades. 

“Eu preciso desse ambiente de competitividade e essas meninas são sensacionais. Eu amo estar aqui e a gente não recebe nada por isso. A gente gasta, na verdade. Não existe apoio, especialmente como o que existe no masculino, com seus patrocínios e investimentos”, relata. Apesar disso, a sensação da técnica é de renascimento. Com o time renovado e muita vontade de vencer, a equipe busca meninas para competir em amistosos e jogos do campeonato nacional, que começa em setembro, já que não existem competições regionais para times femininos. 

“O esporte é muito bom e não precisa ter porte atlético. Pode ser baixa, magra, altinha, gordinha, o que a gente precisa são de meninas jogando que se interessem e gostem de ambiente de competitividade. É um esporte de muita intensidade, mas não é violência, é técnica”, explica. 

Larissa Arthemis, como é conhecida a jogadora de 34 anos do Pilots, entrou para a equipe quando sentiu necessidade de fazer alguma atividade física. A linha ofensiva do time gostou tanto que está lá há cinco anos e, em 2022, conseguiu a sonhada convocação para o Brasil Onças graças à dedicação aos treinos solo durante o período de isolamento social. 

“Minha posição é de meninas grandes, e antes do time eu não gostava de ser grande, era complicado. Mas com o Pilots eu acho muito massa ser grande e defender minhas meninas. Não dá pra explicar a sensação, mas é sobre representatividade. Se eu consegui, qualquer pessoa consegue. Eu estou aqui para provar que não tem essa de ‘eu não consigo'”, diz Larissa. 

No final do dia, a treinadora da equipe conta que o consenso entre as Brasília Pilots é de que ainda falta visibilidade, mesmo que existam mulheres com vontade de expandir o esporte na capital federal e esforços para se divulgar nas redes sociais, pedidos de patrocínios e convites a novas jogadoras.

Assim, bem longe dos Estados Unidos, onde o esporte se difundiu e ganhou alto destaque entre o público e praticantes, pequenos grupos de apaixonadas se empenham em expandir o futebol da bola oval em meio ao cerrado brasileiro. “A gente tenta manter a galera que é apaixonada. Quem está aqui gosta de verdade, e a gente tenta levar dessa forma: na paixão pelo esporte mesmo”, destaca Anna Beatriz. 

Clique aqui para ouvir o jornalista Henrique Riffel