Uso indiscriminado de medicamentos para emagrecer preocupa especialistas
Brasil lidera consumo mundial desses fármacos, com 12,5 doses diárias por mil habitantes, superando os EUA em quase 40%
Postado em 21/03/2025

O Brasil lidera o consumo mundial de medicamentos para emagrecer, com 12,5 doses diárias por mil habitantes. (Crédito: Ana Cláudia B. Lima)
O uso indiscriminado de medicamentos para emagrecer, impulsionado pela pressão estética e pela busca por padrões irreais nas redes sociais, tem gerado preocupação entre especialistas. Substâncias como sibutramina, anfepramona e femproporex são amplamente utilizadas, muitas vezes sem prescrição médica, expondo os usuários a riscos significativos à saúde.
De acordo com o relatório anual da Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (Jife), o Brasil lidera o consumo mundial de medicamentos para emagrecer, com 12,5 doses diárias por mil habitantes, quase 40% a mais do que os Estados Unidos.
Riscos associados ao uso sem orientação médica
Alexsandro Rubin, nutricionista, químico, psicólogo e personal trainer, alerta sobre os riscos do uso indiscriminado de medicamentos como o Ozempic para emagrecimento. Segundo ele, embora o remédio tenha eficácia comprovada no controle da glicose em diabéticos, seu uso sem acompanhamento adequado pode trazer consequências graves, tanto físicas quanto emocionais. A perda de massa muscular, por exemplo, é um dos principais riscos, impactando não só a estética, mas também a saúde a longo prazo.
Além disso, Rubin enfatiza que muitas pessoas acabam desenvolvendo uma dependência psicológica do medicamento, acreditando que só conseguem emagrecer com ele. Isso pode levar ao temido efeito sanfona, no qual o peso perdido volta — muitas vezes em maior quantidade — quando o tratamento é interrompido sem mudanças no estilo de vida.
“O problema não é só o físico, mas a mente. A pessoa começa a usar Ozempic para emagrecer rápido e, sem perceber, se torna refém dele, achando que sem o remédio não consegue alcançar resultados. E aí, quando para de tomar, a compulsão por comida e o ganho de peso voltam com ainda mais força. Eu sempre digo: tomar remédio para emagrecer é fácil, mas o difícil é lidar com as consequências depois. Sem reeducação alimentar e sem mudança de hábitos, a balança sobe de novo, e pode ser ainda pior”, ressalta Rubin.
O consumo de medicamentos para emagrecer sem supervisão médica pode acarretar diversos problemas. Entre os efeitos adversos estão fraqueza, desnutrição, indisposição e problemas na vesícula biliar. Outro ponto de preocupação é a dependência química que pode surgir com o uso indiscriminado desses medicamentos, criando um ciclo vicioso difícil de ser interrompido.
Um alerta para as perigosas indicações da web

Ricardo Chiappa, farmacêutico especializado em Farmácia Industrial, consultor técnico da Anvisa e com experiência no Ministério da Saúde, destaca um dos grandes desafios atuais na medicina: a busca por informações de saúde na internet. Segundo ele, a população está cada vez mais inclinada a confiar em influencers de redes sociais, como Instagram e TikTok, ao invés de buscar orientações de profissionais capacitados. Essa tendência pode ser perigosa, uma vez que muitas dessas figuras públicas não possuem formação técnica para fornecer conselhos de saúde.
“A população hoje está mais informada pelo Instagram, pelo TikTok, por influenciadores que não entendem nada de saúde. Eles confiam muito mais nisso do que numa informação técnica”, alerta o farmacêutico, que vê essa tendência com pessimismo. Para ele, enquanto as pessoas não se preocuparem em verificar a origem das informações e a qualificação de quem as transmite, o ciclo da desinformação continuará. “As pessoas vão continuar ou se automedicando, ou acreditando em crenças. Chegamos a um ponto em que confiam mais num influencer, que talvez não tenha preparo nenhum, do que no meio jornalístico oficial, onde a informação é validada”, critica, destacando os riscos desse comportamento para a saúde pública.
Um questão que vai muito além da saúde física
Em uma entrevista sobre os impactos emocionais e psicológicos da busca incessante pelo emagrecimento, a psicóloga Aline Sampaio destaca que a pressão social e a influência das redes sociais têm desempenhado um papel significativo na formação das expectativas relacionadas ao peso corporal.
“O peso vai além da saúde física; envolve questões sociais, como a comida, a imagem e as vivências. A grande maioria das expectativas em torno do emagrecimento está ligada à pressão de imagem da sociedade, à busca por aceitação e validação”, explica. Ela também observa que as redes sociais, com seus padrões irreais de beleza, reforçam a busca pela magreza, criando uma desconexão entre a realidade e a fantasia. “Na rede social, encontramos um mundo perfeito, sem erros, mas somos humanos e imperfeitos. Isso pode fazer com que as pessoas sintam que suas vidas não são especiais, pois não se encaixam nesses padrões”, afirma.

A psicóloga destaca que quando o emagrecimento é tratado apenas como um fator físico, sem atenção à saúde mental e emocional, o resultado pode ser prejudicial, lembrando que muitas vezes as pessoas estão “comendo sentimentos, e não alimentos”, o que torna ainda mais importante compreender as causas profundas do excesso de peso e não apenas focar em medidas externas.
Os riscos de uma escolha inconsequente
Izabela (nome alterado para manter em sigilo) sempre teve dificuldades com sua imagem corporal, e mesmo após a cirurgia bariátrica, não estava satisfeita com os resultados. Ao ver a irmã usando Ozempic para controlar a glicemia e ouvir que o medicamento ajudava a emagrecer, decidiu usá-lo, sem saber dos riscos envolvidos. A promessa de resultados rápidos parecia ser a solução, mas logo ela começou a sentir efeitos colaterais graves, como náuseas e cansaço extremo. Hoje, ela se arrepende profundamente, reconhecendo que a saúde não deve ser comprometida por soluções rápidas.
“Achei que finalmente ia me sentir bem depois da cirurgia, mas não foi assim. Fiquei com muita pele e flacidez, e ainda não estava feliz com o que via no espelho. Quando soube que o Ozempic ajudava a emagrecer, pensei que seria a solução perfeita. Mas os efeitos colaterais vieram rápido: náuseas, cansaço extremo e até dor no peito. Agora vejo que tudo foi um erro e aprendi da pior maneira que nada vale a pena quando coloca a tua saúde em risco”, relata Izabela.