Brasileiros adotam moradia solo em busca de independência
Estilo de vida atrai jovens e adultos que priorizam autonomia, mas também impõe desafios emocionais e financeiros.
Postado em 23/04/2025
Os dados divulgados pelo IBGE em 2024 revelam uma mudança significativa no perfil habitacional do país, mostrando que cada vez mais brasileiros entre 25 e 39 anos estão experimentando a vida sozinhos pela primeira vez. Em pouco mais de uma década, o percentual de pessoas nessa faixa etária vivendo sozinhas saltou de 8,3% em 2010 para 13,4% em 2022. Um dos principais motivos por trás desse movimento é a busca por independência. Muitos jovens e adultos estão priorizando sua autonomia, seja para focar na carreira ou para desfrutar de uma liberdade que não teriam dividindo espaço com familiares ou parceiros.
Segundo a psicóloga clínica Renata Santana, a experiência de morar sozinho pela primeira vez pode ter impactos positivos e negativos, dependendo das circunstâncias. “Ter liberdade e autonomia é essencial para desenvolver a autoconfiança e assumir responsabilidades pela própria vida”, explica. No entanto, ela alerta que muitos enfrentam sentimentos de solidão, isolamento e sobrecarga de tarefas. “Lidar com a ansiedade e a insegurança faz parte do processo, assim como a saudade de ser cuidado ou ter companhia”. A especialista faz uma distinção importante entre solidão e solitude. Enquanto a primeira está ligada a sentimentos negativos de abandono ou rejeição, a segunda representa o lado benéfico de estar consigo mesmo.
Morar sozinho pode ser um caminho fértil para o autoconhecimento. “Morar sozinho é conviver com o silêncio, com a monotonia, é aprender a desenvolver a solitude, a apreciar os momentos sozinhos”, diz Santana.
Maria, concentrada na leitura, em sua nova vida sozinha. Foto: Gabriela Nogueira
Como é viver consigo mesmo?
Maria Clara de Castro Mendes, de 20 anos, é uma dessas pessoas que decidiu encarar o desafio de morar sozinha. Ela deixou Planaltina para viver no Plano Piloto, em Brasília, em 2023, quando completou 18 anos. “Eu precisava vir para o Plano porque estudava e trabalhava aqui. O transporte de Planaltina sempre foi muito complicado”, explica.
A adaptação, no entanto, não foi fácil. “A primeira semana foi difícil. Eu me senti muito sozinha”, conta. Acostumada a viver em uma casa cheia, com pais e irmã, a ausência de companhia foi um choque. Entre as maiores dificuldades, Maria destaca a rotina doméstica. “Aprendi a cozinhar na marra. Não sabia fazer feijão direito e tinha que ligar para minha avó ou meu pai para pedir ajuda”, ri. A solidão é outro aspecto com o qual ela ainda está aprendendo a lidar. Além disso, a distância da família, que continua em Planaltina, a uma hora de carro, é um fator complicado, mas a presença frequente de amigos ajuda a amenizar a saudade. Apesar dos perrengues, como problemas com encanamento e chuveiro queimado, Maria Clara reconhece que a experiência a transformou. “Aprendi muito sobre mim mesma, meus gostos e minhas capacidades. Descobri o valor das coisas que conquisto com meu trabalho”, reflete.
Aos 21 anos, Larissa Coelho encara a vida solo com uma mistura de determinação e descontração. Sua decisão de sair da casa dos pais veio após um período de conflitos familiares. “Era muita invasão de privacidade. Tudo virava motivo para discussão”, conta. Os primeiros dias foram de estranhamento, acostumada ao barulho de uma casa cheia de irmãs, o silêncio de seu novo apartamento parecia surreal. Mas, ao contrário do que muitos imaginam, Larissa nunca sentiu solidão, pelo contrário, descobriu na experiência uma liberdade sem igual, de poder decidir quando limpar, quando cozinhar ou simplesmente não fazer nada, sem prestar contas a ninguém.
Com três trabalhos, sua rotina é intensa. Entre o serviço e a academia, sobra pouco tempo para tarefas domésticas. Nas finanças, adota uma postura despreocupada, paga as contas básicas em dia, mas assume dívidas no cartão de crédito sem remorso, priorizando viver experiências hoje em vez de se preocupar com o amanhã. Entre os desafios, um se destaca: “Teve um dia que não entrei em casa porque tinha um sapo na porta. Fui dormir na casa da minha avó e deixei o apartamento para o bicho”, ri. Além do pavor de insetos e animais, ela enfrenta a eterna batalha contra a louça acumulada e a dificuldade de cozinhar.
Aos 20 anos, Letícia Duarte descobriu que morar sozinha é uma experiência repleta de contradições. Sua mudança para um local mais próximo da faculdade trouxe a promessa de praticidade, mas revelou desafios inesperados da vida adulta. “Achei que teria mais tempo livre, mas esse tempo extra vai para lavar roupa, limpar a casa e organizar minhas coisas”. A estudante afirma que seu maior aprendizado foi a autossuficiência. “Se eu não fizer, ninguém fará por mim”, reflete. A experiência a transformou, ensinando-lhe que a verdadeira independência exige equilíbrio entre liberdade e responsabilidade.
Maria Clara realizando tarefas domésticas. Foto: Gabriela Nogueira