Golpes virtuais se multiplicam entre idosos e expõem impacto da exclusão digital
Sete em cada dez idosos têm dificuldade para identificar fraudes online, segundo a SaferNet; vulnerabilidade digital amplia risco de golpes e violações financeiras.
Postado em 23/04/2025

Entre ligações suspeitas, mensagens no WhatsApp e links disfarçados, o ambiente digital tem se tornado uma armadilha para muitas pessoas idosas. Com pouca familiaridade com a tecnologia, elas se tornam presas fáceis para criminosos que se aproveitam do analfabetismo digital para clonar dados, aplicar fraudes e roubar dinheiro. Dados do Disque 100 revelam que mais de 35 mil casos de violência patrimonial contra esse público foram registrados em 2024, grande parte ligada a crimes virtuais. A combinação entre desconhecimento tecnológico, vulnerabilidade emocional e ausência de suporte contribui para que o golpe seja quase sempre certeiro — e, muitas vezes, silencioso.
Segundo levantamento da SaferNet Brasil, 70% dos idosos admitem ter dificuldades para reconhecer tentativas de fraude online. Com criminosos cada vez mais sofisticados, um sistema de proteção pouco acessível e suporte técnico escasso, o analfabetismo digital deixa de ser apenas uma barreira e passa a representar uma ameaça concreta à integridade e à dignidade da pessoa idosa.
Exclusão digital amplia riscos e isola ainda mais os idosos
A exclusão digital vai além da dificuldade de mexer em um celular ou navegar por um site. Ela escancara um abismo geracional e expõe os idosos a riscos concretos no ambiente virtual. Dados do Disque 100 revelam que, dos mais de 90 mil registros de violação de direitos da pessoa idosa em 2024, 24.631 são relacionados a crimes financeiros — muitos deles diretamente vinculados a fraudes online. Sem domínio das ferramentas digitais e alvos fáceis de mensagens falsas, links maliciosos e aplicativos que simulam bancos ou empresas conhecidas, idosos enfrentam um cenário onde a falta de preparo pode custar a própria renda.
O pesquisador Alef Laniel Santos, da Universidade Federal de Sergipe (UFS), destaca que o principal agravante é o desconhecimento das estratégias de segurança digital. “A pessoa idosa não está familiarizada com a lógica dos crimes virtuais. Muitas vezes acredita que aquela mensagem é realmente do banco ou que um boleto falso enviado pelo WhatsApp é legítimo, e, com isso, acaba entregando suas informações”, explica.
A cada dia, os golpes se tornam mais elaborados e difíceis de identificar. Clonagem de WhatsApp, uso indevido do Pix, boletos falsos e links de phishing que imitam plataformas confiáveis estão entre os métodos mais comuns. Em 2023, a polícia britânica criou uma inteligência artificial com aparência e voz de uma senhora para simular interações com criminosos e obter provas em tempo real. O experimento teve repercussão internacional e reforça um alerta urgente: enquanto os golpistas evoluem rapidamente, grande parte da população idosa segue sem o suporte técnico necessário para se proteger — e continua no centro da mira.
Vergonha e medo de errar mantêm idosos em silêncio digital
Mais do que a ausência de habilidades técnicas, a inclusão digital da terceira idade esbarra em uma barreira emocional significativa. Muitos idosos relatam medo de errar, vergonha de pedir ajuda e até receio de “quebrar” o celular ao explorar funções desconhecidas. Essa insegurança os afasta da tecnologia e os torna dependentes de terceiros até para tarefas simples, como pagar uma conta ou acessar um extrato bancário.
Larissa Nascimento, coordenadora do projeto “Melhor Idade Conectada”, da Secretaria de Justiça e Cidadania do Distrito Federal, afirma que o medo e a desinformação criam um ciclo silencioso e perigoso. “Muitos idosos evitam usar o celular para funções básicas. Isso faz com que recorram a familiares ou conhecidos, o que nem sempre é seguro. Outros, com vergonha de demonstrar que não sabem, simplesmente aceitam a situação e deixam de realizar atividades digitais importantes”, analisa.
Nesse contexto, a exclusão digital reforça não apenas a dependência, mas também sentimentos de solidão e desamparo. Incapazes de acessar serviços bancários, realizar videochamadas com familiares ou acompanhar notícias com segurança, muitos idosos acabam completamente alheios ao ambiente digital. Foi o que aconteceu com Maria José da Silva, de 74 anos, moradora de Ceilândia (DF), que caiu em um golpe após receber uma mensagem de um suposto “SPC” pedindo atualização de cadastro. “Cliquei no link e acabei entregando meus dados. No dia seguinte, o limite do meu cartão, de R$ 5 mil, já tinha sido usado. Fiquei com tanta vergonha que demorei para contar à minha família”, relata. Para muitos, a vergonha de parecer desinformado pesa mais do que o prejuízo financeiro — e o silêncio, muitas vezes, perpetua a exclusão.
Letramento digital surge como ferramenta de proteção

Diante do aumento dos golpes, o letramento digital surge como uma das principais estratégias de prevenção. Não se trata apenas de ensinar a usar um celular, mas de formar uma consciência crítica sobre o ambiente virtual e treinar o olhar para identificar práticas fraudulentas. A Universidade de Brasília (UnB), em parceria com o Instituto Federal de Brasília (IFB), criou o curso “Literacia Digital para Pessoas 60+”, que vai desde a configuração básica do aparelho até a detecção de fake news e fraudes financeiras. Mariana Campos, professora responsável pela formação, destaca que o foco é devolver a autonomia. “Muitos alunos chegam inseguros, com medo de tudo. Aos poucos, percebem que são capazes de se proteger, participar ativamente da vida digital e até ajudar outras pessoas”, explica.
Além disso, iniciativas como o “Tecnologia sem Barreiras”, voltado especialmente para mulheres idosas, e o PlateadosTech+, que foca em segurança digital e comunicação, oferecem aulas gratuitas com tutores capacitados para lidar com as dificuldades específicas da faixa etária. Os resultados são visíveis: mais de 3.500 idosos foram capacitados no DF desde 2022, com índices de satisfação superiores a 90%. Muitos alunos relatam maior independência, autoconfiança e até melhorias no convívio familiar.
Aos 74 anos, Iraci Moreira voltou a estudar com foco no digital e, hoje, participa semanalmente das aulas da UnB (“Literacia Digital para Pessoas 60+”). Aprendeu a usar o WhatsApp com segurança, fazer chamadas de vídeo e acessar aplicativos bancários com mais tranquilidade. “Antes, eu tinha medo até de desbloquear o celular. Agora, converso com meus netos, leio as notícias, e sei quando é golpe. Me sinto mais segura e menos sozinha”, conta. Sua história não é exceção, mas um exemplo de como a inclusão digital pode transformar realidades.
Poder público e universidades começam a reagir
A preocupação com os golpes virtuais contra idosos também mobilizou o Legislativo e diferentes esferas do governo. Em 2024, foi sancionada a Lei nº 7.437/2024, no Distrito Federal, que institui uma campanha permanente de combate às fraudes financeiras contra pessoas idosas. A medida inclui ações educativas em escolas, órgãos públicos e campanhas na mídia, além da distribuição de cartilhas informativas. Em nível federal, o Ministério dos Direitos Humanos lançou a “Cartilha de Apoio à Pessoa Idosa: Enfrentamento à Violência Patrimonial e Financeira”, com orientações claras e acessíveis sobre como identificar tentativas de golpe e como agir em caso de fraude. A cartilha está disponível para download gratuito e é escrita em uma linguagem simples, pensada especificamente para o público idoso e seus cuidadores.
Além disso, o Ministério das Comunicações tem promovido oficinas de informática em regiões de maior vulnerabilidade social, como o interior do Pará, voltadas para pessoas acima de 60 anos. Outra importante iniciativa é o Repositório de Educação Digital e Midiática para Pessoas Idosas, uma plataforma online com materiais gratuitos, vídeos explicativos e apostilas sobre o uso seguro da tecnologia. Também tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei que propõe a criação do Programa Nacional de Letramento Digital para Pessoas Idosas, que garantiria a inclusão digital em larga escala, com coordenação entre estados, municípios e outras instituições.
Combate à desinformação também é desafio
Além do risco financeiro, os idosos estão entre os grupos mais vulneráveis à desinformação. Estudos revelam que, devido à falta de familiaridade com o ambiente digital, muitos acabam compartilhando conteúdos falsos sem perceber, pois não sabem como verificar a veracidade das informações. Pesquisa da Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação aponta que a maioria dos idosos não compreende como funcionam algoritmos e redes sociais, o que dificulta o filtro de notícias confiáveis.
A pesquisadora Silvana Matos, da Universidade Estadual de Maringá, destaca que o letramento digital não é suficiente por si só. “Ensinar o idoso a usar o celular é só o começo. O próximo passo é ajudá-lo a interpretar o que chega até ele, ensinando-o a não repassar desinformação. Isso é fundamental para sua autonomia e para a saúde democrática da sociedade”, avalia.
Esse processo mostra que garantir o acesso dos idosos ao mundo digital é mais do que um gesto de inclusão: é uma ação de cuidado, respeito e dignidade. Num cenário em que a tecnologia avança rapidamente, deixar os idosos para trás significa expô-los a riscos, solidão e abandono. Por isso, a inclusão digital da terceira idade deve ser uma política pública ampla e permanente, pois é uma responsabilidade coletiva que envolve o compromisso com a dignidade humana.