Do vinil ao streaming: jovens da Geração Z redescobrem a MPB
Para pesquisador, memória afetiva contribui para essa busca por músicas do passado
Postado em 19/05/2025
O resgate da MPB pela Geração Z (nascidos entre 1995 e 2010) tem se manifestado como um movimento afetivo e cultural. Dados do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) apontam que a Música Popular Brasileira segue como o gênero mais gravado no país, superando ritmos populares como o sertanejo e o funk. Durante a pandemia, a MPB foi o gênero mais escutado por jovens em 11 estados do Brasil, segundo o Flow Creative Core.
Segundo o relatório Culture Next do Spotify Advertising, aumentou em 76% o consumo de músicas e podcasts no primeiro semestre de 2023. Além disso, 69% dos jovens brasileiros disseram gostar de conteúdos de décadas passadas, principalmente por transmitirem sensações de simplicidade e conforto emocional.
Paulo César de Araújo, jornalista e pesquisador de música brasileira, observa que essa busca pela MPB não é exclusiva da Geração Z, mas parte de um movimento cíclico que acontece ao longo das décadas. “De tempos em tempos, jovens de uma geração se voltam para essa música popular brasileira de uma geração anterior, de uma época passada. Esses jovens, cansados de uma certa superficialidade, procuram algo de maior consistência, de maior permanência, uma espécie de porto seguro. E isso está no nosso passado.”
Conexões afetivas
Esse movimento de redescoberta da MPB frequentemente nasce em ambientes familiares. É o caso de Maria Clara Guedes, jovem de 20 anos que cresceu ouvindo MPB nas idas à escola com o pai. Para ela, nomes como Elis Regina, Marisa Monte e Vanessa da Mata marcaram sua formação musical. “Minha identificação vem da admiração do meu pai, pois foi ele quem me apresentou esse estilo musical”, diz ela.

Amanda Cieglinski, 39, que cresceu ouvindo Caetano Veloso, Gilberto Gil, Alceu Valença e Rita Lee, hoje compartilha essa vivência com o filho de 3 anos. “É muito gostoso apresentar esses artistas para ele. A gente ouvia para fazer ele dormir quando era menorzinho, e aí ele pegou gosto. Hoje, ele pede para cantar, e sabe cantar até as mais difíceis”, conta, citando o entusiasmo do filho por músicas como Morena Tropicana.
Ela reconhece o papel da música brasileira na formação do filho, mas respeita o gosto da criança. “Música é hábito. Não necessariamente a criança vai embarcar, mas tem um potencial de influenciar e transmitir essa cultura musical.” Amanda também destaca essa dinâmica familiar: “A família faz muita diferença. Tem famílias que nem ouvem música em casa, e quando você tem essa experiência de ouvir a música brasileira juntos, isso é um potencial de influência”.
Paulo César reforça: “A memória afetiva certamente contribui nesse momento de busca por uma música do passado. Uma parte importante da geração Z cresceu ouvindo em casa artistas como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gal Costa. Então isso está no DNA dessa geração.”
O papel das plataformas digitais
Embora a Geração Z tenha acesso facilitado a uma quantidade imensa de conteúdo através de plataformas digitais, Maria Clara observa que a relação com a MPB ainda carrega uma carga de redescoberta. “Eu alterno. Procuro conhecer os clássicos, mas também me aventuro por novos artistas nessa cena musical”, diz ela, destacando como o consumo dessa música está, em grande parte, atrelado às novas tecnologias e ao fácil acesso proporcionado pelos serviços de streaming.
Paulo César de Araújo concorda. “As plataformas digitais transformaram muita coisa, principalmente a música. Antes, para ouvir um disco do Caetano Veloso ou do Belchior, era preciso ter esse disco em casa, comprar um CD ou um vinil. Hoje, com o YouTube, Spotify, TikTok e Instagram, num toque você está ouvindo um disco inteiro.”

Segundo ele, o acesso facilitado pelas plataformas digitais tem papel fundamental na redescoberta da MPB pelos jovens, pois amplia as possibilidades de escuta, troca e compartilhamento. “Essa mudança tornou muito mais simples o contato com artistas do passado, inclusive internacionais, e isso contribuiu significativamente para o aumento do interesse da nova geração por esse repertório”.
As plataformas não apenas ampliam o alcance da MPB, como também oferecem novas formas de interação com o gênero, permitindo que jovens como Maria Clara possam explorar tanto o passado quanto o presente da música brasileira. Amanda, no entanto, aponta uma limitação nesse processo. “Apesar de estar tudo ali, acho que você descobre pouca coisa. Parece que empobrece o gosto musical da gente, e se você não se dispor a ouvir outras coisas, vai ouvir sempre o mais do mesmo.”
A MPB como símbolo de reflexão social para as novas gerações
Além do componente afetivo, Paulo César de Araújo ressalta o valor simbólico da MPB. “Esses artistas da MPB do passado produziam uma obra que era de vanguarda, de contestação, com uma temática moderna sobre raça, gênero e sexualidade. Isso ainda é muito relevante para a geração atual. A geração Z valoriza essa música não só pela estética, mas pela mensagem que ela ainda transmite.”
Amanda também compartilha essa visão. “Tem músicas que têm muita força. Pega músicas da época da ditadura, uma Elis Regina, por exemplo, cantando Como Nossos Pais, do Belchior: são músicas de força, de luta, de resistência.” Para ela, a MPB é uma verdadeira janela para a compreensão de contextos históricos.
Esse aspecto se destaca na vivência de Maria Clara, que enxerga na MPB uma ponte entre sua geração e a história do país. “Eu vejo especialmente as músicas mais antigas como uma forma de se conectar com o passado e ter um senso crítico”, reflete.
Ela acredita que a MPB é uma “ferramenta de reflexão” que vai além do simples consumo musical, ajudando a atual geração a se posicionar de maneira mais consciente diante das questões sociais atuais.
Maria Clara também observa uma movimentação entre seus amigos. “Dentro do meu nicho, muitas pessoas se aventuram tanto por artistas antigos quanto por novos. Acredito que muitos começaram a conhecer algumas composições mais antigas pelos novos artistas que mesclam seus estilos com MPB.”