Tradição japonesa floresce no Cerrado com celebração das colônias do DF aos 116 anos da imigração no Brasil

Brasília abriga uma das comunidades nipônicas mais organizadas do Centro-Oeste, com tradições preservadas e histórias que se entrelaçam com a construção da capital

Carlos Vilaça

Postado em 08/07/2025

Das primeiras plantações no Riacho Fundo ao templo budista no Plano Piloto, a presença japonesa no Distrito Federal constrói vínculos que vão além da agricultura na região; envolvem espiritualidade, educação, alimentação e a própria forma de ser nikkei no Planalto Central.

A história da colônia japonesa no DF remonta aos anos 1970, quando famílias migraram para colaborar com o desenvolvimento da nova capital. Hoje, os descendentes mantêm vivas as tradições, celebram o Dia da Imigração Japonesa e reforçam os laços culturais por meio da gastronomia, agricultura e festividades.

O dia 18 de junho marca os 116 anos da imigração japonesa no Brasil, uma data celebrada com orgulho pelas colônias nipônicas do DF. Com raízes em núcleos agrícolas como a Colônia Agrícola Kanegae, no Núcleo Bandeirante, e na comunidade de Alexandre de Gusmão, em Brazlândia, os descendentes dos primeiros colonos preservam sua cultura com eventos, atividades comunitárias e o cultivo da terra.

A chegada ao DF ocorreu, sobretudo, entre o fim dos anos 1960 e o início dos 1970, incentivada pelo governo para impulsionar a produção agrícola em torno da capital. A adaptação ao cerrado exigiu resiliência e criatividade, qualidades marcantes desde a chegada do navio Kasato Maru ao Brasil, em 1908.

“Meus pais vieram de São Paulo para ajudar a fundar o núcleo agrícola aqui. Trouxeram o conhecimento do cultivo de hortaliças e flores, que se tornou nossa principal atividade por gerações”, conta Harumi Tanaka, 64 anos, moradora da Colônia Kanegae. “Mantemos o hanami, o ikebana e o nihongo (idioma). Tudo isso é uma forma de honrar nossas raízes.”

Segundo estimativas da Associação Nipo-Brasileira de Brasília (ANBB), cerca de 500 famílias com descendência japonesa vivem hoje em núcleos urbanos e rurais do DF. A entidade organiza, anualmente, eventos como o Festival do Japão, oficinas culturais e mantém uma escola de língua japonesa.

“A cultura japonesa tem muito a oferecer, são valores como disciplina, respeito e coletividade. Queremos compartilhar isso com a comunidade brasiliense”, afirma Kenji Saito, presidente da ANBB.

A programação em comemoração aos 116 anos da imigração japonesa incluiu apresentações de taiko (tambor japonês), danças folclóricas, cerimônia do chá e exposições de arte tradicional, na sede da ANBB, no Setor de Clubes Sul. Também ocorreu oficinas de origami e degustações de pratos típicos como sushi, tempurá e gyoza.

Para muitos descendentes, preservar a herança cultural é também um ato de resistência e afirmação identitária. “Mesmo com as mudanças do tempo, a essência da cultura japonesa permanece viva em nossos gestos, nos rituais e no trabalho com a terra”, diz Erika Okamoto, neta de colonos que chegaram a Brazlândia na década de 1970.

As colônias japonesas no DF são exemplo de como culturas distintas podem coexistir e enriquecer o tecido social da capital federal. Do sakura (flor de cerejeira) que floresce nos quintais às escolas bilíngues, o legado nipônico segue florescendo no cerrado.

“A cultura japonesa tem muito a oferecer, são valores como disciplina, respeito e coletividade. Queremos compartilhar isso com a comunidade brasiliense”, afirma Kenji Saito, presidente da ANBB. Foto: Arquivo Pessoal

Com cerca de 31 mil japoneses e descendentes, a região construiu uma rede comunitária que integra práticas agrícolas, educação, espiritualidade e identidade cultural. Entre os pioneiros, destaca-se Heitor Kanegae, nascido em janeiro de 1958, antes mesmo da inauguração de Brasília. Filho de Yasutaro Kanegae, um dos colonos convidados por Juscelino Kubitschek a colaborar com o abastecimento da “Cidade Livre”, Heitor foi batizado por JK e, até hoje, cultiva hortaliças na mesma chácara.

“Era terrível, tiveram que desmatar tudo. Foi muito sofrido”, relata, ao lembrar os primeiros anos no Riacho Fundo I. Uma frase curta que revela a resiliência dos primeiros nikkeis do DF.

A espiritualidade também tem espaço garantido. O Templo Honpa Hongwanji, também conhecido como Templo Shin Budista Terra Pura ou Otera do Plano Piloto, localizado entre as quadras 315 e 316 da Asa Sul, uma das áreas mais nobres da cidade. Construído por imigrantes e inaugurado em 1973 na Asa Sul, tornou-se um símbolo: mais que local de culto, é um “porto seguro emocional”, onde se celebram ancestrais, se trocam experiências culturais e se fortalecem vínculos intergeracionais.

Outro traço marcante da comunidade é o comportamento cooperativo e voltado ao bem coletivo. Associações promovem eventos, cursos de idioma, oficinas de práticas como ikebana, shodō e cerimônia do chá, além de mutirões, como o recente de limpeza no templo. Essas ações reforçam o senso de identidade e pertencimento.

Na alimentação, esse espírito se manifesta em ações como o evento “Japão Gastronômico”, realizado em junho, com participação de 11 restaurantes locais. Brasileiros e nikkeis compartilham experiências e receitas, do sushi ao karê rice, promovendo uma convivência afetiva por meio da comida.

Por fim, a educação é outro pilar central. Escolas e projetos ensinam o nihongo desde a infância, promovendo valores como disciplina, foco e respeito, comportamentos que, segundo estudos nacionais, contribuem para o bom desempenho acadêmico de jovens nipo-brasileiros.

“A cultura japonesa tem valores que tocam a todos: respeito, cuidado com o outro, senso de coletividade”, reforça Kenji Saito.