Vídeos no TikTok impulsionam autodiagnóstico de TDAH entre jovens

Embora plataforma tenha dado visibilidade ao transtorno, especialistas alertam para os riscos de diagnósticos precipitados

Paola Cieglinski Lobo

Postado em 22/04/2025

O bingo de sintomas é extremamente comum no TikTok, nos comentários é possível observar várias pessoas se identificando e deduzindo ter o transtorno. / Foto: Paola Cieglinski
O bingo de sintomas é extremamente comum no TikTok, nos comentários é possível observar várias pessoas se identificando e deduzindo ter o transtorno. / Foto: Paola Cieglinski

Nos últimos anos, o TikTok se consolidou como uma das principais plataformas onde debates sobre saúde mental ganharam espaço e visibilidade. Entre as hashtags mais populares da plataforma, estão #TDAH e #autismo, com conteúdos que misturam informação e relatos pessoais. Um estudo da Universidade da Colúmbia Britânica mostrou que menos da metade dos 100 vídeos mais vistos sobre TDAH atendiam aos critérios de diagnóstico profissional. Ainda assim, esses vídeos acumulam quase meio bilhão de visualizações.

Larissa Guedes*, de 26 anos, foi uma das pessoas que se reconheceu nos conteúdos da rede. A jovem pensou que poderia ter TDAH  quando  percebeu  que não mantinha o mesmo nível de concentração nas coisas e perdia o interesse fácil nas coisas depois de ficar meses obcecada. Os vídeos no TikTok apresentaram sintomas com os quais ela se identificou: distração, hiperfoco, deixar as coisas pela metade, esquecer objetos.

Embora tenha procurado um profissional, Larissa ainda não concluiu o processo para confirmar o diagnóstico. Para ela, os conteúdos foram um ponto de partida positivo. “Com certeza, com eles consegui me achar mais normal e descobrir métodos para poder conseguir ter mais autonomia”.

O limite entre educar e desinformar

A adolescente Ana Júlia Lopes, de 17 anos, recebeu o diagnóstico de TDAH aos 10, após recomendação de uma professora. Ela repetiu os testes em 2021 porque o grau de TDAH tinha aumentado. A jovem  também já consumiu vídeos sobre o tema no TikTok, mas tem uma visão mais crítica. “Acho muito errado a forma que retratam o TDAH, é de um jeito totalmente generalizado, que leva as pessoas a se autodiagnosticarem”, afirma.

Ana Júlia conta que uma professora da escola levantou a suspeita de que ela poderia ter TDAH e orientou sua mãe a procurar um neurologista. / Foto: Paola Cieglinski
Ana Júlia conta que uma professora da escola levantou a suspeita de que ela poderia ter TDAH e orientou sua mãe a procurar um neurologista. / Foto: Paola Cieglinski

Segundo Ana Júlia, os vídeos costumam tratar o transtorno de forma superficial, o que pode causar confusão. “Falam sobre os sintomas do transtorno de forma muito rasa, fazendo com que as pessoas se identifiquem e já tirem conclusões precipitadas sobre ter TDAH”. Ela mesma já se sentiu invalidada por conta disso, ao ouvir frases como “Hoje em dia todo mundo tem TDAH”.

A neuropsicóloga Aline Gomes explica que o TDAH é um transtorno neurobiológico que envolve desatenção, hiperatividade e impulsividade, podendo variar conforme o subtipo. O diagnóstico não deve se basear apenas em relatos. “Ele é clínico, mas exige uma avaliação criteriosa, que pode incluir entrevistas, aplicação de testes neuropsicológicos e coleta de informações com familiares ou professores”, afirma.

Ela também aponta que um  diagnóstico errado pode atrasar o início de um tratamento adequado, prejudicando a qualidade de vida da pessoa. Além disso, pode agravar sintomas já existentes e contribuir para o desenvolvimento de comorbidades.

Para a psicóloga clínica Renata Santana, o TDAH tem ganhado destaque nas discussões atuais por estar diretamente relacionado aos hábitos da vida digital. “Estes artifícios digitais promovem a redução da nossa capacidade de atenção e concentração, bem como a dificuldade de manter o foco por conta das notificações e estímulos que nos tornam cada vez mais inábeis a executar atividades monótonas”, afirma. 

Para a especialista, o bombardeio de estímulos constantes contribui para a sensação de dispersão generalizada. Esse cenário tem levado profissionais da saúde a questionarem se há um aumento real nos casos ou uma supervalorização do diagnóstico.

Renata afirma que  o comportamento de buscar um diagnóstico sozinho pode ser entendido como uma tentativa de pertencimento. A profissional  alerta: “As redes sociais podem ser um canal excelente de informação, mas definitivamente não é um lugar para se fazer um autodiagnóstico”.

Popularidade que preocupa

Segundo dados do Ministério da Saúde divulgados em 2022, estima-se que o TDAH atinge cerca de 11 milhões de brasileiros. A prevalência é de 7,6% em crianças e adolescentes entre 6 e 17 anos, 5,2% em adultos de 18 a 44 anos e 6,1% em maiores de 44 anos. A visibilidade nas redes pode contribuir para a redução do preconceito, mas também traz desafios. 

Aline relata que após a popularização do tema nas redes sociais mais pacientes têm chegado em seu consultório. “E isso é positivo, porque ao menos essas pessoas estão buscando ajuda de profissionais”, afirma.

Por outro lado, o excesso de informações pode causar mais confusão do que esclarecimento. Renata explica que é muito fácil se identificar com os sintomas do TDAH porque são sintomas que estão muito presentes no nosso cotidiano. Para ela, o principal problema está na banalização do transtorno.”Vale também destacar a automedicação e com isso o aumento nos riscos, no uso e abuso de fármacos e tratamentos genéricos que podem ter consequências desastrosas”, alerta.

A automedicação é perigosa, além disso a medicação não trará o efeito esperado se o diagnóstico estiver incorreto. / Foto: Paola Cieglinski
A automedicação é perigosa, além disso a medicação não trará o efeito esperado se o diagnóstico estiver incorreto. / Foto: Paola Cieglinski

Ana Júlia reforça a importância do cuidado na hora de consumir conteúdo online, a jovem destaca que o TDAH vai muito além do que falam nas redes, é algo que afeta várias áreas além da desatenção. Ela também deixa um recado para quem se vê nos vídeos do TikTok: “Eu gostaria que parassem de ‘romantizar’ o TDAH como fazem, porque é algo que afeta muito a minha vida e o meu dia a dia”.

*Nome fictício a pedido do entrevistado