Romances com teor sexual lideram a leitura digital no Brasil e revelam autoras independentes
Busca por protagonistas femininas e por narrativas sobre liberdade sexual tem impulsionado o gênero, com temas como empoderamento, autonomia e descobertas pessoais.
Postado em 08/07/2025

Podendo ser tabu ou até motivo de ridicularização em muitas rodas, o gênero erótico é dominante em plataformas de leitura como Kindle, Skoob (rede de resenhas literárias) e redes socias como o Instagram e o Tiktok. Nesse último espaço, a subcomunidade conhecida como Booktok compartilha vídeos com trechos e resenhas, podendo elevar um livro desconhecido à queridinho em questão de semanas. E, na maioria das vezes, essas obras envolvem romances com moderada (ou não) dose de teor sexual, voltados ao público feminino.
Estudos recentes da Câmara Brasileira do Livro, como o Panorama do Consumo de Livros, realizado pela Nielsen BookData e divulgado em 2025, apontam as mulheres como protagonistas no mercado literário nacional: 62% dos consumidores que compraram mais de 10 livros nos últimos 12 meses são mulheres.
No universo digital, os eBooks se destacam — e os gêneros erótico e romance contemporâneo lideram o consumo dentro do Kindle Unlimited (KU) no Brasil. A plataforma Kindle Direct Publishing (KDP), voltada para autores independentes, também cresceu significativamente nos últimos anos, especialmente entre brasileiras que publicam romances eróticos e dark romance — subgênero que explora relações intensas com elementos como obsessão, controle e, às vezes, violência.
Entre os títulos mais vendidos do KU figuram obras como “Na guerra e no amor”, da autora Jas Silva, “Amor à segunda vista”, da Bruna Palazzo e “E se fosse verdade?”, da Tatiane Biasi. Palazzo, de 26 anos, é uma das autoras independentes de maior destaque, com mais de 140 mil avaliações nas plataformas da Amazon e um total de 16 livros publicados.
Um espaço feminino de imaginação e desejo
Para Thai Andrade (24), autora independente do gênero e publicada pela KDP, a categoria sempre esteve presente entre o público jovem. “Acho que desde que a série “Cinquenta tons” veio à tona, o mundo da leitura erótica mudou, e foi se ampliando, como se a trilogia tivesse dado força para esse tipo de nicho literário”, opinou. A escritora cita ainda como exemplo a série de livros “After”, de Anna Todd e originária de uma fanfic com inspiração na banda One Direction, que ficou ainda mais conhecida após a sequência de filmes.
De acordo com a Nielsen BookScan, mais de 70% dos leitores de romance no Brasil são mulheres — especialmente entre 18 e 35 anos. A busca por protagonistas femininas e por narrativas sobre liberdade sexual tem impulsionado o gênero, com temas como empoderamento, autonomia e descobertas pessoais.
Professora de inglês e nordestina, Thainá — que assina como “Thai Andrade” — conta que sempre foi apaixonada por esse estilo de leitura. “Quando decidi escrever, nada fez tanto sentido do que escrever no mesmo nicho que eu sou apaixonada em ler.” Com três livros publicados — a duologia ‘Between Us’ e ‘Forever Us’, e o título único ‘Uma chance para o amor’ —, ela aposta na força da imaginação feminina.
Para ela, muitas mulheres têm uma experiência limitada sobre sexo e, consequentemente, deixam de impor os próprios desejos, principalmente por conta de tabus. A autora vê no gênero erótico uma oportunidade de explorar isso, gerando conhecimento e autonomia sexual. “O mundo é machista e feito para os homens. Já na leitura, nós, mulheres, construímos um mundo nosso, onde nosso prazer, nossas vontades, vêm sempre em primeiro lugar. E como gostamos de dizer: Nenhum homem se compara àquele escrito por uma mulher”, completa a autora de “Between us”.

De acordo com a psicóloga Paula Rezende, a literatura erótica pode contribuir para o autoconhecimento e o empoderamento feminino, ao permitir que as mulheres explorem seus desejos sem culpa.
A psicóloga e especialista em sexualidade humana, Paula Rezende, vai de acordo com esse pensamento, afirmando que a literatura erótica pode contribuir muito para o autoconhecimento e o empoderamento feminino, ao permitir que as mulheres explorem seus desejos sem culpa. Destaca ainda que a leitura desse nicho pode fortalecer vínculos afetivos, pois favorece o diálogo e o entendimento sobre o próprio desejo.”Pacientes trazem esse tipo de leitura ao consultório, tanto como ferramenta de descoberta quanto como fonte de conflito ou comparação”, compartilha.
Já a terapeuta sexual e também psicóloga Fernanda Hostert complementa o debate dizendo ver com bons olhos o crescimento do gênero. “Acho muito simbólico e importante que mais mulheres estejam se permitindo consumir esse tipo de conteúdo, que por tanto tempo foi tabu ou restrito a um olhar masculino sobre o prazer”.
O limite da fantasia?
Apesar dos pontos positivos, tanto Paula quanto Fernanda fazem ressalvas importantes — especialmente no que diz respeito ao dark romance e suas nuances problemáticas. “Algumas obras acabam reproduzindo dinâmicas abusivas travestidas de paixão intensa como: ciúmes excessivo, controle e violência emocional ”, informa Paula.
Universitária e leitora assídua do gênero, Juliana (nome fictício, a pedido da fonte) compartilha que foi atraída pelo erotismo por ser uma leitura “fácil” e envolvente. Ela destaca, porém, os excessos presentes em muitas obras do subgênero. “Acho que tudo tem um limite, sabe? E tem momentos que esses livros normalizam a violência e o abuso, não é normal.”
Juliana comenta ainda que muitas histórias retratam agressividade como parte do desejo, e que algumas cenas podem confundir jovens leitoras, ao apresentarem comportamentos abusivos como erotizados. “Chega a correr risco de você normalizar certo tipo de agressão, porque é tudo muito violento”.
Outro ponto de crítica levantado por ela é a ausência de avisos de gatilho ou notas das autoras indicando que se trata de ficção. Salienta ainda que se torna uma problematização ainda maior pelo público desse subgênero ser formada em maioria por meninas jovens e pré-adolescentes.
Para a psicóloga Paula, leituras assim podem normalizar comportamentos perigosos, especialmente para leitoras mais jovens ou em situações de vulnerabilidade emocional. “Quando esse tema aparece no consultório, costumo incentivar uma leitura mais crítica e estimular que a cliente observe se aquela relação literária seria aceitável ou saudável fora das páginas, e como se sente ao se identificar com certos personagens”, informa. Na experiência da terapeuta, a ideia não é censurar a leitura, mas ajudar a separar fantasia e realidade, e refletir sobre os próprios limites e escolhas.
Fernanda concorda, e completa destacando que é essencial que haja um olhar cuidadoso sobre o que está sendo consumido e como isso impacta a forma como a leitora se percebe, e se relaciona.
“Sentimos que também podemos”
Já Thai Andrade acredita que essa romantização do problemático varia tanto de autor quanto de leitor, e cabe ao escritor o papel de adicionar a nota de aviso de alerta aos gatilhos presentes na obra e, ao leitor, de ler, decidindo continuar ou não consumindo aquele conteúdo.

“O mundo é machista e feito para os homens. Já na leitura, nós, mulheres, construímos um mundo nosso, onde nosso prazer e nossas vontades vêm sempre em primeiro lugar”
– Thai Andrade, autora da duologia ‘Impossible‘. (Foto: Arquivo Pessoal)
A autora compartilha não ser fácil ser uma escritora independente publicada pela KDP — os gastos são altos, a visibilidade depende de sorte, e muitas vezes o reconhecimento é guiado pelo status e não pela qualidade. “Hoje não é mais sobre se o livro é bom ou não, e sim sobre quem escreveu e com quem essa autora trabalhou para garantir o livro”.
Ainda assim, acha que a plataforma democratizou o acesso à leitura e escrita erótica no Brasil, além de outros países, e abrangeu ainda mais a categoria.
Como indicação para se iniciar no gênero, Andrade promove sua duologia: ‘Between Us’ e ‘Forever Us’. “Em ambos os livros trago temas sensíveis como bipolaridade e violência doméstica. Temas que raramente são abrangidos e discutidos em leituras, mas acho de extrema importância trazê-los à tona”.
A escritora finaliza afirmando que por mais difícil que possa ser, com uma dose de coragem, tudo é possível. Destaca que como escritora se tornou mais destemida e, querendo ou não, acaba se inspirando nas próprias personagens. “Quando lemos sobre mulheres fortes que podem ser o que quiserem, fazendo o que querem, e realizando qualquer coisa, sentimos que também podemos”.
Para mais informações sobre a autora e seus livros, acesse sua página oficial no Kindle Unlimited aqui.