Cresce interesse de brasileiras pelo futebol e por diferentes formas de torcer

Com o fortalecimento do futebol feminino e o surgimento de comunidades virtuais, mulheres encontram mais maneiras de expressar sua torcida.

Débora Sobreira Rezende

Postado em 09/04/2025

O interesse médio dos brasileiros pelo universo esportivo cresceu 15% desde 2020. Os homens, porém, aparecem atrás das mulheres nessa corrida: na busca por assistir e praticar esportes, apresentaram um aumento de 9%; menos que a metade do crescimento feminino, que ficou em 20%. Os dados são do estudo Women and Sports, realizado pelo Ibope em março de 2025, e é refletido através de diferentes expressões de apoio nas arquibancadas, nas ruas e nas redes sociais.

O skate, o tênis e o futebol de areia são os destaques no aumento de público feminino, com respectivamente 48%, 33% e 31% mais mulheres declaradas fãs de cada. No caso do esporte historicamente tradicional no país, o futebol foi escolhido como modalidade preferida de 60% das torcedoras, que ainda enfrentam desafios estruturantes dentro do universo do jogo, mas também dispõem de formas tradicionais e menos convencionais de expressar o amor pelos times.

Torcida por trás das telas

Para a estudante Tábata* (nome fictício), de 28 anos, o amor pelo Botafogo foi trazido de início pela relação com o pai, mas ganhou um espaço próprio e central em seu coração com o passar dos anos. Ele adentrou suas redes sociais, sendo tema de seu perfil na rede X (antigo Twitter), fonte de novos amigos e de um projeto autoral: “Fogazelas”, uma comunidade voltada para botafoguenses mulheres e pessoas LGBTQIA+ torcerem juntas e de forma mais acolhedora.

Perfil no X foi criado com intuito de formar um ambiente seguro para torcedores vulneráveis em ambientes de torcida | Foto: Reprodução/X

“A ideia do projeto começou como uma brincadeira, mas ao receber relatos como de meninos LGBT que sentiam um receio de usar a camisa do Botafogo e ir aos jogos, e de mães solo que não iam ao estádio por falta de companhia e preocupação com os filhos, decidi tocar em frente”, conta.

A iniciativa ganhou corpo a partir de muitas mãos de torcedoras que pegaram para si a função de ajudar Tábata na administração do grupo, que, para além de um espaço de trocas, também se dispõe a trazer mais segurança aos envolvidos, como combinando idas e retornos conjuntos aos jogos. A linguagem também é um fator chave na hora das trocas sobre os times; diferentemente do tradicional, Tabata diz que enxerga o time como “sua banda pop favorita”: “Tenho mesmo essa relação de fã com o Botafogo. Admiro de verdade o clube, sua história e todos os desafios que venceu. Vendo a trajetória do Botafogo, eu vejo minha história de vida”.

Torcer também é moda

Foram necessários vinte anos para a arquiteta Geovanna Corrêa deixar sua vontade falar mais alto que o machismo no meio esportivo e iniciar aulas de futebol, desejo que cultivava há um longo tempo e que foi concretizado por meio do time feminino que já existia em seu curso durante a graduação. Imersa no meio futebolístico, percebeu que poderia juntar o lazer com outra de suas paixões: a moda.

“Sempre gostei de peças oversized e, de início, pegava camisas do meu irmão, depois comprei as minhas próprias para usar. Isso bem na época em que comecei a jogar futebol”, conta a torcedora do Goiás Esporte Clube, que costuma compor a peça junto a mini-saias, shorts ou saias longas.

A estética seguida por Geovanna ganhou o nome “blokecore” em meados de 2021 e foi impulsionada nos anos seguintes pela Copa do Mundo e pela adesão de influenciadoras e celebridades ao estilo. A palavra junta a gíria de origem irlandesa “bloke”, que em tradução para o português assemelha-se a “mano” e “cara”, e o termo “core”, que significa “essência” e é comumente utilizado para ditar diversas tendências de nicho. Trata-se de compor looks não apenas com camisas de futebol, mas também com demais itens esportivos, como tênis, bolsas transversais e acessórios que transmitam a ideia de algo despojado e esportivo.

Um maior número de mulheres se apropriando de símbolos do futebol, no entanto, infelizmente não traduz menos machismo, razão pela qual, após sofrer ataques cibernéticos, a idealizadora do Fogazelas preza pelo seu anonimato. Geovanna conta de um episódio em que, enquanto aproveitava um show, um desconhecido se aproximou, motivado pela camisa do Goiás utilizada por ela, e lhe perguntou quantos jogadores entravam em campo e quais os nomes no elenco atual do clube, a fim de testar seu conhecimento acerca do esporte.

Legado dentro e fora dos estádios

O fascínio das mulheres pelo esporte teve seu caminho pavimentado por diversas outras que atravessaram diferentes eras do Brasil, ocupando os espaços possíveis e impossíveis para fazer parte da história do futebol no país. Professor do departamento de História da Universidade de Brasília, Mateus Gamba Torres dedica seu conhecimento ao estudo do futebol. O pesquisador ressalta o legado de luta e dedicação das atletas e torcedoras:

“Na década de 30 já haviam formações de times femininos. Isso não era visto como um problema por boa parte da sociedade até os anos 40, quando, em 1941, [Getúlio] Vargas cria um decreto que proíbe mulheres de praticarem esportes que ‘não fossem condizentes com sua natureza’, dentre esses, o futebol”.

A proibição perdurou por dois regimes ditatoriais e só foi abolida em 79, quando o futebol feminino voltou a ser legalizado no país. Enquanto isso, segundo artigo de Elisabeth Murilho publicado na revista dObra[s], a presença de mulheres nas arquibancadas era permitida e tida como causadora de um “bom ambiente no estádio”. Essas tantas mudanças culminaram em uma duradoura desvantagem do futebol feminino quando comparado ao masculino, mas que hoje vê mais portas se abrindo.

Quanto ao aumento da popularidade da modalidade, o professor aposta no fenômeno Marta: “O brasileiro gosta muito de dois esportes: futebol e vencer. E justamente o destaque da Marta, ao ser melhor jogadora por tantos anos e conquistar o que conquistou, pode ser referência para outras meninas. Ela mesmo não teve referência no futebol feminino”.