Eleições de 2024 tiveram aumento de candidaturas trans

Para Natasha Ferreira (PT), vereadora eleita em Porto Alegre e primeira mulher trans a liderar uma bancada, a ocupação política é uma resposta concreta à exclusão histórica

Carlos Vilaça

Postado em 21/05/2025

Em 2024, o Brasil registrou o maior número de candidaturas de pessoas trans na história política do país. Segundo dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), houve um aumento de 44% em relação à eleição anterior. Foram 969 pessoas trans candidatas, com destaque para a região Sudeste (34%), seguida pelo Nordeste (26%), Sul (18%), Norte (12%) e Centro-Oeste (10%). Deste total, 952 concorreram à Câmara Municipal, 10 à vice-prefeitura e 7 à prefeitura.

Nas eleições municipais de 2024, 27 pessoas trans foram eleitas para o cargo de vereador: 26 mulheres e um homem. Embora o número seja menor que o de 2020 (30), as eleições de 2024 registraram um recorde histórico de pessoas LGBT+ eleitas, com um aumento de mais de 100% em relação ao período anterior, de acordo com dados do TSE.

Esse avanço, no entanto, ainda esbarra em uma realidade desigual, marcada por violência, exclusão e discursos transfóbicos, inclusive oriundos de autoridades públicas. Para o deputado distrital Fábio Félix (PSOL-DF), único parlamentar assumidamente gay na Câmara Legislativa do DF, a região ainda está longe do ideal. “O Centro-Oeste vive um momento de atraso. Demos pequenos passos, mas é fundamental que a representatividade traga conteúdo político e discuta a realidade social, pois isso tende a promover mudanças”, avalia. Segundo ele, ações afirmativas como cotas para pessoas trans são essenciais. “O processo de exclusão dessa comunidade é evidente por diversas razões”, afirma.

O impacto da representatividade na vida de pessoas trans fora do parlamento é direto. Igor Crepaldi, homem trans de 37 anos, relata o que sentiu ao ver candidaturas trans ganhando visibilidade. “É de encher os olhinhos de emoção ver Erika Hilton e Duda Salabert lutando por nós. Me sinto, em parte, representado, sim”, diz. No entanto, ele lamenta a ausência de homens trans nos espaços de poder. “Acho importante termos figuras trans centradas em políticas públicas para nossa comunidade”.

Para Natasha Ferreira (PT), vereadora eleita em Porto Alegre e a primeira mulher trans a liderar uma bancada na capital gaúcha, a ocupação política é uma resposta concreta à exclusão histórica. “Não é somente sobre liderar uma bancada. É representar lutas e necessidades de pessoas que ainda enfrentam preconceito e exclusão nos espaços mais básicos, como a escola, o trabalho e o próprio corpo”, afirma. Ela também aponta o conservadorismo como um dos principais obstáculos no Sul do país, onde a representatividade trans nas eleições foi de apenas 18%. “Os desafios incluem a superação da violência, da discriminação e da ausência de políticas públicas efetivas.”

“Conquistamos algumas cotas em universidades públicas, mas precisamos que isso se estenda aos concursos públicos e que políticas de empregabilidade para pessoas trans saiam do papel”, defende a ativista Samanta Mendanha. Foto: Igor Crepaldi/ arquivo pessoal

As lutas por políticas públicas e as conquistas recentes

Ainda que o avanço das candidaturas trans aponte para um cenário mais plural, o caminho até aqui tem sido repleto de obstáculos. A ativista brasiliense Samantha Mendanha, criadora do canal TRANSmissão no YouTube, pontua que a luta por direitos básicos permanece atual. “Conquistamos algumas cotas em universidades públicas, mas ainda são poucas. Precisamos que isso se estenda para os concursos públicos e que políticas de empregabilidade para pessoas trans saiam do papel”, diz. Ela destaca ainda que a permanência nas escolas é uma pauta urgente. “Muitas vezes não é só entrar. É conseguir continuar.”

Acesso a banheiros públicos, redesignação de nome social e acesso a universidades públicas através de cotas são algumas das pautas lideradas pela comunidade trans. Foto: Igor Crepaldi

Igor reforça a necessidade de políticas públicas no cotidiano. “Faço acompanhamento no Ambulatório Trans de Brasília, que é um avanço, mas não temos acesso gratuito aos hormônios. Negar esse direito é colaborar com o extermínio da comunidade trans, principalmente a mais pobre.” Ele também relata experiências de transfobia em espaços públicos, como academias e banheiros, e defende a implementação de sanitários unissex como medida emergencial.

A representatividade política é, para essas vozes, uma forma de garantir não apenas visibilidade, mas sobrevivência. “Precisamos de cotas trans em faculdades e concursos, proteção às crianças trans nas escolas e penalização aos preconceituosos”, afirma Igor. Já Samantha acredita que políticas de conscientização da população e leis protetivas precisam andar juntas. “O maior problema é a quantidade absurda de propaganda conservadora e preconceituosa, tanto na mídia quanto nas redes sociais. Isso é difícil de combater.”

Apesar do cenário adverso, há conquistas a serem celebradas. “A aprovação das cotas trans em universidades públicas é uma vitória muito grande. Lutamos por isso há anos”, destaca Samantha. Mas ela reforça: “Ainda temos muito o que caminhar. Essas conquistas, embora insuficientes, mostram que estamos nos inserindo na vida em sociedade. Isso beneficia toda a população, porque quanto mais diversa for uma sociedade, melhor ela funciona para todos.”

A presença de figuras públicas trans no Legislativo tem funcionado como um catalisador para o fortalecimento dessas pautas. Natasha, Erika Hilton, Duda Salabert e outras parlamentares pavimentam um caminho que inspira novas gerações. “Sonho com o reconhecimento de que crianças trans existem e que sua proteção seja garantida em todos os espaços”, diz Igor. “Aos jovens trans que sonham com esse caminho político: estudem, se cuidem, façam terapia. Estamos precisando de vocês”, finaliza.