Trabalhar no hospital também machuca quem não usa jaleco
Pressão constante, ansiedade e insônia fazem parte do dia a dia de profissionais invisibilizados que sustentam o cuidado dentro dos hospitais.
Postado em 20/04/2025

O ambiente hospitalar exige muito mais do que conhecimento técnico. A rotina diária desses espaços é marcada por pressões constantes, carga emocional elevada e jornadas exaustivas. Embora o foco geralmente recaia sobre médicos e enfermeiros, outros profissionais que atuam nos bastidores, como técnicos de enfermagem, assistentes administrativos, equipes de manutenção e limpeza, também enfrentam desafios significativos que impactam diretamente sua saúde mental.
Segundo o psicólogo Leandro Cunha, o estresse no trabalho hospitalar é uma realidade que afeta de forma ampla e, muitas vezes, silenciosa. “Esses profissionais lidam com sofrimento humano, urgência e responsabilidade o tempo todo. Quando não há um espaço institucional para lidar com isso, o impacto psicológico se acumula e pode levar a quadros de ansiedade, depressão e burnout”, explica.
Mesmo quando não há envolvimento direto com pacientes, a pressão por eficiência e agilidade nos bastidores também pesa. “Muitas vezes, esses profissionais nem são vistos como parte do cuidado, mas sem eles o hospital não funciona. Essa invisibilidade aumenta a sensação de sobrecarga”, afirma o psicólogo.
As duas fontes entrevistadas para esta reportagem, uma auxiliar de limpeza e o marido, reforçam esse cenário de esgotamento. Teresinha Maria, de 52 anos, atuou por cinco anos como auxiliar de limpeza no Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF). Ela relembra com pesar o período em que trabalhou na ala vermelha, área destinada a atendimentos de emergência.
“Passei um tempo na ala vermelha e vi muitas coisas difíceis. Gente chegando em estado muito grave, famílias desesperadas, médicos correndo para salvar vidas. Mesmo não sendo da equipe de enfermagem, a gente absorve tudo aquilo. Na hora, a gente foca no trabalho, mas depois… aquilo fica na mente. Hoje em dia, sinto que isso me deixou marcas. Tenho insônia, crises de ansiedade, e às vezes até pesadelos com situações que vivi lá dentro”, conta.
Além do impacto no ambiente de trabalho, o estresse repercute na vida pessoal de quem atua na área da saúde. Dificuldades para dormir, alterações no humor e desgaste nos relacionamentos são alguns dos efeitos percebidos por familiares. Manoel Cruz, 48 anos, companheiro de Terezinha há mais de duas décadas, lembra como a rotina profissional dela influenciava o dia a dia da família. “Estamos juntos há mais de 20 anos, e foi nesse período em que ela trabalhou no hospital que percebi o quanto aquela pressão toda pesava sobre ela. Ela chegava em casa sempre muito cansada, mais quieta, às vezes preocupada. Acordei muitas madrugadas com ela passando mal ou com dificuldade pra dormir. Era difícil vê-la assim, sem saber muito como ajudar.”
Leandro Cunha aponta que o cenário poderia ser amenizado com ações mais consistentes por parte das instituições hospitalares. “É fundamental que os hospitais implementem políticas de cuidado com a saúde mental, com programas contínuos de acolhimento e prevenção. Não basta oferecer um psicólogo para situações de crise, é preciso construir uma cultura organizacional que valorize o bem-estar”, afirma.
Para ele, medidas como rodas de conversa, acolhimento em grupo, acompanhamento psicológico frequente e treinamentos em inteligência emocional fazem parte de um conjunto de ações que deveriam ser rotina em qualquer hospital. “A saúde mental não pode ser tratada como algo secundário. Ela é parte essencial da qualidade do atendimento e da segurança de todos no ambiente hospitalar.”