Universitários lutam para manter a saúde mental diante da rotina intensa

A Lei do Estágio pode garantir alguns direitos, mas ainda há desafios para a proteção à saúde mental dos estagiários.

Eduarda Carvalho

Postado em 24/04/2025

A vida universitária já é, por si só, um desafio considerável para os estudantes, mas quando somada ao estágio, a rotina pode se tornar exaustiva e prejudicial à saúde mental. A necessidade de conciliar estudos, trabalho e, muitas vezes, responsabilidades pessoais, gera um cenário de sobrecarga que pode resultar em esgotamento físico e emocional.

A cobrança por bom desempenho acadêmico, os prazos apertados e a necessidade de preparação para o mercado de trabalho exigem dedicação e organização. Somadas às horas de deslocamento e outras atividades diárias, essas demandas resultam em uma rotina exaustiva, que pode desencadear sintomas como ansiedade, estresse e cansaço extremo.

De acordo com a Associação Brasileira de Estágios (ABRES), o Censo da Educação Superior de 2023 revelou um aumento de 5,64% no total de graduandos em comparação ao ano anterior, atingindo 9.976.782 estudantes. Desses 9.976.782 alunos, apenas 836 mil (8,38%) têm a chance de aplicar na prática os conhecimentos adquiridos em sala de aula.

Em 2024, uma pesquisa realizada pela Companhia de Estágios identificou que 10% dos estagiários brasileiros passaram por dificuldades emocionais ligadas ao ambiente de trabalho. Dentre esses casos, 35% resultaram em afastamento das atividades, com a maioria optando por pedir demissão, o que evidencia como questões emocionais podem comprometer diretamente a experiência do estágio.

Os principais desafios

A sobrecarga horária é um dos principais obstáculos enfrentados pelos estagiários. O acúmulo de tarefas acadêmicas e profissionais reduz significativamente o tempo disponível para descanso e lazer, resultando em fadiga extrema. Além disso, a incerteza sobre o futuro profissional e a necessidade de manter um bom desempenho tanto na universidade quanto no estágio agravam o estado emocional dos estudantes.

“É uma rotina puxada, eu acordo cedo para ir para a faculdade, e chego tarde em casa por causa do trabalho. Meu maior desafio é não saber o que colocar como prioridade, se eu priorizo a faculdade ou o trabalho”, relata Marcelo Fernandes, de 20 anos, estudante de jornalismo e estagiário com carga horária de 6 horas por dia.

Após um dia de trabalho e estudos, o estudante encara o trajeto de volta no transporte público. O tempo de deslocamento, muitas vezes longo, amplia ainda mais a carga horária e contribui para o desgaste físico e mental desses jovens. Foto: Eduarda Carvalho

Outro fator preocupante é a falta de tempo para autocuidado. Com uma agenda lotada, os estudantes frequentemente negligenciam hábitos saudáveis, como uma alimentação equilibrada, a prática de atividades físicas e o sono adequado.

A longo prazo, essa negligência pode desencadear problemas mais graves, como insônia, depressão e distúrbios alimentares. “Eu sinto que fico mais ansioso e distraído, não consigo dormir direito pensando no que tenho que fazer, e acabo me distraindo mais”, afirma Marcelo.

Os primeiros sinais de sobrecarga aparecem com a ansiedade, que surge da necessidade de dar conta de tudo ao mesmo tempo. “Você fica ansioso, uma ânsia de como será o dia de amanhã”, explica Claudia Brazil, psicanalista clínica. 

Esse estado constante de alerta pode levar à insônia, prejudicando o descanso e, consequentemente, a produtividade diária. “Quando você está com problema de insônia, você não dorme direito, e não consegue dar conta do seu dia. Como consequência, vem o esquecimento, a falta de concentração e a improdutividade”, acrescenta Claudia.

Cobrança e autoestima

A cobrança constante por um desempenho impecável também é um fator que pesa na rotina. “Tem dias que bate um cansaço mental forte, aquela sensação de estar sobrecarregada com tanta coisa pra fazer. Às vezes, fico estressada tentando conciliar tudo e acabo me cobrando demais”, comenta Maria Clara Matos, estudante universitária de farmácia na Universidade de Brasília.

Claudia Brazil ressalta que, atualmente, o jovem universitário é muito cobrado pela sociedade. “Se ele faz faculdade, a sociedade já exige que esse jovem, de certa forma, comece a ganhar o seu dinheiro. Essa cobrança é intrínseca, digamos assim, não é uma cobrança escrachada, mas ela é inconsciente da sociedade em relação a você estar evoluindo, você estar crescendo financeiramente”, declara a psicanalista.

A intensa rotina acadêmica e profissional também impacta diretamente a autoestima dos estudantes. “Conciliar trabalho, faculdade e vida pessoal é difícil, quando as coisas não saem como eu planejo, acabo me questionando se estou fazendo o suficiente”, reflete Maria Clara.

Além da autoestima, a culpa também é um sentimento recorrente entre os estudantes que enfrentam uma dupla jornada. “Às vezes sinto culpa quando tiro um tempo para mim, principalmente porque a rotina é bem intensa e sempre parece que há algo que preciso fazer. Mas, com o tempo, aprendi que é necessário dar esse espaço para descansar e recuperar as energias”, afirma Maria Clara.

Entre estágio e estudos, os jovens buscam criar uma rotina organizada para dar conta das demandas sem perder o equilíbrio. A pressão constante e a autossabotagem afetam a autoestima, enquanto eles precisam lidar com a alta cobrança do dia a dia. Foto: Eduarda Carvalho

Direitos garantidos

A Lei do Estágio (Lei nº 11.788/2008) estabelece diretrizes para garantir que o estágio seja uma experiência de aprendizado, e não apenas uma forma de exploração da mão de obra estudantil. 

Segundo Jaqueline Schneid, advogada especialista em Direito do Trabalho, a legislação garante aos estagiários direitos como carga horária máxima de 6 horas diárias, recesso remunerado após um ano e bolsa com auxílio-transporte em estágios não obrigatórios. Além disso, exige a formalização do estágio por meio de um termo de compromisso, assegurando supervisão adequada.

No entanto, há situações em que as empresas extrapolam os limites estabelecidos pela legislação, impondo aos estagiários cargas horárias excessivas ou funções incompatíveis com sua formação. Nestes casos, “a empresa pode ser responsabilizada judicialmente, pois o estágio deixa de ter caráter educativo e passa a configurar uma relação de emprego disfarçada”, explica Schneid. 

Embora a Lei do Estágio não mencione expressamente a proteção à saúde mental, Jaqueline destaca que esse aspecto está implícito em alguns dispositivos, “Como a limitação da jornada e a obrigatoriedade de manter as atividades compatíveis com a formação educacional”. Além disso, a supervisão do estágio deve garantir que o estudante não enfrente condições abusivas que possam comprometer seu bem-estar.

Quando há conflitos entre estagiário e empresa, como descumprimento da carga horária, o primeiro passo é comunicar a instituição de ensino, que pode intervir diretamente ou até recomendar o encerramento do estágio. Caso o problema persista, Schneid orienta que o estagiário “registre denúncia no Ministério Público do Trabalho ou busque orientação jurídica”. Em situações mais graves, ele pode recorrer ao Judiciário para buscar reparação.

Embora a Lei do Estágio tenha representado um avanço importante na proteção dos estudantes, ainda há desafios a serem superados. A advogada ressalta que há lacunas, “especialmente em relação à saúde mental, à fiscalização efetiva das condições de estágio e à segurança jurídica dos estagiários”. Por fim, ela reforça que “o estágio deve ser uma ponte para o aprendizado, e não um fator de adoecimento”.