Resistência social e luta por identidade cultural no Mercado Sul
Coletivos culturais de Taguatinga enfrentam os impactos da especulação imobiliária e a demora na regularização fundiária para manter viva a memória e a história da comunidade.
Postado em 19/05/2025
O Mercado Sul, localizado em Taguatinga, se tornou um símbolo de resistência cultural. Moradores e artistas locais enfrentam a pressão da especulação imobiliária e a burocracia para conseguirem a regularização da área.
Desde a ocupação, há mais de uma década, o espaço se transformou em um centro de atividades culturais, com artistas e coletivos. Ali, a música, a arte, o teatro, a culinária e as tradições locais se entrelaçam, formando um núcleo cultural único. Para as pessoas que moram lá, o espaço é uma extensão de suas próprias histórias e lutas.
A especulação imobiliária tem sido um dos maiores desafios. “Estamos em uma região valorizada e isso tem trazido um aumento nas pressões para que a área seja desocupada”, explica Raquel Trix, artista de grafite de rua e residente do Mercado Sul. “A especulação tenta apagar nossa identidade, nosso legado. Somos vistos apenas como um empecilho no caminho do ‘progresso’, sem que se reconheça o valor cultural e histórico do Mercado Sul”, complementa.
Além disso, a morosidade nos processos de regularização fundiária tem dificultado a formalização das atividades culturais e o acesso a benefícios para os artistas. Segundo especialistas, a falta de um reconhecimento oficial do espaço dificulta o acesso à políticas públicas de fomento cultural e de proteção ao patrimônio cultural imaterial.
A disputa por território e identidade
“Essa ocupação é, para nós, uma forma de resistência. A nossa cultura não pode ser esquecida ou apagada por causa do mercado imobiliário”, diz Carlo Dilan, artista da cena Hip Hop e residente do Mercado Sul. Ele acredita que a luta pela preservação do Mercado Sul é também uma luta pela visibilidade e pelo reconhecimento de um modo de vida que, em muitos aspectos, desafia o modelo dominante de cidade.
No Mercado Sul, a resistência cultural se traduz em práticas artísticas e na construção de uma memória coletiva que resiste ao apagamento. “O Mercado Sul é um ponto de afirmação de identidade. A arte que produzimos aqui não é apenas para quem nos visita, mas para nós mesmos, como uma afirmação de que pertencemos a esse lugar e que nossa história precisa ser preservada”, afirma Beatriz Amaral, conhecida como cigana mística, artista de circo de rua, ocupadora do mercado sul e integrante do coletivo RIA.
A além disso, a artista faz parte de um movimento que promove exposições de arte no espaço, demarcando a diversidade cultural da região. “Nosso trabalho se insere em um contexto de resistência à invisibilidade. Estamos aqui para reafirmar que a arte da periferia tem valor, que nossa cultura tem valor”, completa Cigana.
Apesar dos obstáculos, o Mercado Sul tem se mantido resiliente. A luta dos coletivos culturais é inspiradora, mas exige o apoio de políticas públicas mais eficazes. “O governo precisa entender que as ocupações culturais não são apenas espaços de resistência, mas também locais de formação de identidade, de produção cultural e de fortalecimento da comunidade”, afirma Carla Tapudima, artista de rua e indígena em processo de retomada.
A ação dos moradores e artistas do Mercado Sul também chama a atenção de especialistas que defendem uma mudança na abordagem da urbanização das cidades. “Precisamos repensar o modelo de cidade que estamos construindo. Não podemos tratar as comunidades culturais e as periferias como obstáculos, mas como elementos fundamentais para a construção da memória urbana”, explica o arquiteto e urbanista formado pela Universidade de Brasília (UnB), Pedro Carlos de Araújo.