A segurança das mulheres nos transportes públicos
Estudos realizados pelo Instituto Patrícia Galvão apontam que cerca de 81% das mulheres já sofreram assédio no caminho para casa
Postado em 09/12/2021
As mulheres sempre foram vítimas diretas de violência urbana. Com toques, olhares e palavras indesejadas, as simples tarefas de pegar um ônibus ou de ir para casa andando se tornaram um desafio.
Para a estudante Camila Itacaramby, as relações sociais de poder entre homens e mulheres costumam levar à sexualização dos corpos femininos. Para ela, a construção do que é “masculinidade” e como os homens devem constantemente reafirmá-la cria uma espécie de sensação de que o homem precisa mostrar virilidade.
A pesquisa “Percepções sobre segurança das mulheres nos deslocamentos pela cidade”, realizada pelos institutos Locomotiva e Patrícia Galvão, com apoio da ONU Mulheres e Uber, revela uma sensação de insegurança durante os deslocamentos urbanos. Apenas 16% das mulheres que circulam pela cidade utilizando as mais diversas modalidades de transporte sentem-se plenamente seguras.
Entre os grupos avaliados na pesquisa, as mulheres são percebidas como mais vulneráveis a sofrer violência quando estão se deslocando: na avaliação de 72% dos entrevistados (sendo 77% das mulheres e 66% dos homens). E, de fato, as mulheres também declaram sentirem mais insegurança em seus deslocamentos pela cidade em comparação com os homens.
‘‘Acabou sendo naturalizado, acho que todo mundo que tem costume de andar de transporte público já presenciou ou foi a vítima. Tem gente que finge que não vê, e assim, as mulheres acabam se calando. O melhor seria se tivesse uma consciência geral’’, comenta a professora de direito político, Patrícia Tuma Bertolin.
Além disso, Bertolin ressalta a falta de educação de gênero que acarreta em pouca preocupação e uma falta de interesse em proteger essas mulheres. “A gente acaba reproduzindo certos estereótipos, quando a gente tem um filho e uma filha e cria eles de formas diferentes, lá na frente vai ter um preço a ser pago’’.
Com a frequente ocorrência desse tipo de violência, o governo federal sancionou a Lei 13718, de Importunação Sexual. Qualquer toque íntimo sem o consentimento, ameaça sexual ou constrangimento se enquadra na lei.
““Esse foi um grande avanço, quando eu era mais nova, esse tipo de ação era algo que a gente tinha que achar ‘’normal’’ e simplesmente ignorar. Muitas vezes por medo e outras por puro nojo’’, comenta Luciene Sales.
Linha do tempo – Leis que punem a violência contra a mulher no Brasil:
1985 – Primeira Delegacia da Mulher
Reivindicações de organizações em defesa da igualdade de direitos e reclamações sobre o atendimento prestado em delegacias comuns, onde as vítimas geralmente eram ouvidas por homens, motivaram a criação da primeira Delegacia de Defesa da Mulher, em São Paulo.
1988 – Constituição Federal iguala os direitos entre homens e mulheres
O artigo 5º estabeleceu que ““Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”, garantindo a igualdade jurídica para ambos os sexos e tirando as mulheres da posição de inferioridade e submissão. A nova Constituição também imputou ao Estado o dever de coibir a violência intrafamiliar.
2001 – Lei do Assédio Sexual (10.224/01)
Acrescentou um artigo (o Art. 216-A) ao Código Penal para definir o crime de assédio sexual como o de “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”.
2005 – O fim do excludente de punibilidade do estuprador (11.160/05)
A Lei 11.160 revogou os incisos VII e VIII do artigo 107 do Código Penal que previa que, se o estuprador casasse com a vítima, não seria responsabilizado pelo crime, já que o casamento restaurava a honra da mulher.
2006 – Lei Maria da Penha (11.340/06)
Marco significativo, criou dispositivos para coibir a violência doméstica e familiar contra as mulheres. Foi uma resposta do judiciário às denúncias da cearence Maria da Penha Maia Fernandes, que ficou paraplégica após sofrer duas tentativas de assassinato praticadas pelo então marido, em 1983.
2009 – Unificação dos tipos penais do estupro e atentado violento ao pudor (12.015/09)
Modificou o artigo 213 do Código Penal e agregou dentro da mesma figura típica as condutas do antigo atentado violento ao pudor com a do estupro, tornando-o mais abrangente. Antes, a definição do crime de estupro previa a conjunção carnal forçada na vagina. Não havia o entendimento, por exemplo, de que sexo oral forçado, sexo anal forçado, eram considerados estupros. Pessoas que não têm vagina, homens cisgênero, travestis e transexuais não se enquadravam na lei.
2009 – Crime contra os costumes passa a ser crime contra a dignidade sexual (12.015/09)
O título VI do Código Penal era denominado crimes contra os costumes, porém a lei 12.015/2009 alterou esse nome, que passou a ser chamado de crimes contra a dignidade sexual.
2013 – Lei do Minuto Seguinte (12.845/13)
Prevê atendimento obrigatório, integral, multidisciplinar e gratuito às pessoas que sofreram violência sexual por hospitais da rede pública de saúde. Para conseguir o atendimento, basta a palavra da vítima, não é necessário apresentar nenhum boletim de ocorrência. O novo protocolo de atendimento também permite que o médico colete e preserve vestígios de provas que podem ser usados nos processos judiciais. É nesse momento também que sai o entendimento do Ministério da Saúde de que vítimas de estupro não precisam apresentar um boletim de ocorrência para fazer um aborto por conta de uma gravidez advinda de um estupro.
2015 – Lei Joanna Maranhão (12.650/15)
Alterou os prazos de prescrição dos crimes de abuso sexual de crianças e adolescentes. A prescrição passou a valer após a vítima completar 18 anos e o prazo para denúncia aumentou para 20 anos.
2015 – Lei do Feminicídio (13.104/15)
Alterou um Decreto-Lei do Código Penal e incluiu que o assassinato de uma mulher cometido por razões da condição de sexo feminino é circunstância qualificadora do crime de homicídio e hediondo. Isso significa que o feminicídio, quando uma mulher é morta pelo fato de ser uma mulher, foi adicionado ao grupo de crimes considerados de extrema gravidade como estupro, latrocínio e genocídio.
2018 – Lei da Importunação sexual (13.718/18)
Além de tornar crime “praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”, também pune a divulgação de cena de estupro, de sexo ou de pornografia, sem o consentimento da vítima, por qualquer meio – inclusive veículos de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática – fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual.
2021 – Lei do stalking e perseguição (14.132/21)
Tipifica no Código Penal a perseguição reiterada, por qualquer meio, como a internet (cyberstalking), que ameaça a integridade física e psicológica de alguém, restringindo a liberdade de ir e vir, perturbando e interferindo na privacidade da vítima – a maioria, mulheres. A nova lei também revoga o crime de perturbação da tranquilidade alheia.
2021 – Lei da violência psicológica contra a mulher (14.188/21)
Passa a ser crime “causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação”. A vítima pode denunciar, independente do lugar em que o crime ocorreu.
Como denunciar?
Qualquer violência contra a mulher pode ser levada para as Deams (Delegacia Especial de Atendimento à Mulher). Além disso, a professora de direito, Patricia Tuma Bertolin recomenda que as mulheres tentem gravar caso se sintam violentadas e avisar imediatamente os motoristas e seguranças dos transportes públicos.