A poesia marginal vive

Em entrevista, Nicolas Behr fala sobre vida e obra do ser poeta

Priscilla Burmann

Postado em 21/06/2022

Nicolas Behr me recebe à porta de sua floricultura, Viveiro Pau Brasília, com um saudoso sorriso de um amigo de longa data.

Me apresenta orgulhoso o seu viveiro, existente desde 1992, repleto de espécies de plantas e, com um sorriso incerto, afirma: “O poeta precisa de um fio terra, precisa se aterrar. Senão ele pira”.

Começamos a entrevista no andar superior da floricultura, em um pequeno escritório, repleto de papéis, livros e um porta retrato de sua amada, Alcina.

Embora dispense apresentações, Nicolas Von Behr, 64, é um poeta brasileiro da geração da poesia marginal (movimento cultural que surgiu na década de setenta e absorveu o grito da arte, silenciado pela ditadura militar).

Citando um verso do poeta alemão, Rilke: “A única pátria do poeta é a infância”, Nicolas começa a entrevista, falando um pouco de sua infância. Nascido em Cuiabá, no Mato Grosso em 1958, o poeta estudou o primário em um internato de padres jesuítas e afirma ter vivido de forma muito livre sua infância em Diamantino, seu sítio arqueológico, cidade repleta de memórias, à qual já lhe rendeu três livros: “É muito interessante como a infância é forte, como marca a nossa vida. Em média a cada 7,8 anos eu publico um livro sobre a infância em Diamantino”.

Nicolas em seu sítio arqueológico, Diamantino – Foto: Arquivo pessoal
“Eu saí do mato para cair na maquete.”

Em 1974 o poeta se muda para Brasília, juntamente com a sua família e enquanto cursa o segundo grau se envolve no movimento estudantil, o qual o proporciona conhecer pessoas politicamente engajadas, adeptas à poesia, literatura, teatro e ao cinema. Nicolas começa então a escrever poesia: “Para ser poeta você precisa de papel, lápis e imaginação.” Publicou vários livrinhos artesanais, feitos no mimeógrafo, que circulavam de mão em mão em bares e cinemas da capital.

Aos 20 anos recém completados, em 1978, no governo Geisel, Nicolas é preso por seu envolvimento no movimento estudantil e por supostamente reproduzir manifestos políticos. Uma vez que o mimeógrafo era uma forma de reprodução, os militares acreditavam que o poeta estaria reproduzindo manifestos políticos juntamente com os seus livros de poesia. Nicolas foi solto sob fiança por ser menor de idade, julgado e absolvido. “Como não acharam o suposto aparelho de central gráfica, me processaram por posse de material pornográfico.”

Produzindo seus livros no mimeógrafo – Foto: Arquivo pessoal

Em 1980 o poeta adentra ao universo da publicidade, trabalha como redator em agência de propaganda e se engaja no movimento ecológico. Em 1982 conhece a sua amada Alcina e se casa em 1986, se torna pai de três.

“Nunca pensei em ser poeta.”

Embora sempre tenha se interessado e gostado de poesia, Nicolas nunca almejou ser poeta. A poesia surgiu naturalmente em sua vida aos 16 anos, inicialmente em temas existenciais, crises mórbidas e conflitos da passagem da adolescência para a idade adulta.

De dia corro com meus medos, à noite passeio com os meus sonhos”.

Nicolas Behr

Sempre com um papel e caneta à disposição, Nicolas utiliza a tecnologia, mas não é adepto da mesma para escrever poesias. “O poeta é um trabalhador braçal da linguagem. Por vezes escrevo um livro em 15 dias, mas fico 5 anos ruminando (antes de publicá-lo). Passo mais tempo reescrevendo do que escrevendo. Faço muita correção, sou obsessivo e compulsivo com o verso.”

Tendo em vista a inspiração, cita a célebre fala do pintor Pablo Picasso “A inspiração existe, mas quando ela chegar tem que te encontrar trabalhando.” Dentre as suas influências, “extraliterárias”, como o próprio afirma, cita letras de músicas de rock, MPB, quadrinhos, vídeo clipes e por fim, a literatura com o seu favorito, Carlos Drummond de Andrade, Gabriel Garcia Márquez, Graciliano Ramos, Adélia Prado…  Atualmente, o poeta afirma que tudo o inspira, desde Brasília a questões existenciais. “Eu não quero ficar me repetindo. Virar cover de si mesmo. Ou você faz uma coisa melhor ou não publica.”

“Eu levei três porradas importantes.”

Embora considere o elogio importante, a porrada é o que o faz caminhar. Aos risos admirados, Nicolas conta que uma vez, enquanto estava no Rio de Janeiro, encontrou o telefone do poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade, na lista telefônica e decidiu ligar: “Eu falei que estava fazendo um livro, chamado o Drummond brasilienses, transpondo a obra dele para Brasília, uma paródia com o José (poema do Drummond). Perguntei:

_ E aí, senhor Carlos, o que o senhor acha disso tudo?

Carlos: _ Deixa a minha poesia em paz. Cuida da sua poesia”.

Logo após, comenta: eufórico: “Brilhante”. A segunda porrada, não menos importante, foi em um debate do curso de letras da UnB. Na saída do auditório, um estudante aproximou-se e afirmou: “Falta poesia na sua poesia”.

E a terceira, veio em formato poesia, com o Manoel de Barros: “Tudo o que pode ser disputado em um campeonato de cuspe a distância, serve para a poesia”.

Em seu Viveiro Pau Brasília – Foto: Priscilla Burmann
“Eu sacrifico a poesia pelo entendimento. O simples é o complexo resolvido.”

Nicolas afirma não ser um poeta que escreve a partir da imaginação, a sua poesia nasce a partir de conversas e vivências e busca ser compreendida por todos. “Minha poesia é muito refém do acontecido.”

Compartilha também que a sua leitura atualmente é mais centrada em romances do que poesia e revela uma frustração por não ser romancista. Dentre suas inúmeras leituras, recomenda conhecer o trabalho da poeta Ana Martins Márquez e do seu amigo, Milton Hatoum.

“Falta uma ferida”

Tendo em vista oficinas de poesia e os atuais cursos de escrita criativa, o poeta acredita que embora tenha técnica e esta seja importante, o que faz a diferença é a entrega, a coragem, a ousadia e a espontaneidade. “O poema é uma encomenda da alma. É do conflito que nasce a poesia. Poesia é impacto. O pior inimigo do escritor é o sucesso.” 


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