Cientista Ivy Garcez fala sobre desvalorização da ciência e da pesquisa no Brasil

A profissional diz não enxergar um futuro próspero para a área por falta de incentivo, reconhecimento e fomento | Créditos de Imagem: Freepik

Isadora Mota

Postado em 14/12/2021

A curiosidade pelo mundo científico acompanha Ivy Garcez desde sua infância. As brincadeiras de desenvolver e descobrir coisas quando criança virou sua profissão anos depois, quando se tornou cientista. Formada em biotecnologia pela Universidade de Brasília (UnB) e mestre em nanotecnologia pela Universidade Swansea, localizada no país de Gales, Reino Unido, Ivy vive uma realidade comum entre os cientistas e pesquisadores brasileiros: a desvalorização, a falta de investimento e o desemprego. 

A negligência com a área é característica do país há algum tempo. De acordo com relatório da revista Pesquisa Fapesp, a onda de cortes em investimentos alcançou porcentagens significativas nos últimos dez anos. De 2012 a 2021 houve uma redução de 84% no orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Nesses anos, a verba destinada para a área foi de R$11,5 bilhões para R$1,8 bilhão. 

Apesar da falta de investimento, o Brasil se mantém como o 13º maior produtor de conhecimento científico no mundo.
Créditos de Imagem: Freepik

O debate sobre a importância da pesquisa e da ciência entrou em destaque com a chegada da pandemia do novo coronavírus. Na busca rápida por formas de diminuir o contágio, o número de mortos e pela descoberta da vacina, os profissionais cientistas receberam ampla visibilidade. O Brasil não ficou de fora, mostrou força na área quando pesquisadores do país conseguiram, em apenas 48 horas, sequenciar o primeiro genoma do vírus. 

A dúvida que fica é se isso será suficiente para transformar a realidade atual e mudar o destino da área. Em entrevista, a cientista Ivy Garcez respondeu essas perguntas e compartilhou um pouco de sua trajetória no campo científico. 

Qual a sua trajetória na ciência e na pesquisa?

Meu contato com a pesquisa e o laboratório começou já no primeiro semestre de biotecnologia na Universidade de Brasília e, desde então, nunca me desvinculei desse meio. 

Em 2015 tive a oportunidade de apresentar um projeto de inovação na área de nanotecnologia em uma mesa redonda para prospecção de novos projetos. Após o evento, fui convidada a desenvolvê-lo em conjunto com uma empresa. Fiz estágio durante o meu último ano de graduação e, então, fui contratada pela empresa para tocar esse projeto. 

Nesse meio tempo, ministrei por dois anos seguidos palestras no Curso de Capacitação em Nanotecnologia da Anvisa, bem como aulas no programa de pós-graduação em Biotecnologia e Biodiversidade da UnB, e publiquei dois capítulos de livros na editora Elsevier. 

Participei de projetos relacionados à nanotecnologia no cerrado que tiveram reportagem publicada na Revista Fapesp e que foi material de avaliação no Processo de Avaliação Seletiva (PAS) da UnB.

Decidi, então, me especializar mais na minha área de atuação fazendo um curso de mestrado em nanotecnologia no País de Gales, Reino Unido. Atualmente sou sócia de uma empresa de divulgação científica que tem parceria com diversos grupos atuantes em universidades e órgãos públicos.

Como você descreveria a situação da ciência brasileira atualmente? 

A falta de fomento, os constantes cortes nos atuais programas de desenvolvimento científico e a falta de vagas no mercado de trabalho são um grande desencorajamento para aqueles que desejam seguir essa área e para aqueles que já estão dentro e acabam ficando refém de situações precárias de trabalho, bolsas públicas e empregos com salários que não correspondem à qualificação que eles têm. 

Não é incomum ver cientistas que vivem praticamente uma vida toda de bolsa de pesquisa, sem direito a férias, 13º, perspectiva de aposentadoria ou qualquer outro direito trabalhista por não conseguirem emprego no mercado de trabalho. 

Como profissão, você diria que é possível sobreviver do trabalho científico no país?

Não é grande o número de empresas de biotecnologia no Brasil, apesar de que desde 2012, no início da minha graduação, existir a promessa de que essa área vai revolucionar a pesquisa brasileira. E por ter pouca demanda e muita mão de obra especializada o salário, muitas vezes, não corresponde ao esperado pelo profissional, o que gera uma frustração em massa e, de certa forma, um descaso por aquele profissional.

Como é ser uma cientista no Brasil? Qual seu sentimento em relação a isso? 

Para ser cientista, como em qualquer profissão, você deve ser apaixonado pelo  que faz. Os desafios e as “gambiarras” para conseguir desenvolver um projeto são muitas. 

É muito comum a falta de fomento nos laboratórios mesmo de universidades renomadas e, muitas vezes, para conseguir fazer o experimento ou a análise necessária a criatividade precisa ser usada para dar um jeitinho de ajustar aquela condição sem gastar dinheiro, já que não tem. Em algumas situações os alunos e pesquisadores tiram dinheiro do bolso para comprar equipamentos. Isso gera uma revolta, mas por ser algo corriqueiro é aceito. 

Segundo Ivy Garcez, muitas vezes as mulheres não são levadas a sério na área da ciência

Na sua opinião, o que falta para o Brasil se tornar destaque mundial em ciência e pesquisa?

A falta de condição de trabalho atrasa o desenvolvimento da pesquisa brasileira e da formação de profissionais. Sem o desenvolvimento tecnológico e científico como o Brasil vai competir com a pesquisa que está sendo desenvolvida nos países que reconhecem e investem nesse ramo?

Apesar dessas intempéries algumas áreas da ciência brasileira e alguns pesquisadores são reconhecidos e respeitados mundialmente. Capital intelectual e ânsia de pesquisar e inovar nós temos, o que falta é reconhecimento, incentivo e fomento.

O que será da ciência e da pesquisa no Brasil? Consegue enxergar um futuro otimista?

A pesquisa feita no Brasil é de alta qualidade, mas poucos centros de pesquisa conseguem os fundos suficientes para fazer uma pesquisa de excelência. Se todos os centros, universidades e laboratórios recebessem o investimento necessário para trabalhar com toda a sua capacidade, poderíamos ser referência internacional em diversas áreas. Assim que tivermos o incentivo e a possibilidade para tal, teremos um futuro de desenvolvimento. No momento atual, não consigo enxergar um futuro próspero.