“Devemos fazer do Ensino Médio uma preparação para a vida”

Em busca de um novo modelo de educação para esta etapa da educação básica, Maryna Paiva desenvolveu um projeto de educação humanizada, o Projeto Távola

Vítor Bueno

Postado em 19/11/2021

Desde pequena, o sonho de Maryna Paiva era ser professora. Estimulada desde a infância a fazer a conta do troco do supermercado e tendo como hobbie jogar xadrez com seu pai, Maryna entrou no Ensino Médio já decidida a cursar Matemática. Nerd declarada, ela era a aluna que sentava na primeira fileira, tirava notas excelentes e atribuía isso ao esforço e interesse que tinha pelos estudos. Aprovada no vestibular antes mesmo de concluir o Ensino Médio, aos 16 anos, achava que todas as pessoas deveriam seguir seu exemplo. 

Mas foi depois de formada, com 20 anos de idade e experiências em ensinar alunos nas monitorias e em seu primeiro emprego como professora titular no Ensino Médio, que viu que o mundo não era só aquela caixinha em que ela vivia. Hoje, com 31 anos, apaixonada por ensinar adolescentes, Maryna busca trazer uma outra opção de ensino para jovens. Uma educação mais humanizada onde não será priorizado o esquema hierárquico de professor para aluno e nem o método de decorar para a prova, mas sim, uma educação que transmita conhecimentos para a vida. 

Maryna Paiva é educadora e mentora do Projeto Távola – Foto: Phelipe Santos

Conheça um pouco mais sobre o projeto da educadora Maryna Paiva, intitulado Projeto Távola, e sua visão sobre a implementação do novo Ensino Médio, que será posto em prática a partir de 2022 nas escolas públicas e particulares de todo o país. 

O que te motivou a criar o Projeto Távola?

O “start” veio quando eu estava assistindo a um vídeo no Youtube que falava da Escola da Ponte, que fica em Portugal e tem uma metodologia mais humanizada. Ela é para o Ensino Infantil e Ensino Fundamental 1. Quando a gente vê a proposta, pensa: “não vai dar certo” porque lá todas as crianças, de todas as idades, interagem entre si, eles têm roteiros de estudos e os tutores vão auxiliando o crescimento cognitivo de cada um. Eu pensei: “Nossa Senhora, que loucura. Se isso existisse no Ensino Médio iria ser muito incrível”. Nesse vídeo, a pessoa foi lá, visitou e falou “ah, estou fazendo isso só para gente ver que existem outras opções”. Essa frase me marcou porque, quando a gente olha para as escolas em Brasília, pode mudar o público, pode mudar a classe econômica, mas a estrutura não. Isso começou a me incomodar muito e eu comecei a pensar em como eu planejaria, estruturaria uma escola num formato de Escola da Ponte a nível de Ensino Médio, que é a minha paixão e foi onde eu sempre trabalhei. Eu refleti o quanto as coisas podem ser ensinadas de outra maneira e comecei a planejar metodologias diferentes de ensino. Um dos fundadores da Escola da Ponte se chama José Pacheco. Ele morava em Brasília, em 2018, e dava muitas palestras. Comecei a ir a todas as palestras que pude. Eram pequenos conhecimentos que eu ia assimilando e estruturando. E essa ideia do que seria eu chamei de Projeto Távola. A inspiração veio da Távola Redonda do Rei Arthur, que era uma mesa em que não existe ponta, então todos eram iguais, não importa se você é um soldado, um general, mas todos ali eram “iguais” e todos conseguiam ver, ouvir e falar para os demais. Eu comecei como um projeto, mas já com tudo estruturado como se fosse uma escola, com tudo integrado. 

Como foi a aceitação das escolas quando você apresentou o projeto?

Para as escolas particulares, infelizmente, o mais importante é o capital. Quando pensava nesse sentido, nunca tinha muito estímulo para conversar com algum gestor de escola. Uma coisa que escuto muito nas escolas é: “o que traz alunos e dinheiro é a aprovação em vestibulares”. Eu não vejo o Projeto Távola como um grande formador de aprovados, eu o vejo como uma estrutura que constrói e projeta para a vida. Eu vi muita receptividade e olhos brilhando em dois públicos: os alunos, quando escutavam a respeito do Projeto, se sentiam mais compreendidos, e as pessoas, de outras áreas, mais ou menos da minha idade, que não estavam relacionadas à escola. 

Como foi colocar em prática o Projeto Távola?

Eu comecei fazendo dois formulários e distribuindo para várias pessoas. Era um para quem estava no Ensino Médio e outro para quem já tinha concluído. Quando vi as respostas, percebi um padrão: as pessoas que já tinham se formado há algum tempo tinham uma linha de raciocínio e as pessoas que estavam no Ensino Médio tinham outra, mas muitas coisas coincidiam. Enquanto alguns alunos que ainda estavam no Ensino Médio responderam que não deveriam estudar um determinado assunto, as que já estavam formadas tinham respostas mais consolidadas no mundo adulto, e essa era a minha proposta.  O que eu realmente acredito é que devemos fazer do Ensino Médio uma preparação para a vida e não jogar um “toma aí um logaritmo para você e você decora como faz”. Começou a me magoar o fato de eu estar trabalhando em uma escola particular e ter que fazer uma prova, classificar um aluno por um tipo de inteligência específica, o que não é justo, já que temos inteligências múltiplas. Com base nas respostas desses questionários, eu estruturei um projeto de quatro cursos que trabalham assuntos que foram agrupados por conexão entre si ou que poderiam ser mais aplicáveis. No ano passado, eu fiz a minha primeira experiência depois de postergar muito por causa da pandemia. Fui selecionada para um projeto de co-orientação, de pessoas que escutam projetos, orientam e dão ideias. No final, a gente tinha que produzir algo, e isso foi muito importante para eu ter esse “start”. Pensei em uma estrutura de curso e convidei alguns alunos de quem eu era professora ano passado para participar da minha primeira turma, que dei o nome de “Turma Embrião”. Convidei, também, amigos de áreas diferentes. A ideia era trabalhar 10 temas, cada um em uma semana, e fazer atividades, trazendo aplicabilidade e aprendizados não só para o Ensino Médio, mas para a vida. Entre os temas abordados estavam Educação Financeira, Educação Sexual, Educação Ambiental, Mundo do Trabalho e Noção de Direito. Convidei pessoas das áreas para montar as aulas comigo, além de estruturar e pensar nas atividades. Fui muito bem amparada pelos que me ajudaram a construir essa primeira turma. As aulas eram dadas virtualmente e contavam com a participação de quem me ajudou a montar, para responder às perguntas. Eu fiz essa primeira turma e fiquei muito feliz com o resultado. Os jovens que foram até o final ficaram superfelizes. Assim, cheguei ao meu objetivo e pensei “é isso que eu quero”. 

Dos quatro cursos idealizados, Maryna colocou em prática a Turma Embrião, em 2020, desenvolvendo aulas de Educação Financeira e Educação Sexual, por exemplo – Foto: Arquivo Pessoal

Como está adaptando o projeto para se enquadrar na proposta do novo Ensino Médio?

Com a parte dos Itinerários Formativos, vi uma grande chance de desenvolver a Távola, porque a ideia do Itinerário é você abordar uma área de conhecimento. No final do ano passado, comecei a pegar os temas da Turma Embrião, li a BNCC [Base Nacional Comum Curricular] e comecei a classificar as competências e habilidades abordadas nesse curso. Acrescentei quatro temas que encaixavam e fiz uma estrutura que poderia ser aplicada tanto uma vez por semana em 50 minutos, quanto duas vezes por semana, tanto para a Turma Embrião, quanto para os outros três cursos que desenvolvi inicialmente. Em junho, por conta da obrigatoriedade do novo Ensino Médio a partir de 2022, comecei a ligar para as escolas, só que a maioria não tem interesse em contratar alguém de fora, pois geraria dois problemas. Com a reforma, a grade comum que estávamos acostumados vai mudar, ou vai gerar uma grande demissão de professores, o que as escolas não querem, ou os professores vão ter que se adaptar para atender os Itinerários. Na minha opinião, não é isto que deveria ser feito. Todas as escolas em que fui elogiaram a disposição e a estrutura do projeto, mas não poderiam me contratar. 

Por que é tão importante que essa mudança aconteça no Ensino Médio?

Na verdade, eu acho que a proposta é muito linda, mas ela vai demorar muito tempo para acontecer do jeito que ela realmente deve ser. A proposta é tudo ser integrado, mais ou menos como eu pensei para a Távola, há alguns anos. Por áreas de conhecimentos, como o que o Enem estruturou em 2009 e traz até hoje, mas as escolas ainda não vão fazer isso. Até porque, precisaria de uma transformação em toda a educação, principalmente, na parte do Ensino Superior. Vai ser necessário formar, por exemplo, um professor de história capacitado a dar aulas de geografia, sociologia e filosofia também. Seria uma reforma em toda a universidade, no que é estudado e na interação com outras áreas. Vai ser uma oportunidade de ter contato com outras áreas. Quando entrei na escola, tinha a cabeça muito fechada, já tinha certeza de que exatas era a minha área. Hoje, falo que sou a pessoa de exatas mais humanas que conheço, que eu queria ser muito mais de humanas do que de exatas. E se, talvez, eu tivesse tido um Projeto de Vida na escola, poderia ter despertado outras habilidades e competências em mim. O novo Ensino Médio vai trazer essa reflexão para os alunos. Dependendo de quem vai conduzir, essa oportunidade vai ser muito rica. 

Nem toda mudança já começa perfeita e traz resultados imediatos, além do fato de mudanças assustarem. Pensando nisso, o que você diria para os pais e alunos que vão pegar esse novo modelo a partir do ano que vem? 

O que eu orientaria aos pais é sobre a importância de se pesquisar. Por agora, cada escola vai oferecer o Itinerário que puder. Nem todas as escolas vão ser obrigadas a oferecer todos os Itinerários. Se eu fosse mãe de um filho prestes a entrar no Ensino Médio, iria pesquisar muito as opções que cada escola tem a oferecer para eu conhecer as possibilidades. Não é só mais biologia, física, português e matemática. Quando era isso, eu poderia matricular meu filho em qualquer escola, ele poderia ser dedicado ou não, poderia aprender ou não, ele iria passar. Mas agora as oportunidades são outras. Outra dica é não criar muita expectativa por agora porque as escolas vão tatear. Todo mundo vai tentar entender como fazer, por ser uma coisa nova. Para um aluno, diria para aproveitar as oportunidades e testar áreas diferentes durante o Ensino Médio.

O Projeto Távola é uma estrutura que constrói e projeta para a vida – Foto: Phelipe Santos