A fé está acima do preconceito

Religiões de matriz africana são alvo da maioria dos crimes de intolerância, apesar de todas as medidas para
combater esse crime

Yasmim Valois

Postado em 23/06/2022

As religiões de matriz africana são um símbolo de resistência e de representatividade da cultura negra e além disso são as raízes de diversos costumes presentes na vida de várias pessoas por meio do sincretismo. Vários elementos da dança e da música, como o samba, são originários dessa cultura, porém apesar da sua importância e da sua presença em diversos momentos do cotidiano, essas religiões têm um histórico de inferiorização no Brasil, o que é razão de luta até os dias de hoje. 

No Distrito Federal, a presença de centros vem aumentando cada vez mais. Hoje existem mais de 300 centros de religiões de matriz africana por toda a capital segundo o projeto de mapeamento feito pela Universidade de Brasília em 2018, mesmo com todo o preconceito que ainda é permeado hoje em dia. 

Segundo a delegada-chefe da Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou por Orientação Sexual ou Contra a Pessoa Idosa ou com Deficiência (Decrin), Ângela Maria dos Santos, a religião que mais sofrem com maior a intolerância são as religiões de matriz africana.

Realidade

Infelizmente, tal crença que é símbolo de representatividade da cultura negra ainda é alvo de muita discriminação. Os dirigentes desses centros e seguidores dessas religiões têm um papel essencial na popularização da religião, o que é importante e ao mesmo tempo difícil por conta das situações que são submetidos devido ao preconceito da sociedade. A fé dessas pessoas está acima de todo o preconceito sofrido diariamente por elas, sua devoção e paixão pela sua crença é admirável. 

A trajetória de Elisabeth Alves, 61 anos, mais conhecida como Mãe Beth, iniciou na infância e permeia até hoje. Hoje, Mãe Beth é uma das diretoras de cultura da Federação de Umbanda e Candomblé de Brasília.  “Eu tenho 61 anos, mas a umbanda é a minha tradição desde os 5 anos de idade. Já sofri muito com ofensas de cunho intolerante, até de pessoas da minha própria família, por conta da ignorância e da falta de estudo de pessoas que não procuram estudar sobre esses temas para entender eles melhor”, conta a Ialorixá. 

Mãe Beth acrescenta que os intolerantes criam vários rótulos para a religião, além de associá-la à figura do “demônio” criada pelo cristianismo. “”A gente vem nessa luta há muitos anos, ela está sendo eterna. Eu não vejo diferença entre católicos, evangélicos, umbandistas, todos nós somos seres humanos. Sempre colocamos o amor, a caridade, a espiritualidade, à frente de qualquer rótulo”, acrescenta. 

O praticante, e também professor de história,  João Jambeiro, esclarece que a intolerância está instaurada desde o princípio no Brasil, e a escravidão foi um dos principais fatores para que isso acontecesse, porque através dela a cultura afro-brasileira e as religiões de matriz africana eram inferiorizarizadas, justamente por isso as religiões vindas do povo preto por muitas vezes não são toleradas pela sociedade.

“Na teoria tudo funciona, mas na prática a história é bem diferente. A realidade dos seguidores de religiões de matriz africana é muito diferente do que foi definido na teoria, acontecem muitos ataques, depredações a terreiros e a monumentos públicos também”, afirma o professor.

O trabalho da mídia é bem importante, afirma a delegada-chefe da Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou por Orientação Sexual ou Contra a Pessoa Idosa ou com Deficiência (Decrin), Ângela Maria dos Santos. “Interagir com a mídia é uma prática super importante, é um meio bem educativo de partilhar conhecimento.

Além disso, a Delegada esclarece que grande parte dessa discriminação está ligada ao racismo. “Muitas pessoas podem achar que não, mas vivemos em um país muito racista. Foram mais de 300 anos de escravidão, e só temos 134 anos de liberdade, e apesar de tudo os negros não foram incluídos em vários processos e acabaram sendo marginalizados”, esclarece. A formação escravocrata que o Brasil teve, tem uma influência forte nisso tudo, segundo Ângela. 

Dados e assistência 

O Brasil se tornou um país laico em 1890, e dessa forma os brasileiros passaram a ser livres para praticar sua fé. Em 2007, foi criado o dia nacional de combate à intolerância religiosa, que é celebrado no dia 21 de janeiro em alusão à morte da Ialorixá baiana Gildásia dos Santos e Santos, fundadora do terreiro de candomblé Ilê Asé Abassá, mais conhecida por seus filhos por Mãe Gilda. A Ialorixá sofreu perseguições, agressões físicas e verbais e teve seu terreiro invadido e depredado por um grupo de outra religião, após a publicação de uma matéria jornalística que foi intitulada como  “Macumbeiros e Charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes”. Após esses fatos Mãe Gilda teve um infarto fulminante e morreu. 

De acordo com dados da Secretaria da Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF), no primeiro trimestre deste ano, foram registradas quatro ocorrências de discriminação religiosa em todo o DF. Em igual período do ano passado, três. Em todo o ano de 2021, foram 21 casos. Em 2020, houve cinco ocorrências. Já em 2019, foram oito registros dessa natureza criminal.

Além disso, a SSP-DF destaca que em 2016 foi inaugurada a Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou por Orientação Sexual ou Contra a Pessoa Idosa ou com Deficiência (Decrin), que tem uma estrutura adequada e agentes especializados para o atendimento, onde a população pode registrar ocorrências por meio da Delegacia Eletrônica, no site da Polícia Civil. A punição para esse tipo de crime vai de 1 a 3 anos de reclusão.