Ação do Ministério Público questiona pagamento de jogos por meio de micro transações

Procuradores se preocupam com possíveis danos psicológicos ao público infantojuvenil

Khalil Silva

Postado em 03/12/2021

No primeiro semestre deste ano, o Ministério Público acatou um pedido da Ação Civil Pública da Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (ANCED) contra os loot boxes, querendo torná-las oficialmente em jogos de azar. A prática já foi considerada assim por países como Bélgica e Holanda.

Mas o que são os loot boxes? O loot box ou “caixa de saque”, em tradução literal, consiste num recurso adotado pelo mercado digital de jogos, no qual (geralmente) se paga para obter uma caixa de itens, sem direito de escolha, cedidos ao comprador aleatoriamente, variando entre diferentes tipos de “raridade”.

O público infanto-juvenil

Justamente por essa facilidade de acesso, graças ao mobile, os jogos gratuitos cresceram em público de maneira avassaladora. O Garena Free Fire, por exemplo, tem hoje 450 milhões de downloads mundialmente. A empresa inclusive conseguiu licenciar a imagem do astro de futebol Cristiano Ronaldo para dentro do jogo, assim como atualmente também patrocina a seleção brasileira de futebol.

Se é um jogo gratuito, de onde vem esse dinheiro para financiar esse tipo de ação? No loot boxes e micro transações (aqui são chamados de diamantes) todo o dinheiro gasto tentando ganhar itens como roupas, skins, no jogo foi capaz de proporcionar esse alcance a empresa.

O problema é que entre as pessoas que compram esses produtos digitais, muitos são menores de idade, que definitivamente é o grupo que mais anseia por esse tipo de conteúdo.

O menino Kevin Bueno, de apenas 5 anos, viralizou no ano passado num curioso episódio de compra destes diamantes, gastando um total de R$ 271, sem o consentimento da mãe. Como é fácil adquirir esses itens digitais, uma criança desavisada pode comprar até centenas de reais em produtos sem saber o que exatamente está fazendo. Existem também casos como os de Rodrigo e Gustavo (pseudônimos), menores de idade, que investiram dinheiro dos pais nas promessas do loot box.

Rodrigo, 17 anos, investiu cerca de R$ 54 em Riot Points (dinheiro de micro transação do jogo League of Legends). Ele diz que gastou o dinheiro na época porque achou a oferta em conta, mas afirmou que não faria de novo, apesar de se sentir compensado pela compra. Ainda falou como a loot box seria danosa na sua concepção “Na mão de crianças que pegam o cartão da mãe (escondido) e coisas do tipo, que eu acredito que seja bastante prejudicial”.

Gustavo, que tem 16 anos, gastou cerca de R$ 800 no total, se diz satisfeito com a compra e conta que, dependendo da ocasião, faria de novo. Ele ressalta: “Todo dinheiro que eu gastei foi com permissão dos meus pais, quem deixa os seus cartões à disposição do seu filho é muito irresponsável”. Ele acredita que a loot box (no caso do League of Legends) não faz parte da categoria enquadrada pelo MP de jogos de azar, contudo, concorda que itens mais baratos são bem menos justos em premiação que itens mais caros.

Outros tipos

É difícil precisar exatamente quando essa prática começou, mas tudo tende a apontar que logo após a migração da indústria como um todo para utilização da nuvem.

Esse artifício se ramifica em diversos outros tipos de práticas pagas também. Entre elas, os chamados passes de batalha, podem até recompensar sem que o usuário gaste dinheiro, contudo, os itens obtidos não são nem comparáveis a versão paga, que oferece até 3 vezes mais recompensas.

E ainda existem as micro transações, que consistem em comprar moedas especiais dos jogos com dinheiro de verdade, para que assim se alcance o prêmio desejado.

A principal plataforma

Pesquisa do IBGE aponta que 79,1% dos brasileiros usam o celular como principal meio de acesso à internet. Outra pesquisa feita pela Pesquisa Games Brasil, demonstra que 83% das pessoas jogam algum tipo de jogo no celular. Ou seja, a principal plataforma, apesar dos consoles de mesa ainda serem muito populares, se tornou o celular pelo tamanho da sua versatilidade com os aplicativos e seu acesso mais facilitado ao longo dos anos.

Possíveis problemas

Pesquisa promovida pela universidade Plymouth e Wolverhampton do Reino Unido tenta entender se há uma ligação genuína entre os jogos de azar e as loot boxes. A parte mais peculiar, que cabe de destaque é a seguinte: “As caixas de saque são apenas um tipo de ‘empurrão psicológico’, usado para encorajar a compra, trabalhando junto com outras técnicas, como moedas no jogo e o ‘medo de perder’, ofertas por tempo limitado. As entrevistas também destacam que os ativos digitais nas caixas de pilhagem geralmente têm valor real e /ou psicológico. Isso sugere que as caixas de saque podem ser regulamentadas pela legislação de jogos de azar existente”.

Ou seja, existe algo não tangível por trás da compra das loot boxes, assim como também nota a psicóloga Márcia Macedo. “Eu acho que só de ser em forma de videogame isso em si, já é atrativo para a criança, isso até vem como uma espécie de camuflagem, e geralmente é gratuito”. Ela continua acerca do tema psicológico “O videogame em si já desperta uma parte do cérebro que ocasiona um vício parecido do que se tem por drogas por exemplo, onde a criança começa a priorizar a sensação prazerosa o tempo todo, mimetizando o vício com drogas, os jogos de azar geram isso, e isso pode ser gerado na criança e no adolescente? Pode”.

Por fim, ela fala sobre a necessidade da valorização do dinheiro. “A criança e o adolescente não compreendem ainda como a gente adquire as coisas na nossa vida, que requer esforço, isso inclui o dinheiro, que é preciso você trabalhar, (existem coisas que) você precisa priorizar. Como a criança e o adolescente ainda não tem essa noção é preciso que se ensine isso a eles, sobre educação financeira”.

O que o futuro diz?

Pelo que parece pode demorar até as loot boxes sumirem do cotidiano, na verdade a tendência pende para o lado oposto. Segundo pesquisadores da Juniper Research, a estimativa é que a venda das loot boxes aumentem a cada ano, e que pelo menos até 2025 a indústria lucre só com essa prática 20 bilhões de dólares, estimando que apenas 5% da comunidade de jogadores financie esse recurso. Pelo que parece a indústria irá acabar se desdobrando para integrar mais práticas como a loot box, em invés de suprimi-las, deixando os jogos cada vez mais cheios de micro transações.