Caminhos Verdes: o mercado em expansão da Cannabis medicinal no Brasil

O mercado de cannabis medicinal mais que dobrou nas farmácias brasileiras em 2023, ao registrar crescimento de 127% em relação a 2022

Jéssica Sousa

Postado em 13/03/2024

Nas farmácias brasileiras, a comercialização da chamada “cannabis medicinal” registrou um crescimento de 127% em relação ao ano anterior, de acordo com um levantamento realizado pela Associação Brasileira da Indústria de Canabinoides (BRCann). Além disso, as importações individuais de produtos de cannabis autorizadas pela Anvisa cresceram 69% no mesmo ano. O avanço no acesso aos produtos, a disseminação de informações responsáveis, o amadurecimento regulatório e a educação continuada entre profissionais e a população são apontados como os principais motivos para esse crescimento.

Os pacientes que necessitam da cannabis medicinal podem obtê-la por meio de uma receita especial, emitida por um profissional autorizado. Em seguida, é necessário solicitar autorização da Anvisa para importar o produto. A dosagem é determinada pelo médico, e o tempo de duração do frasco varia conforme o tratamento.

Os preços também são variáveis, como explica Emília Santos Giovanini, técnica em farmácia e presidente da Associação Viver Ítalo, uma associação dedicada à cannabis medicinal. Ela destaca que a impossibilidade de cultivo da planta no território nacional afeta os preços, sendo necessário importar dos Estados Unidos, o que encarece o produto. Ela ressalta, no entanto, que cultivar a planta localmente, aproveitando as condições ideais de solo e clima, pode reduzir significativamente o custo do tratamento.

A ativista canábica, que entrou com um processo de habeas corpus para cultivar a planta em casa, compartilha sua experiência com o tratamento da cannabis para seu filho, Ítalo, que está no Transtorno de Espectro Autista (TEA), e para uma sobrinha, que utiliza o óleo de canabidiol (CBD) para tratar dores causadas pela paralisia cerebral. Emília explica que sua atuação na área não foi uma escolha, mas sim uma necessidade derivada da busca por tratamentos alternativos eficazes para seu filho. O processo ganhou notoriedade na mídia e atraiu diversas pessoas que procuravam informações sobre o tratamento. Foi a partir dessas trocas de conhecimento que Emília e seu esposo decidiram fundar o Instituto Terapêutico Viver Ítalo, em Mogi das Cruzes.


O uso terapêutico

Existem três variedades principais da planta cannabis: Cannabis sativa, Cannabis indica e Cannabis ruderalis. Dentre essas, a Cannabis sativa desponta como uma importante fonte de interesse para a medicina, graças às suas propriedades terapêuticas: O CBD, extraído dessa espécie, é a matéria-prima essencial na produção de uma vasta gama de medicamentos com potencial terapêutico, abrangendo condições como transtornos psiquiátricos, câncer, TEA, Parkinson, entre outros. Com a descoberta do sistema endocanabinoide na década de 1960, a planta tem sido objeto de estudo em diversas áreas médicas, revelando-se promissora em diversos tratamentos, no entanto, a obtenção de dados nacionais enfrenta obstáculos, devido à legislação proibicionista do país.

O canabidiol (CBD) é um dos mais de 100 canabinoides presentes na planta, mas com uma particularidade: ele não provoca efeitos psicoativos como o THC. Imagem por Jessica Lorrane

Segundo a Harvard Health Publishing, a comunidade científica ainda está tentando entender completamente o funcionamento do sistema endocanabinoide, mas até o momento sabe-se que ele é fundamental para diversos aspectos do funcionamento corporal, como: aprendizado e memória, processamento emocional, sono, controle de temperatura, controle da dor, respostas inflamatórias e imunes, metabolismo, apetite e digestão. Entre outras funções, ele oferece as condições naturais para que o organismo se favoreça das propriedades terapêuticas da Cannabis no enfrentamento de uma série de doenças.


Apesar da eficácia, há exceções

‘‘Eu acordo, tomo café da manhã, tomo banho e preparo 10 gotinhas de CBD junto com o lítio. Meu dia é bem tranquilo porque parece que a ansiedade morre. Sinto zero, mesmo. Sinto que eu posso fazer qualquer coisa: Apresentar um trabalho, falar com uma pessoa aleatória, e não existe aquele medo.’’ – O depoimento é de Iago Nava, universitário brasiliense diagnosticado com Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) e Transtorno Bipolar, em tratamento com cannabis medicinal. Iago sempre aliou o lítio a outros medicamentos convencionais, mas os efeitos adversos eram muitos, até que migrou para o tratamento alternativo com a cannabis.

Apesar dos resultados positivos, o musicista não considera o CBD um ‘‘santo milagroso’’, porque outros processos influenciam no resultado: ‘‘Eu faço terapia, cuido da minha alimentação, malho. O óleo não atua sozinho”.

Existem diversos desafios e complexidades envolvidos no tratamento com a cannabis. É o que prova Aurora da Silva Pereira, professora de língua portuguesa e revisora de textos em Brasília, que buscava alternativas para aliviar os efeitos colaterais da quimioterapia, mas não encontrou resultados na cannabis: ‘‘Eu tive câncer de mama e o tratamento com a quimioterapia foi muito sofrido para mim. Me fazia muito mal. Eu tinha muita insônia e náusea, principalmente nos dois dias que seguiam à quimioterapia. Eu utilizava óleo e pomada de CBD, mas não adiantou, meus efeitos colaterais eram muito fortes, eu estava refratária ao medicamento,’’ explica.

Aurora não obteve os resultados desejados, mas enfatiza que cada indivíduo e cada condição são únicos, e o que não funcionou para ela pode funcionar para outros: o que não se pode fazer é fechar os olhos para a ciência.