No Nordeste goiano, hotel fazenda se destaca pela preservação do Cerrado

Dentro da Reserva da Biosfera do Cerrado, local atrai aqueles que buscam contato com a vida rural

Vitor Lacerda

Postado em 08/05/2024

A mais ou menos duas horas de Brasília, por volta de uma hora após Formosa (GO) e um pequeno trecho de estrada de terra, encontra-se o Hotel Fazenda Recanto Pedra Grande. A propriedade de 1200 hectares é uma das únicas áreas de cerrado preservadas na região, atraindo aqueles que busca um contato com a vida rural e até ornitólogos e astrologistas. No trajeto de carro até a fazenda, é perceptível esse fato. Após Formosa, com outdoors anunciando produtos agrícolas e concessionárias de máquinas agrícolas na beira da estrada, a vista é tomada, na maior parte do percurso, por plantações infindáveis de cana e soja, que estendem-se além do horizonte. Chegando próximo a fazenda, há um contraste com as propriedades vizinhas com suas culturas intensivas de cana.

A região era ocupada exclusivamente por povos indígenas (Crixás e Tapuias), até 1730, quando houve a primeira expedição a partir de Salvador. As viagens feitas no lombo de burros eram árduas e muitas pessoas foram ficando pelo caminho, decidindo assentar-se. A área onde o Recanto Pedra Grande se encontra foi, a partir do momento em que essa ocupação vinda de Salvador se consolidou, uma concessão real. O responsável por essa concessão decidiu doar parte dessa terra a um de seus escravos. Em 1978, Dejair Carvalho, proprietário atual, comprou a fazenda de um descendente desse escravo.

Origem e importância

Quando Brasília foi construída, com a estimativa de um total de 1 milhão de habitantes, não havia um plano adequado de proteção ambiental que fosse capaz de conter a degradação que a expansão de Brasília e do Distrito Federal provocaram no Cerrado. O Parque Nacional de Brasília, conhecido também como Água Mineral, uma das reservas mais importantes do cerrado brasileiro, é hoje, por exemplo, uma área completamente cercada por áreas depredadas. O próprio parque foi foco de grandes incêndios em 2017 e em 2018 e ainda passou por discussões sobre sua privatização sob o governo de Jair Bolsonaro.

Com a depredação da vegetação nativa no DF e nas redondezas mais imediatas, o nordeste goiano ganhou atenção como a área mais preservada de cerrado, especialmente na região que vai de Formosa até Terra Ronca.

O cerrado brasileiro é o segundo maior bioma da América do Sul, cobrindo 22% do território brasileiro com mais de 11 mil espécies de plantas e mais de 800 de aves, abrigando cerca de um terço das plantas brasileiras.

Nesse processo de expansão agrícola, o Recanto Pedra Grande já foi buscado por produtores de soja e de cana, interessados em comprar ou arrendar as terras. Dejair Carvalho, proprietário, deixou claro que não tinha interesse em tais propostas e comentou com entusiasmo sobre as visitas que a fazenda recebe de pesquisadores da Universidade de Brasília e da Universidade Federal do Goiás, entre eles biólogos e botânicos, que vão à fazenda para realizar estudos. Além de pesquisadores acadêmicos, o local privilegiado ainda atrai ornitólogos e astrofotógrafos, pois, além de contar com uma diversidade enorme de aves na região ainda tem uma vista do céu noturno com poucas interferências, encontrando-se distante de qualquer cidade que pudesse dificultar a visibilidade com suas luzes.

Além da biodiversidade inerente ao próprio local, o Ibama também interessou-se e entrou em contato com a Recanto para realizar periodicamente soltura de animais silvestres apreendidos, justo pela preservação dos habitats. Entre os animais que são soltos na propriedade, a vasta maioria são pássaros e, entre eles, muitos papagaios, tucanos, corujas, canários e outros. Além de pássaros, o Ibama solta cobras e pequenos répteis, animais comumente resgatados de posse ilegal, e outros menos comuns, como tatus e saguis.

Diversificação: fruticultura, criação de gado e turismo

A fazenda ainda conta com uma área destinada à fruticultura e trabalha com criação de gado, tudo feito com o auxílio e orientação da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Entre as frutas cultivadas estão o limão-taiti, a banana, a laranja-lima, a manga palmer e a laranja pocã. Na área onde encontra-se as plantações de frutas optou-se por escolher espécies perenes e preservar árvores antigas e de espécies importantes, como a cagaita, o pé de pequi e a copaíba. Tratando-se do gado, nada foi desmatado em função deles, optando por pastagens naturais.

A ideia do Hotel Fazenda surgiu quando viu-se que havia muitas pessoas que buscavam conhecer o local. Em um primeiro momento, pensou-se em cobrar um ingresso para entrar e conhecer o local mas em seguida, vendo o interesse contínuo, decidiu-se, 20 anos atrás, por construir 10 suítes e assim, nos finais de semana, acolher hóspedes. Dejair afirma: “são pessoas que buscam essa vivência rural, em sua maioria. Temos grupos especiais, pessoas que vêm para observar o céu ou fotografar pássaros, estrangeiros… mas o interesse é pela natureza, pelo silêncio, pelos animais.” Ademais, afirma que não possui planos de expandir as dependências dos hóspedes, buscando propiciar um ambiente tranquilo e acolhedor, e que lhe agrada compartilhar dessa vida rural com os visitantes.