“Dei meus primeiros passos e me senti uma pessoa feliz, que quer dar a volta por cima”
Sobrevivente da Covid-19, Thiago Augusto passou cerca de 20 dias no hospital e precisou amputar parte de sua perna direita por consequência de uma trombose
Postado em 08/12/2021
Com a chegada de um vírus desconhecido, as incertezas se tornaram parte da rotina das pessoas. Foram diversos os aspectos afetados pela pandemia que assolou o mundo, levando em consideração a falta de informações acerca da Covid-19. Muitos precisaram se reinventar, parar de trabalhar, outros redobraram o trabalho para que sobrevivessem ao caos econômico gerado. Além disso, um dos problemas principais foi em torno da instabilidade emocional e psicológica devido ao medo de contrair a doença. E para aqueles que foram infectados, quais as possíveis consequências que poderiam ter que lidar dali em diante.
Thiago Augusto, de 33 anos e residente de Ituiutaba – MG, trabalhava como motorista de ônibus, e pelas necessidades apresentadas no cenário, não pôde cumprir o isolamento social em casa. Sua exposição trabalhando diariamente em contato com diversas pessoas contribuiu para que fosse acometido pela Covid-19. Thiago lutou contra a doença que ocasionou a morte de milhões de pessoas em todo o mundo, e venceu.
No entanto, o motorista foi acometido por uma das principais consequências geradas no organismo pelo vírus. Após sua recuperação, Thiago apresentou um quadro de trombose, doença gerada pela Covid-19, afetando de forma grave cerca de 15% dos pacientes, de acordo com estudo realizado em 2020 pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, o que fez com que perdesse parte de sua perna direita. A consequência deixada o impossibilitou de continuar a exercer a sua profissão e o fez ressignificar e readaptar toda a sua vida.
Como era sua vida antes de contrair a Covid-19?
Antes de ter Covid, eu era uma pessoa muito ativa, gostava de academia, jogar bola, andar de bicicleta, fazer alguns esportes, era uma vida muito tranquila e ativa. Eu trabalhava em uma empresa de ônibus rodoviário há 15 anos, entrei como auxiliar e depois passei a ser motorista. Durante a pandemia continuei trabalhando e até tive que trabalhar em outra cidade, porque a empresa em que eu trabalho teve que colocar somente 50% dos usuários no ônibus. Então foi aumentando a quantidade de ônibus e, consequentemente, de motoristas. E como o setor rodoviário foi uma parte que foi muito prejudicada por causa do coronavírus, eu tive que ir para outra cidade para ajudar a empresa a cumprir com o papel. Então eu não tive o privilégio de cumprir o isolamento em casa.
Como era sua rotina de trabalho durante a pandemia?
A matriz da empresa em que trabalho é em Uberlândia-MG, e Ituiutaba é um ponto de apoio em que trabalho, na cidade em que resido. Eu tive que sair de Ituiutaba para ir para Uberlândia, cerca de 130km de distância. Eu trabalhava das 22h até as 6h da manhã. Era uma viagem de aproximadamente duas horas e meia e era o que eu estava fazendo, fiz durante boa parte da pandemia. Fiquei mais ou menos um ano e dois meses ajudando a empresa em Uberlândia, mas ainda morando em Ituiutaba.
Considerando a sua exposição diária, diante da necessidade de continuar exercendo a sua profissão em um cenário pandêmico, você consegue rastrear de onde seria o possível local de contaminação para o seu acometimento?
Eu acho que 90% de chance de ter sido trabalhando. Porque como eu estava viajando duas horas e meia para poder trabalhar a noite e duas horas e meia na manhã, para ir para a minha cidade, e os ônibus estavam começando a liberar maior capacidade de lotação, era uma movimentação muito grande. Lá em Uberlândia eu fazia o serviço de motorista para empresas, coletava o pessoal nas cidades e levava para a empresa. Então eu creio que,, sim, eu contraí a doença ou no trajeto ou no dia a dia do trabalho.
Como foi o processo, partindo de quando começou a sentir os primeiros sintomas da Covid-19, até o momento em que precisou realizar o procedimento de amputação?
Eu senti meu corpo diferente, veio a tosse, o cansaço e aí eu procurei uma Unidade de Saúde na minha cidade e fiz o teste de Covid, deu positivo. Como já havia cerca de quatro dias de sintomas, eles me afastaram do serviço por dez dias. Chegando no final desses dias, quando eu estava melhorando e me preparando para voltar a trabalhar, eu senti que eu estava diferente e tinha piorado. Eu procurei de novo o centro de Covid e eles me deram mais cinco dias para ficar em isolamento. Dois dias depois, eu acordei à noite assustado, com falta de ar e com a cabeça muito ruim, perdi a noção de onde eu estava, minha saturação chegou a 82/83. Então corremos para o hospital, chegando lá eu fiquei no oxigênio. No outro dia eu dei uma melhorada e o médico me deu um encaminhamento para ver como estavam meus pulmões, quando constatou que estava com 60% dos meus pulmões comprometidos. De imediato já me internaram. Eu fiquei quatro dias internado no hospital recebendo anticoagulante e todas as medicações. Passando esses dias, me deram alta, me passaram algumas medicações e eu fui para casa. Após dois dias, eu acordei de madrugada com meu pé gelado e com muita dor, eu levantei e fui para a sala da minha casa e senti que a situação já estava ficando grave. Retornei ao médico, e chegando lá foi constatado que estava com sintomas de trombose. Assim, me encaminharam para Uberlândia, onde tinha um apoio mais especializado. Chegando lá eu passei por um procedimento cirúrgico, que não deu certo. Na minha perna coagulou muito sangue, e as veias do meu pé entupiram, e quando isso aconteceu comecei a sentir bastante dor. Fui encaminhado para outra cirurgia e depois disso eu passei por mais quatro cirurgias, até que veio a amputação. A cirurgia que eles fizeram com a minha perna foi um sucesso, mas a minha perna já havia começado a “trombosar”, por causa do tempo. Então quando eles foram amputar, eles tentaram primeiro os meus dedos porque a perna já tinha voltado a circulação, mas eles viram que o meu pé estava bastante infeccionado, e a infecção estava subindo. No dia seguinte eles entraram em contato comigo e falaram que iam ter que fazer uma amputação um pouco mais acima, abaixo do joelho. E tinha que ser às pressas, pois se demorasse eles teriam que amputar mais acima do joelho. Eu concordei porque estava sentindo muita dor e a partir daí foi feita a amputação.
Todo esse processo durou cinco dias internados, dois dias de alta e mais 20 dias no hospital, passando por seis cirurgias. Foram cerca de 15 dias desde o momento do diagnóstico até o momento da amputação.
Considerando a sua juventude, sua rotina e o seu trabalho que demandava de sua mobilidade, qual foi o seu sentimento ao deparar-se nesta situação?
Quando estava no hospital, eu estava sentindo uma dor incalculável, e o que eu mais queria era parar de sentir essa dor. Como já tinha consciência que precisaria fazer a amputação dos dedos do meu pé, quando chegaram e relataram que amputariam mais acima, eu já estava concordando por causa da dor. Só que veio o lado que eu já sabia que não seria fácil, a questão de praticar esportes, trabalhar, que é uma coisa que eu sempre gostei, e o meu lazer, a questão de fazer outras coisas que eu gostava de fazer. Para mim foi difícil, até hoje eu sinto muita falta das minhas horas de lazer, do meu trabalho e compromissos que gostava. Mas eu tive pessoas do meu lado para me dar muito apoio, e acho que a gente vai buscando forças para poder continuar e quem sabe futuramente ser exemplo para poder ajudar outras pessoas a não abaixarem a cabeça, a não entrarem em um quadro de depressão. Então, eu estou vivendo, estou tentando lutar, estou lutando, e eu sei que continuar assim vai ser uma coisa muito boa para mim, e é vida que segue.
Como foi a readaptação ao seu novo estilo de vida, não só relacionado a sua profissão, mas também ao seu dia a dia?
Quando saí do hospital achei que seria muito fácil, mas durante os primeiros meses eu cheguei a cair duas vezes, e essas quedas me fizeram ver o quanto eu perdi, que até então eu não tinha visto o tamanho do meu problema. Foi quando caiu a ficha de que as coisas não seriam tão fáceis quanto eu pensava. A questão da reabilitação está vindo muito rápido. Nós fizemos um cadastro no Hospital Sarah Kubitschek, em Brasília, e com cinco dias já me chamaram para fazer a reabilitação. Está sendo muito rápido, estão sendo momentos de muita alegria junto a muitas tristezas.
Como se deu a escolha de começar os estudos para uma nova profissão? Quais são os seus planos em sua readaptação para o futuro?
Dois meses antes de eu ter Covid, eu tinha colocado na cabeça que eu queria prestar um concurso para a Polícia Civil. Eu tive que voltar a estudar, e como já trabalhava no setor de transporte, optei por estudar logística. Enquanto estava fazendo essa faculdade, eu já estava me preparando para futuramente prestar o concurso para a Polícia Civil. E os estudos são uma das coisas que está me ajudando a superar, foi muito importante ter começado naquela hora os estudos, porque hoje, para não ficar com o tempo vago, eu vou estudando e preenchendo os meus horários para, quem sabe futuramente, entrar em alguma empresa ou na minha própria empresa e poder crescer mais um pouco.
Como está sendo o processo de adaptação da prótese?
Para o processo da prótese você precisa de paciência. Não é um processo que você só vai lá, coloca a prótese e eles já te liberam. Fazem exames detalhados, querem saber como você está com a sua saúde, sobre seu coração e todos os problemas que envolvem a saúde da gente. O hospital faz uma análise completa, quer saber como você entrou, porque se futuramente tiver alguma coisa, eles vão olhar do começo e vão ter uma solução. Mas está sendo um processo tranquilo, eu tenho que sair da minha cidade, percorrendo cerca de 500 km até Brasília, mas está valendo muito a pena. Já pus a prótese, dei os meus primeiros passos e me senti uma pessoa muito feliz, muito alegre e uma pessoa que quer, cada dia mais, dar a volta por cima e, quem sabe, puxar outras pessoas para o lado bom.