Autismo: como o diagnóstico precoce transforma vidas

Histórias de famílias mostram como identificar cedo o TEA faz a diferença no desenvolvimento e na inclusão.

Giovanna Sfalsin Santos

Postado em 09/04/2025

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) afeta cerca de uma em cada 44 pessoas no mundo, segundo estimativas. No Brasil, aproximadamente dois milhões de pessoas vivem com o transtorno, e esse número tem crescido, impulsionado pela maior conscientização e pelo avanço dos critérios diagnósticos. Especialistas e famílias compartilham desafios e avanços na jornada do diagnóstico do TEA.

Desde 2007, o Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo, celebrado em 2 de abril, reforça a necessidade de inclusão e respeito às diferenças. No Brasil, a Lei nº 12.764/2012 instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, garantindo que indivíduos com TEA sejam reconhecidos como pessoas com deficiência para todos os efeitos legais. No âmbito da saúde pública, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece assistência especializada e, desde 2021, o Ministério da Saúde mantém a Linha de Cuidado para Crianças com TEA, orientando ações de diagnóstico precoce, tratamento e reabilitação.

Desafios do diagnóstico

A psicóloga Mayara Gurgel, de 39 anos, passou por um longo processo até descobrir que seu filho Victor Gurgel, de 7 anos, está no espectro. No início, nada parecia fora do padrão. Ele era uma criança ativa e curiosa, mas conforme crescia, algumas dificuldades na interação social ficaram evidentes. “Ele não gostava de brincar com outras crianças, não olhava nos olhos e tinha crises quando algo mudava na rotina”, relembra a mãe.

A busca pelo diagnóstico envolveu consultas com vários especialistas, até que a avaliação neuropsicológica trouxe a resposta: Victor é autista nível 1 e tem altas habilidades. A descoberta não apenas mudou a rotina do menino, mas também da família. “O pai dele se identificava muito com os comportamentos do Victor, e depois descobrimos que ele também é autista. Foi um choque, mas também um alívio entender tantas coisas. O diagnóstico pode ser desafiador, mas também libertador, porque nos permite oferecer o suporte certo para nossos filhos”, conta Mayara.

Desde então, Victor faz terapia ocupacional, psicopedagogia, fonoaudiologia e acompanhamento psicológico. Mesmo com tantos suportes, os desafios diários são muitos. “Ele tem seletividade alimentar, rigidez com rotinas e dificuldades de socialização. Se mudamos o caminho de casa, por exemplo, ele se descompensa completamente”, explica.

Na escola, a interação com os colegas tem sido uma das maiores dificuldades. “Ele sofre bullying porque não entende regras sociais, tem dificuldade em respeitar espaço e é muito literal”, lamenta. Para amenizar os impactos emocionais, Victor encontrou conforto em um membro especial da família: a gata Camile. “Ele criou um vínculo muito forte com ela, se sente responsável e isso ajudou muito na sua rotina”, conta a mãe.

A servidora pública Fernanda Ferreira, moradora do Lago Norte, teve um diagnóstico mais precoce para seu filho Caio Souza, hoje com 16 anos. “Quando ele tinha dois anos e meio, percebi que parou de falar palavras que já dominava e não respondia quando chamávamos”, relembra. O diagnóstico confirmou que Caio é autista não verbal.

Apesar da esperança inicial de que ele desenvolvesse mais a fala, Fernanda aprendeu outras formas de compreendê-lo. “Ele se comunica com gestos e algumas palavras, mas o mais importante foi entender o que o deixa mais confortável e seguro. Ele sempre me surpreende em muitos aspectos”, explica.

Com uma rotina estruturada, Caio realiza acompanhamento terapêutico três vezes por semana, além de praticar natação e treinamento funcional. “A atividade física é essencial para o bem-estar dele e sempre mudamos para que ele não enjoe e permaneça interessado nas tarefas. No começo, eu tinha medo de sair com ele, mas hoje viajamos juntos, vamos a eventos e até à missa”, diz a mãe.

Caio realiza acompanhamento terapêutico três vezes por semana, além de praticar natação e treinamento funcional –
(Foto: Arquivo Pessoal)

Outra história que evidencia a importância do diagnóstico precoce é a de Lorenzo Borrelli, 6 anos, diagnosticado em 2023. Inicialmente, acreditava-se que ele poderia ter Transtorno Opositivo Desafiador (TOD), devido a comportamentos agressivos e dificuldades em seguir comandos e regras nas interações sociais. Ele começou terapias duas vezes por semana, mas sem avanços significativos. Com o tempo, a psiquiatra indicou novas abordagens, levando ao diagnóstico correto de TEA.

Lorenzo começou o tratamento aos 4 anos, o que possibilitou um suporte adequado para lidar com frustrações e impulsos. Hoje, ele consegue manter uma conversa e demonstra mais concentração na escola. Sua rotina inclui terapia ocupacional e terapias individuais e em grupo, além de aulas de karatê. Para a família, o diagnóstico foi um divisor de águas: “Ele aprendeu a identificar quando está ficando nervoso e a utilizar estratégias para se acalmar. O progresso dele é emocionante de acompanhar”, relata sua prima e babá, Adrielle Oliveira, e a mãe Arly Belas.

Lorenzo ama parquinhos e aprendeu com as terapias a controlas as emoções –
(Arquivo Pessoal)

Entender para incluir

Dificuldade para manter uma conversa, sensibilidade extrema a sons e toques, comportamentos repetitivos. O Transtorno do Espectro Autista se manifesta de diferentes formas, afetando a comunicação e a interação social de maneira singular em cada indivíduo.

O neuropediatra Acilino Portela explica que o TEA é uma condição do neurodesenvolvimento que impacta a interação social e pode se manifestar com padrões comportamentais repetitivos. “Os sintomas variam muito. Algumas pessoas podem ter dificuldades sutis na interação social, enquanto outras apresentam desafios significativos na comunicação e na adaptação ao ambiente”, explica.

Ele destaca que, mais do que fechar o diagnóstico, o essencial é identificar cedo os sinais e iniciar as estimulações o quanto antes. “Mesmo sem um diagnóstico fechado, intervenções precoces ajudam no desenvolvimento da criança, potencializando suas habilidades e favorecendo sua adaptação”, destaca.

A psicopedagoga Cristiane Souza reforça que os primeiros sinais do autismo podem ser identificados já na infância. “Dificuldades na comunicação verbal e não verbal, como a ausência de balbucios ou falta de contato visual, podem ser indicativos. Além disso, a falta de interesse em brincadeiras interativas ou jogos de faz-de-conta e a repetição de comportamentos, como balançar o corpo, girar objetos ou alinhar brinquedos de forma excessiva, são sinais de alerta”, explica. Muitas crianças também demonstram dificuldades para compreender e expressar emoções, tanto as próprias quanto as dos outros, e apresentam grande resistência a mudanças na rotina.

Ela ressalta que o diagnóstico precoce permite intervenções mais eficazes. “Quanto mais cedo começamos a trabalhar com a criança, maiores são as chances de desenvolvimento de habilidades sociais, de linguagem e acadêmicas. Além disso, intervenções precoces ajudam a reduzir comportamentos problemáticos e promovem maior independência ao longo da vida”, acrescenta.

Para ela, a inclusão escolar é um fator essencial nesse processo. “A escola pode contribuir muito por meio da implementação de práticas inclusivas e da adaptação dos métodos de ensino às necessidades de cada aluno. Professores capacitados fazem a diferença, criando um ambiente seguro e acolhedor, que incentiva a interação social e a comunicação”, explica.

Para compreender melhor as necessidades de cada pessoa autista, especialistas dividem o espectro em três níveis de suporte. No nível 1, os desafios sociais e comportamentais estão presentes, mas a pessoa consegue ter certa independência no dia a dia. No nível 2, as dificuldades de comunicação são mais evidentes, exigindo um suporte maior. No nível 3, há déficits severos na comunicação e na interação, tornando a assistência contínua essencial.