Marcas brasileiras usam frases feministas como forma de protesto

Estampadas em camisetas e acessórios, as expressões representam a luta contra o machismo e opressão às mulheres.

Rafaela Machado Leite de Oliveira

Postado em 14/05/2025

Em tempos de polarização política e de retrocessos em direitos sociais, vestir uma camiseta com uma frase feminista vai além do estilo, é um ato de resistência. Quando a moda se une ao ativismo, ela se torna um veículo poderoso de transformação, que atravessa as ruas e chega às redes sociais, ampliando o debate e inspirando novas vozes.

De acordo com Simone de Beauvoir no livro Segundo o sol, “não se nasce mulher, torna-se mulher.” Para Beauvoir, o feminismo é a luta pela libertação das mulheres de construções sociais que as subordinam. Nesse contexto, a moda pode ser uma aliada dessa causa?

Se depender de marcas brasileiras como a Peita e a The Feminist, sim. Produzindo camisetas e acessórios que estampam expressões carregadas de  histórias, lutas e reivindicações por igualdade de gênero, respeito e representatividade, elas provocam reflexões e são capazes de mudar comportamentos. 

A estilista e proprietária da Peita, Karina Gallon Basso, de 38 anos, diz que a marca é mais que uma camiseta, é uma ferramenta de expressão e enfrentamento contra o machismo. “O feminismo foi a primeira causa que eu quis ser ativista”. 

Para Karina, é a militância que inspira a moda. “O contexto social, econômico e político inspiram a moda. A moda é espelho disso tudo. É sobre vestir atitude ou ter a moda como mais um meio de comunicar o que pensamos do mundo e a maneira como nos posicionamos diante dele”, contrapõe. 

Karina Gallon posa para foto | Arquivo pessoal

Ela conta que se questionou como abordaria o feminismo para pessoas comuns e viu uma chance de ligar sua especialidade em design com o movimento feminista:  “Eu criei a Peita a partir de uma discussão muito presente no movimento, que é levar o feminismo para além da militância, alcançando as mulheres comuns que não estão nos movimentos sociais, aquelas que são a razão do movimento existir”. 

Além de frases 

Segundo a empresária, as frases estampadas nas camisetas têm o poder de transformar comportamentos.  “Clientes  já relataram que, ao usarem frases como ‘Lute como uma garota’, acabam sendo menos assediadas nas ruas. Os homens pensam: ‘essa aí é feminista, vai fazer escândalo’, e simplesmente deixam passar”. “Isso é maravilhoso”, afirma. 

Ela destaca que as reações às mensagens são diversas. Como exemplo, menciona a camiseta com a frase “Meu corpo é político”, quando usada por uma mulher trans ou uma mulher gorda. “Isso causa estranhamento em muitas pessoas que ainda não entendem o que é um corpo político (aquele que foge à norma do corpo hetero, cis, branco e magro)”, explica e completa, “já quem está familiarizado com o debate, reage com um sorriso”. 

Para finalizar, Karina compara o impacto das camisetas a um “cartaz itinerante”, capaz de levar pautas feministas e de direitos humanos a diferentes espaços sociais. “Confio no potencial revolucionário dos diálogos que promovemos. Tenho muito orgulho de ver que a Peita funciona porque é sobre quem veste, não sobre quem criou”, conclui.

Além do estilo 

Jucelene Ramos é maratonista e nasceu na Maré, Rio de Janeiro. Ela é cliente antiga da Peita e conta que a conheceu através de uma amiga, “vi num post que ela estava usando a camiseta com a frase: ‘Corra como uma garota’. Eu me apaixonei e perguntei na hora de onde era. Ela me mandou o site da marca e foi amor à primeira vista. Desde então, meu carinho só cresce.”

Jucelene mostra suas medalhas conquistadas em provas de 5,10 e 21km no ano de 2023 | Arquivo pessoal

O armário de Jucelene é uma verdadeira coleção de protestos em forma de tecido. Para ela, usar frases feministas não é apenas moda: é manifesto. “Eu uso Peita porque me identifico com o propósito. É uma forma de mostrar quem sou e no que acredito”, diz. 

Jucelene posa com a mãe, Maria Elisabete | Arquivo pessoal

Sobre a  possível influência da marca no comportamento das pessoas, ela diz que acredita no poder transformador das palavras,  especialmente quando elas vêm bordadas em camisetas. “Com certeza dá pra causar mudança. A Peita faz a gente virar um cartaz ambulante. Não é só sobre vestir uma ideia, é sobre provocar reflexões”, ressalta. 

Jucelene comenta que dar Peita de presente virou sua linguagem de amor. “Comprei a ‘Lidere como uma garota’ pra outra amiga, antes mesmo da promoção dela sair. Quando ela foi promovida, dei a camiseta e disse: ‘Sempre soube que esse lugar era seu’. Foi muito especial.”

A repercussão no dia a dia também é inevitável. “Sempre tem alguém que olha, pergunta, às vezes torce o nariz, mas a maioria quer saber onde encontrar”, desabafa.

Sobre outras marcas que seguem esse caminho, Jucelene valoriza as que têm propósito real por trás. “Moda é protesto. Mas a gente precisa ficar esperta com quem só quer surfar no hype. Dá pra perceber quando não é de verdade.”

Jucelene com a filha que na época tinha 10 anos | Arquivo pessoal

Perguntada sobre qual a sua frase preferida da Peita, Jucelene pondera, “cada Peita é única e protesta algo com que me identifico”, mas revela , “como tem que escolher, fico com ‘criar filhos é um ato político’, pois diz muito sobre o meu maternar e o que acredito pro futuro: através de uma educação que liberta”!

 

Mesma luta 

Délia Magalhães | Arquivo pessoal

Outra marca que estampa frases feministas em produtos é a The Feminist, de Araraquara, interior de São Paulo, criada em junho de 2020.“ Comecei a estudar feminismo em 2019 e senti falta de roupas que realmente refletissem o que eu estava aprendendo”, conta uma das fundadoras Délia Magalhães, de 31 anos. 

Na época, ela notava a predominância de frases como “girl power”, associadas a um feminismo mais liberal, distante das discussões mais profundas e estruturais que a motivaram a estudar o tema.  “Nosso maior objetivo com a marca sempre foi disseminar conteúdo feminista de qualidade para conscientizar mais mulheres sobre a luta”, afirma. 

Ela diz que muito do que a maioria das mulheres sabe do feminismo ainda está em pequenos posts, não chegando a um conteúdo mais aprofundado e, por isso, em todas as camisetas, cada estampa leva junto um pequeno texto explicando um pouco sobre o que a frase significa, e dando dicas de livros sobre a temática. 

“Em toda comunicação da marca tentamos inspirar a busca por conhecimento mais aprofundado, que acreditamos ser o que realmente empodera”, explica. 

Délia acha que a The Feminist é a única marca que trabalha dessa forma, enviando um material diferente com cada estampa. “Foi a maneira que encontrei de espalhar a mensagem”, diz. 

Sobre o perfil da clientela, a fundadora da The Feminist ressalta a presença de diversidade, apesar da maioria serem mulheres, desde as mais jovens até as mais velhas.  

Camiseta da loja The Feminist | Divulgação

Além disso, ela acredita que ao usar as camisetas, as pessoas se comportam de maneira diferente. “As frases podem ajudar mulheres a ter mais força para lidar com situações e até a se sentirem inspiradas ao lerem as frases”, e ainda revela: “muitas relatam usar em ambientes de trabalho machista como forma de mandar uma mensagem, ou mesmo em ambientes de trabalho como escolas, como uma forma de abrir um diálogo com os alunos”. 

Segundo a empresária as reações do público ao ler as frases nas camisetas são  sempre de surpresa, e não há relatos de constrangimento, “o que acontece é que na marca tentamos sempre ter um equilíbrio entre frases mais ‘fortes’ como a frase ‘tudo é político quando você é mulher’ e frases mais leves como ‘juntas somos mais fortes’”.

Camiseta da loja The Feminist | Divulgação

Dessa forma, Délia diz que consegue atender mulheres que ainda sentem medo de se posicionar de maneira muito potente, principalmente aquelas que estão inseridas em ambientes muito machistas e ainda se sentem coagidas, mas querem alguma forma de protestar.

Esse ano a marca completa cinco anos, e promete manter firme seu compromisso com um feminismo mais político, consciente e transformador.