Normas de biossegurança implementadas nos estúdios de tatuagens e piercings salvam vidas

O uso de materiais esterilizados, máscaras e luvas, além do descarte correto de resíduos evitam infecções.

Kaillane de Sousa

Postado em 14/05/2025

No universo das tatuagens e dos bodypiercings, onde a arte e a estética se encontram na pele humana, a biossegurança assume um papel crucial para garantir saúde e proteção. Em 2022, uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), publicada na revista Vigilância Sanitária em Debate, jogou luz sobre a realidade preocupante de muitos estúdios. Entre os principais problemas destacados estão o funcionamento clandestino e o manejo inadequado de resíduos. Por outro lado, o descarte correto de perfurantes e a estrutura física adequada foram apontados como avanços. Esse levantamento não apenas expôs os riscos invisíveis por trás de agulhas e tintas, mas também chamou atenção das autoridades de saúde para o tema. 

Um estudo publicado em 2019 pela Revista de Enfermagem Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) analisou 269 centros de embelezamento no Maranhão, incluindo 12 estúdios de tatuagem e bodypiercing, para avaliar práticas de biossegurança. Os resultados mostraram falhas preocupantes na infraestrutura e nos processos, como a ausência de pia próxima ao local de atendimento em 33,7% dos serviços, falta de sabão líquido e álcool em 34,8% e 43,3% dos casos, respectivamente, e ausência de local adequado para limpeza de materiais em 80% dos estabelecimentos. Além disso, o uso de autoclave para esterilização era pouco frequente e a validação por indicador biológico praticamente inexistente.

O estudo também apontou que 86,3% dos centros não utilizavam invólucros sinalizados com data e validade após a esterilização e que em 56,7% dos locais o descarte de materiais não era feito adequadamente. Esses dados evidenciam a necessidade urgente de melhorias nos procedimentos de higienização, esterilização e descarte, bem como de capacitação dos profissionais envolvidos. O objetivo é garantir maior segurança para clientes e trabalhadores e reduzir riscos de contaminação e infecção nos serviços de estética.

Doenças, precauções e métodos indicados para os estúdios

O biólogo e professor Hudson de Andrade, mestre pela Universidade de Brasília no programa de Saúde Animal, atua há quase 20 anos, ministrando disciplinas como Sistema Único de Saúde (SUS), biossegurança, parasitologia básica e clínica. Com uma ampla experiência na área da saúde e educação, ele chama atenção para os riscos e cuidados necessários em procedimentos que envolvem materiais perfurocortantes, como tatuagens e piercings, além de outras intervenções na pele. Segundo o professor, a falta de informação e a negligência em relação às normas de segurança podem trazer sérias consequências à saúde pública, especialmente quando não há fiscalização efetiva nem conscientização adequada de profissionais e clientes.

Os procedimentos que envolvem o uso de materiais perfurocortantes são considerados invasivos. Isso porque ultrapassam as camadas da epiderme e da derme, entrando em contato com o fluxo sanguíneo. Esse tipo de contato pode oferecer riscos sérios à saúde, como infecções bacterianas, fúngicas e virais, além de reações adversas da própria pele.

No Distrito Federal, existe uma legislação específica que obriga os estúdios a realizarem o descarte correto desses materiais contaminantes. A lei determina que todo este material comum nos estúdios deve ser descartado pelo próprio local onde foi utilizado, o que implica na contratação de empresas especializadas no recolhimento e na incineração desses resíduos biológicos.

Outro ponto fundamental para a segurança de quem realiza e de quem recebe esses procedimentos é o uso de equipamentos de proteção individual. “O uso de luvas e máscaras, ou EPIs como são conhecidos, pelo aplicador deve ser sempre adotado, pois proporciona segurança para ambos. Esse cuidado é regulamentado pela NR 32, uma norma da Anvisa, atualizada em 2022, que exige que todos os profissionais da saúde ou que utilizem materiais para perfuração de alguma parte do corpo humano usem obrigatoriamente máscaras e luvas durante os procedimentos, descartando-os após o atendimento”, aponta o professor. 

O uso de máscaras e luvas dentro dos estúdios durante os procedimento é indispensável. Foto por banco de imagem.

Além das práticas do aplicador, os clientes também têm um papel importante na prevenção. Antes de realizar qualquer procedimento, é necessário verificar a procedência das tintas utilizadas, questionando e certificando-se junto ao tatuador se na composição delas não contêm metais pesados como chumbo, rádio ou titânio. Esses elementos podem causar reações alérgicas e, futuramente, interferir em exames de imagem, provocando desde distorções até queimaduras na área tatuada.

É igualmente importante garantir que as tintas e demais materiais utilizados sejam de uso individual. A reutilização desses itens entre atendimentos pode provocar a transmissão de infecções e doenças de um cliente para outro. Para lidar com esses riscos, a legislação do DF exige que os profissionais da área passem por capacitação específica. Esse curso ensina sobre o descarte adequado de resíduos, os perigos das doenças infectocontagiosas e o uso correto dos equipamentos de proteção. No entanto, segundo o professor, a fiscalização é frágil, o que faz com que muitos atuem sem o curso ou mesmo sem autorização legal.

É importante compreender os possíveis efeitos adversos após o procedimento. “Existem as reações alérgicas, que são comuns ao corpo humano e podem ser tratadas com fármacos, entre outros recursos. Já as reações de contato podem provocar infecções bacterianas na superfície da pele. Há também riscos de infecções fúngicas, que são doenças mais severas e podem atingir a corrente sanguínea, levando a quadros graves e até ao óbito. Doenças como HIV, que pode evoluir para Aids, além das hepatites B e C e a sífilis, são algumas das possíveis consequências”, complementa Hudson de Andrade. Ele reforça a importância de seguir todas as normas sanitárias e de segurança, tanto por parte dos profissionais quanto dos clientes.

A importância desse cuidado se mostra cada vez mais indispensável quando observam-se casos como o de Kamila Moreira da Silva, que fez sua primeira perfuração aos 15 anos e, hoje, aos 24 anos, relata como se arrepende de não ter verificado previamente o local. “ O cara que fez meu primeiro piercing não usou luvas e muito menos máscara. E, por causa disso, tive uma grande reação alérgica que resultou em uma queloide. Eu mal conseguia mexer e preferi permanecer com a joia. Voltei lá e ele me orientou a utilizar água oxigenada, que por sinal piorou muito mais a minha situação. Até que eu fui em um moço por indicação de uma amiga e ele me passou uma pomada que eu utilizei até melhorar”, diz ela. 

A perfuração correta seguida de tratamento pós procedimento faz com que a cicatrização prossiga de forma segura e indolor. Foto por: Kaillane de Sousa

Com 25 anos de presença no mercado, a Methamorfose Biju se consolidou como referência no segmento, promovendo boas práticas, utilizando materiais adequados como o titânio e orientando corretamente sobre os cuidados pós procedimento.

Kathleen Amanda, aos 26 anos,  já soma 5 anos de atuação na área de perfuração, demonstrando conhecimento técnico e atenção individualizada em cada atendimento. Sua abordagem é cuidadosa, sempre preocupada com a higienização correta, a prevenção de complicações e o acompanhamento contínuo de seus clientes. “Eu jamais repito agulhas nos procedimentos, nem se for no mesmo cliente que perfurou em outro local. Se são duas perfurações na mesma pessoa, vão ser duas agulhas diferentes. Sempre descartáveis, não existe essa de reutilizar agulha”, afirma a profissional. 

Conhecido por suas tatuagens e desenhos, Jiboia Tattoo, como prefere ser mencionado, consolidou-se não só com o público de Taguatinga onde está localizado o seu estúdio, mas por todo o Distrito Federal. Com seis anos de carreira, o tatuador indica para todos os seus clientes, após cada procedimento, uma série de cuidados que devem ser tomados com as tatuagens. “ Recomendo que mantenham o local sempre limpo, seco e em casos específicos, indico pomadas cicatrizantes”, afirma o tatuador. 

A reutilização de tintas é estritamente proibida para evitar o contágio de um cliente para o outro.

Orientações da Anvisa

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em 2008, debateu com a sociedade a regulamentação da tatuagem permanente, devido ao uso indiscriminado da técnica e à falta de informações confiáveis sobre tintas, agulhas e condições sanitárias. Após consulta pública, foi publicada a RDC nº 55/2008, que estabelece requisitos para o registro de produtos usados na pigmentação artificial da pele, tornando o Brasil pioneiro no controle desses itens. Os pigmentos passaram a exigir registro na Anvisa, com laudos sobre citotoxicidade, genotoxicidade, toxicidade crônica e carcinogenicidade, além de instruções detalhadas de uso, contra indicações e precauções.

A Anvisa recomenda que as instruções sejam seguidas corretamente, incluindo o uso de agulhas e luvas estéreis. Para atuar como tatuador ou colocador de piercing, é necessário o alvará sanitário emitido pela vigilância municipal, com base em boas práticas como limpeza e desinfecção do local e uso de materiais descartáveis ou devidamente esterilizados. Além disso, todos os produtos devem estar regularizados e rotulados conforme exigências sanitárias.

O profissional deve lavar as mãos antes e depois do procedimento, fazer antissepsia do local, usar luvas, máscaras descartáveis, proteção nos cabelos, avental e protetor ocular. É essencial manter protocolos e registros de clientes, com orientações claras em caso de intercorrências. Perfurocortantes, como agulhas e lâminas, devem ser descartados em recipientes adequados à vista do cliente, e os resíduos devem seguir a legislação vigente, sendo coletados por empresas especializadas, pois é proibido descartá-los no lixo comum.

É importante reforçar que tatuadores e piercers não podem prescrever ou administrar medicamentos de nenhum tipo. A vigilância sanitária, organizada de forma descentralizada, é responsável por fiscalizar, emitir alvarás e apurar infrações sanitárias localmente. Recomendações gerais para um procedimento seguro podem ser encontradas no vídeo didático indicado pela Anvisa.