Excesso de cuidado afeta crianças da geração alfa
A cada 100 mil crianças, 125,8 desenvolvem ansiedade, número que pode ser agravado pela superproteção excessiva dos familiares.
Postado em 04/06/2025
Crianças da geração alfa, nascidas a partir de 2010, crescem sob cuidados cada vez mais intensos e protetores. Essa hiperatenção dos pais, embora bem-intencionada, coincide com um aumento preocupante nos índices de ansiedade infantil. Segundo dados do Sistema Único de Saúde (SUS), a taxa entre crianças de 10 a 14 anos chegou a 125,8 casos por 100 mil habitantes, superando, pela primeira vez, os registros entre adultos. O excesso de proteção, somado ao medo do futuro e ao uso constante da tecnologia, pode gerar uma sensação de despreparo diante dos desafios da vida real. No período pós-pandemia, muitos pais passaram a evitar que os filhos enfrentassem frustrações, dificuldades e conflitos, o que resultou em uma intervenção constante em suas vivências.

De acordo com Camilla Sampaio, pedagoga e psicopedagoga clínica formada pela Universidade de Brasília (UnB), o medo de errar, de ser julgado ou de que algo ruim aconteça aos filhos leva muitos responsáveis a exercerem um controle exagerado sobre a rotina das crianças. Apesar da intenção de garantir proteção e felicidade, esse comportamento costuma gerar insegurança e exageros por parte dos pais.
Essa insegurança é alimentada pelo excesso de informações, pelas redes sociais e pelas notícias sobre violência e bullying. “Pais preocupados com riscos como violência, bullying ou conteúdos impróprios online tendem a vigiar e controlar mais os filhos”, explica Heloísa Helena, psicopedagoga especializada em desenvolvimento infantil. Para ela, as redes criaram uma vitrine de “pais perfeitos” e “filhos exemplares”, o que gera comparações e pressões constantes. Muitos pais se sentem julgados e, por isso, tentam seguir padrões idealizados de criação.
Impactos no desenvolvimento infantil
Apesar da intenção protetora, os efeitos da superproteção podem ser prejudiciais, principalmente no ambiente escolar e nas relações sociais. O excesso de cuidado compromete habilidades essenciais, como autonomia, auto regulação emocional e a capacidade de lidar com frustrações. Segundo Camilla, o período de isolamento intensificou a presença constante dos pais, o que atrasou o desenvolvimento da independência em muitas crianças. Hoje, é comum observar comportamentos como autocrítica excessiva, baixa responsabilidade e dificuldade para resolver problemas cotidianos. O medo de errar e a dependência constante dos adultos também afetam o desenvolvimento cognitivo e o processo de aprendizagem.
Crianças superprotegidas crescem com pouca confiança em suas próprias capacidades, já que não têm espaço para experimentar conquistas por conta própria. Heloísa destaca que, nesses casos, a criança passa a acreditar que sempre precisa de alguém para resolver suas situações. Com isso, sua autonomia intelectual, criatividade e pensamento crítico ficam comprometidos. Na escola, essas dificuldades aparecem na hora de dividir brinquedos, respeitar regras e lidar com críticas. São crianças que tendem a ser impacientes, ansiosas e antissociais.
Esse cenário de dependência e insegurança emocional contribui para o aumento do estresse infantil. A dificuldade em lidar com frustrações cotidianas e a vigilância constante dos pais geram uma sensação de sufocamento. Sem espaço para errar e aprender com as próprias experiências, muitas crianças vivem em estado de alerta, com medo de não atender às expectativas, tanto dos responsáveis, quanto de um ideal de perfeição criado pelas redes sociais. Essa sobrecarga emocional compromete o bem-estar e o desenvolvimento pleno.

O papel dos pais e possíveis soluções
Ana Claudia Rodrigues, mãe de Moisés, de 12 anos, é professora de educação infantil e educação especial, além de psicóloga. Ela defende que, para crescer com autoestima e equilíbrio emocional, a criança precisa se sentir competente e confiável. A superproteção, segundo ela, representa exatamente o oposto disso.Ao impedir que os filhos enfrentem desafios, tomem pequenas decisões ou cometam erros, muitos pais acabam, mesmo sem querer, enfraquecendo o senso de responsabilidade e a autoconfiança das crianças. Ana Claudia observa isso tanto em casa quanto na escola: enquanto vê alunos com dificuldade para dividir brinquedos, aceitar regras ou lidar com frustrações, busca, com o próprio filho, equilibrar afeto e limites. “Educar é uma constância”, resume. “Não basta orientar uma vez. É preciso repetir, dialogar e, quando necessário, ser firme.”
O desafio dos pais hoje é encontrar um equilíbrio entre cuidado e liberdade, especialmente em um contexto cheio de estímulos e incertezas. Esse equilíbrio pode começar com um gesto simples: confiar. É possível proteger sem limitar, permitindo que a criança experimente, erre e aprenda com as consequências das próprias escolhas.Mais importante do que resolver tudo por elas, os pais devem estar presentes para ouvir, acolher e orientar, mesmo nos momentos difíceis. Nessas horas, o acolhimento sincero vale mais do que qualquer excesso de proteção.