Coletivo promove sessões de benzimento gratuitos
Atendimentos acontecem em seis regiões administrativas do Distrito Federal
Postado em 07/05/2025
Quem caminha pelo Parque Ecológico da Asa Sul, na altura da 614 Sul, na manhã de um sábado de abril, parece ter um destino certo. Próximo ao parquinho das crianças, um grupo de cerca de 40 pessoas se reúne em pequenas conversas. São homens, crianças e mulheres acompanhadas de animais de estimação. Gente que chega em busca de alívio — físico, emocional ou espiritual — e sai tocada pela leveza de um cuidado ancestral.
O que acontece ali é um dos encontros mensais da Escola de Almas Benzedeiras, coletivo que oferece benzimentos gratuitos. O grupo é formado por cerca de 60 voluntários — entre homens e mulheres — que atuam na Unidade Básica de Saúde 1 do Lago Norte, na Unidade Básica de Saúde 6 de Taguatinga e na Unidade Básica de Saúde 9 de São Sebastião e alguns parques no Distrito Federal. Sem vínculo religioso, mas com forte conexão espiritual e comunitária, os encontros acontecem uma vez por mês em diferentes regiões administrativas. A iniciativa integra as Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS), política reconhecida pelo Ministério da Saúde que inclui abordagens como reiki, acupuntura, auriculoterapia – uma técnica que estimula pontos da orelha para promover equilíbrio físico e emocional – e meditação no atendimento pelo SUS.
Fundada por Maria Bezerra, que decidiu seguir os passos da avó, também benzedeira, a escola promove atendimentos presenciais e virtuais, além de formações periódicas. “Benzer é a arte de bem dizer o outro”, afirma Márcia Franco, que representa a escola. “É bem dizer com muito amor, utilizando a sabedoria ancestral para auxiliar as pessoas em suas dificuldades físicas ou emocionais.”
Além dos atendimentos, a escola também promove atividades formativas. Uma vez por ano, geralmente em setembro – aniversário da instituição, é realizada uma oficina voltada ao despertar da alma benzedeira, aberta a quem sente o chamado para aprender a benzer. A tradição é mantida tanto por mulheres quanto por homens, e o coletivo reúne benzedeiras, benzedores, rezadeiras, rezadores, raizeiras e raizeiros.
“O benzimento típico é o que está na memória popular: uma senhorinha com um raminho de arruda, fazendo um rezo com muito amor e fé para afastar os males”, explica Márcia. Cada benzedor ou benzedeira tem seu próprio modo de atuar — alguns seguem rezas tradicionais, outros improvisam conforme a escuta e o momento. O que os une é o compromisso com o bem-estar do outro.
COMO ACONTECE UMA SESSÃO DE BENZIMENTO
Ao chegar ao parque, cada participante recebe uma ficha com número, que determina a ordem do atendimento. Neste dia, a repórter recebeu a de número 137 — sinal de que muitas pessoas já haviam passado por ali e de que outras tantas ainda aguardavam para ser atendidas.
Durante os encontros, as benzedeiras e benzedores se distribuem em diferentes pontos do parque. Uma das integrantes do grupo vai chamando os números entregues na chegada, seguindo a ordem de atendimento. Quando chega a vez de cada pessoa, ela se dirige até uma das benzedeiras, diz seu nome e, se quiser, compartilha o motivo que a levou até ali. Em silêncio e com respeito, o benzimento começa.
A benzedeira percorre o corpo da pessoa com um ramo de folhas — arruda, alecrim, guiné — e, em seguida, continua apenas com as mãos. O atendimento individual dura cerca de dez minutos. Ao final, a pessoa é convidada a se dirigir até uma mesa com plantas, velas e um baralho com cartas dispostas. Cada carta traz uma mensagem especial. A pessoa escolhe uma, lê em voz baixa ou mentalmente e pode fotografar, se desejar. Assim se encerra o rito.
Quando há muitas pessoas e o tempo não permite atender a todos individualmente — os encontros geralmente têm duração de duas horas, das 9h às 11h pela manhã ou das 15h às 17h à tarde —, realiza-se um benzimento coletivo. Nessa dinâmica, o grupo se reúne em roda, e os benzedores formam um círculo ao redor, com as mãos erguidas em direção aos participantes. Uma benzedeira conduz o momento, explica o funcionamento e convida todos a fechar os olhos, respirar fundo e pensar no motivo que os levou até ali.
A reza é feita em voz alta, para o grupo todo, como uma forma de acolhimento coletivo. No fim, todos são convidados a escolher uma carta da mesa com mensagens para ler e a tomar um pequeno gole de água “fluidificada” — água comum que, durante o ritual, recebe palavras de bênção e intenções positivas, sendo considerada uma forma de harmonização energética. Uma benzedeira distribui os copos descartáveis. É o momento final. Os participantes vão embora aos poucos, e os benzedores se reúnem ao redor da mesa para encerrar os trabalhos do dia.
Quem procura os encontros de benzimento chega com diferentes dores, histórias e esperanças. Não há um perfil único: são adultos e idosos que já foram benzidos na infância, jovens em busca de equilíbrio, mães com seus filhos, pessoas com ansiedade, cansaço ou sintomas que a medicina tradicional não consegue explicar. Há quem chegue pela fé, quem venha por curiosidade e quem apenas sinta que “precisa estar ali”.
“O que me emociona sempre é a fé que as pessoas têm no rezo”, compartilha Márcia. “É algo que me toca profundamente.” Ao final, muitas pessoas choram, agradecem ou simplesmente saem em paz. Os relatos mais comuns falam de leveza, acolhimento e sensação de alívio. Para quem benze, é uma troca também espiritual. “Benzer é escutar com o coração.”
As benzedeiras reforçam que o atendimento não substitui o cuidado médico tradicional. O benzimento é um gesto de acolhimento e fé, capaz de aliviar dores e angústias, mas sempre complementar a outros tratamentos. “Sempre ressaltamos que o benzimento não substitui, de forma alguma, o tratamento médico”, explica Márcia Franco. “Se a pessoa chegou até nós, benzemos com muita fé e amor e, quando necessário, orientamos que procure outras formas de cuidado.”
O trabalho, que começou de forma modesta em uma unidade básica de saúde na Asa Norte, hoje se espalha por seis regiões do Distrito Federal: Lago Norte, Planaltina, Asa Sul, Riacho Fundo, Taguatinga e São Sebastião. Os encontros presenciais acontecem uma vez por mês em cada local, sempre de forma gratuita e voluntária.
Durante a pandemia, o grupo realizou benzimento virtual, alternativa criada para atender à crescente demanda em um momento de grande fragilidade coletiva. A prática se manteve mesmo após a reabertura dos atendimentos presenciais. Atualmente, a cada quinze dias, o grupo recebe cerca de 10 mil nomes — por meio de formulário do Google — de pessoas e até de animais de estimação vindos de diferentes estados e países. Os pedidos são acolhidos em rituais coletivos de rezo e intenção.
Em outras regiões do país, o saber ancestral também é mantido vivo. A atuação de benzedeiras de Caxias do Sul e arredores pode ser conferida no documentário “A Sagração do Cotidiano, Benzeduras“, produzido em 2009. Com roteiro de Alessandra Rech e direção de Janete Kriger, o trabalho reúne depoimentos de seis benzedeiras e benzedores da região. O filme está disponível online e reforça a importância cultural e afetiva dessas práticas no cotidiano de muitas comunidades.
