Trânsito de Águas Claras pode entrar em colapso, dizem especialistas

Originalmente planejada para edifícios de 12 andares, crescimento acelerado está transformando a cidade satélite em um caos viário.

Iago Nava e Silva

Postado em 23/04/2025

Com 120.107 habitantes, segundo dados do Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (IPEDF) de 2021, e de forma aproximada, com 56 mil veículos circulando diariamente, Águas Claras enfrenta uma crise de mobilidade que se intensifica a cada novo prédio erguido.

A mudança no gabarito de altura máxima das edificações, combinada com um padrão de consumo onde cada membro familiar possui um veículo próprio, criou um cenário que o projeto original não previu. O resultado são engarrafamentos que podem durar horas em horários de pico.

“A cidade foi planejada para ter edifícios de até oito e 12 andares, a depender da região. Hoje, temos prédios com 30 andares, o que fez a população ultrapassar o que era planejado”, explica Artur Morais, doutor em transportes.

Cidade costuma ter trânsito parado em horários de pico, segundo moradores – Foto: Agência Brasil/EBC

Impacto na rotina

Maria Graça Nunes, professora que viveu 10 anos em Águas Claras e agora reside no Guará, relata uma realidade familiar a muitos. “Já houve vezes de eu sair da faculdade dos meus filhos, e gastar o mesmo tempo que demoro indo direto para o Guará II. Cerca de 30 minutos em um trajeto que deveria ser feito em 10”.

Para motoristas de aplicativo, a região se tornou uma zona proibida. Paulo Henrique Rodrigues, com sete anos na profissão, é categórico. “Faço de tudo para não ter que trabalhar lá. As ruas são estreitas, há muitos empreendimentos, semáforos demais. Nossa, terrível”.

O problema de Águas Claras é multifacetado e envolve desde a falta de estacionamentos e garagens nos edifícios até a escassez de alternativas para escoamento do tráfego. Wellington Matos, especialista em trânsito, defende a construção de prédios-garagens e ampliação da infraestrutura para ciclistas.

“Num trânsito daquele tamanho, com a verticalidade dos prédios, é impossível que haja fluidez. É preciso liberar espaço e criar alternativas de mobilidade”, argumenta.

No entanto, a solução mais promissora, segundo os especialistas ouvidos, seria a mudança cultural em relação ao transporte. “As pessoas não vão deixar de comprar carros, mas precisam deixar de usar apenas o veículo. É preciso mudar os hábitos”, defende Morais.

Especialistas alertam que o transporte público viário de Águas Claras é subtilizado – Foto: Agência Brasil/EBC

Adriana Modesto, especialista em Trânsito, mestra em Ciências da Saúde e doutora em Transportes, aponta que o problema vai além da infraestrutura: “Ainda lidamos com modelo de mobilidade urbana historicamente voltado para o transporte individual motorizado e o estabelecimento de uma espécie de estrutura de poder, fazendo com que o automóvel e seus usuários ocupem o topo das prioridades das ações públicas e obras viárias.”

Segundo a especialista, o panorama da mobilidade urbana impacta diretamente na qualidade de vida das pessoas e estabelece interface com a saúde e seus determinantes. “Os transportes podem se constituir como indutores do desenvolvimento social ou, por outro lado, acentuar as iniquidades”, ressalta.

Ações do governo

Crescimento vertical desordenado afeta a locomoção dentro da região – Foto: Agência Brasil/EBC

A Secretaria de Transporte e Mobilidade (Semob) implementou o serviço de transporte de vizinhança (zebrinha) no início de 2025, com três veículos realizando 38 viagens diárias. Uma gota no oceano, segundo moradores.

A esperança maior reside no projeto da Avenida das Cidades, uma via de 26 quilômetros que ligaria o Setor Policial Sul a Samambaia, passando por Águas Claras. Com custo estimado de R$ 2,9 bilhões, a obra poderia desafogar de forma significativa o trânsito na região, mas a ideia, presente no Plano Diretor desde 1997, continua sem data para sair do papel.

Para o empresário Ricardo Valim, que trabalha todos os dias na cidade, o futuro parece sombrio. “Se continuarem construindo prédios tão grandes para abrigar tantos moradores, essa cidade vai parar.”