Viagem sem conforto: ônibus e metrôs lotados desagradam passageiros

Pesquisa recente do Tribunal de Contas do Distrito Federal revelou que 67% dos usuários consideram a superlotação o principal problema enfrentado no dia a dia

Pedro Henrique Taquari Antunes

Postado em 22/04/2025

Fila de ônibus na rodoviária do Plano Piloto

A superlotação em ônibus e metrôs é um dos maiores desafios do setor de transporte público. Diariamente, veículos circulam muito acima da capacidade, impondo à população uma rotina de desconforto, atrasos e riscos à saúde, enquanto os investimentos no setor seguem insuficientes diante da alta demanda.

Vagão de metrô lotado

Uma pesquisa recente do Tribunal de Contas do Distrito Federal revelou que 67% dos usuários consideram a superlotação o principal problema enfrentado no dia a dia. Além disso, 58% apontam a redução do tempo de espera como prioridade e 48% desejam mais pontualidade nos veículos (fonte: R7).

O problema da superlotação, no entanto, vai além do desconforto físico. De acordo com levantamento publicado pelo Jornal de Brasília, 40% dos entrevistados relataram já ter presenciado casos de assédio ou abuso sexual nos coletivos, e 37% das mulheres afirmaram ter sido vítimas diretas desse tipo de violência. Esses episódios se agravam nos horários de pico, quando o excesso de passageiros e a falta de fiscalização criam um ambiente propício para esse tipo de crime. Idosos, mulheres e pessoas com deficiência estão entre os grupos mais vulneráveis nesse cenário.

A situação é ainda mais crítica para os moradores das periferias, que precisam lidar com longos deslocamentos, conexões mal planejadas e infraestrutura precária nos terminais e pontos de parada. Um especial publicado pela Agência Mural destaca que, nessas regiões, a superlotação se soma à dificuldade de acesso aos pontos de ônibus e à baixa frequência das linhas, o que penaliza especialmente quem depende exclusivamente do transporte coletivo.

Rotina de quem depende do transporte público

Isadora Santos, 20 anos, moradora do Guará II, precisa enfrentar o transporte lotado diariamente para ir à faculdade, na Asa Sul, e ao estágio, no Cruzeiro. Acorda às 6h30 e, mesmo assim, nem sempre consegue embarcar no primeiro ônibus. “Às vezes, nem consigo entrar no primeiro que passa e tenho que esperar o próximo. Isso atrasa tudo”, conta.

Dentro dos veículos, a situação é ainda pior. “É sufocante. Tem dia que a gente vai espremido, em pé, sem conseguir nem segurar direito”. O medo de assaltos e casos de assédio é constante: “A gente está sempre tensa”.

Isadora já cogitou alternativas como bicicleta e aplicativos de transporte, mas ambas se mostraram inviáveis. “Aplicativo é caro demais pra usar todo dia”, afirma. Sobre a bicicleta, pondera: “Pensei em ir de bike, mas acho que eu iria ficar muito cansada”.

Ela defende melhorias urgentes. “Queria que tivesse mais ônibus nos horários de pico. Quem toma as decisões não anda de ônibus lotado todo dia, então não entende o que a gente passa”.

Do outro lado do volante

Wheder Junior, motorista de ônibus em Brasília

Com mais de 20 anos de profissão, o motorista Wheder Junior, de 49 anos, sente na pele o impacto da superlotação, não apenas nos passageiros, mas também nos condutores. “A gente vê o estresse das pessoas logo cedo. Tem passageiro que já entra irritado porque ficou muito tempo esperando no ponto. E isso respinga na gente”, afirma.

Conduzir um ônibus lotado exige atenção redobrada e equilíbrio emocional. “É muita gente em pé, perto da porta. Qualquer freada pode causar um acidente. A gente tenta esperar o pessoal se acomodar, mas o tempo é apertado, e isso aumenta a pressão. Se atrasa numa linha, atrasa nas outras também.”

O desgaste também afeta sua saúde. “Tem dia que chego em casa com dor nas costas, dor de cabeça e sem ânimo pra nada. Mas no dia seguinte tem que estar lá de novo, porque é o nosso sustento”, desabafa.

Para Wheder, é preciso ir além de promessas: “Enquanto não colocarem mais ônibus nas ruas e organizarem melhor os horários, vai continuar esse sufoco pra todo mundo. E quem sofre mais é quem depende disso todo dia.”

Em resposta à crise, o governo federal anunciou novos investimentos por meio do Novo PAC. Segundo a Agência Gov, estão previstos R$ 4,4 bilhões para a renovação da frota de ônibus, com foco em veículos elétricos e sustentáveis, além de R$ 4 bilhões destinados a obras de infraestrutura nos sistemas de transporte coletivo e mobilidade ativa em cidades médias e grandes.

Um levantamento divulgado pela Agência Brasil mostrou que o governo mapeou projetos de mobilidade urbana em 21 regiões metropolitanas, com estimativa de R$ 600 bilhões em investimentos necessários para reestruturar e expandir os sistemas de transporte público. Apesar dos anúncios, especialistas alertam que os efeitos desses recursos só devem ser percebidos a médio e longo prazo.