Apesar dos avanços, acessibilidade e inclusão de pessoas com deficiência auditiva na educação ainda é desafio
A escassez de professores capacitados e de materiais didáticos adaptados torna a jornada acadêmica ainda mais desafiadora para esses estudantes, dificultando sua permanência e a conclusão dos cursos de graduação.
Postado em 06/05/2025


A inclusão de pessoas com deficiência no ensino superior regular do Distrito Federal avançou significativamente no campo da legislação e das políticas educacionais ao longo dos anos. No entanto, esses avanços ainda não se refletem plenamente na realidade, especialmente no que diz respeito à inclusão de pessoas com deficiência auditiva. A escassez de professores capacitados e de materiais didáticos adaptados torna a jornada acadêmica ainda mais desafiadora para esses estudantes, dificultando sua permanência e a conclusão dos cursos de graduação.
Diante desse cenário, as pessoas com deficiência auditiva acabam sendo obrigadas a se adaptar a uma sociedade que ainda carece de práticas efetivas de inclusão. Elas precisam recorrer a formas alternativas de comunicação, seja por meio da escrita, da Língua Brasileira de Sinais (Libras) ou até mesmo por gestos improvisados.
Muitas vezes, falta acesso ao ensino até mesmo para quem mais precisa. Segundo dados do IBGE, o Brasil possui cerca de 10 milhões de pessoas com algum grau de deficiência auditiva, mas apenas 22,4% delas dominam a Libras, o que evidencia o quanto ainda precisamos avançar em acessibilidade e inclusão comunicacional.
Na grade curricular da educação básica no Brasil, ainda não há obrigatoriedade do ensino da Língua Brasileira de Sinais (Libras). No entanto, a Comissão de Educação (CE) defende que esse ensino deveria ser obrigatório tanto para estudantes ouvintes quanto para os pais de alunos com deficiência auditiva. Em 2019, foi apresentado um Projeto de Lei com essa proposta no Distrito Federal, que seguiu para apreciação na Câmara dos Deputados.
Formada em Jornalismo, Karen Elysee, de 27 anos, relata que a aprovação dessa lei seria a realização de um sonho: “Sonho com o dia em que a disciplina de Libras seja obrigatória para todos os cursos e permita que as pessoas saibam mais sobre nós, pessoas surdas, nossos sonhos, desafios e superações. Mas isso ainda não existe.” Esse desejo é compartilhado por muitas pessoas com deficiência auditiva e representaria não apenas uma conquista individual, mas uma vitória coletiva. A obrigatoriedade do ensino de Libras seria um passo importante rumo a uma sociedade mais inclusiva, onde a comunicação não seja uma barreira, mas uma ponte para o respeito e a igualdade.
Karen reforça como foi difícil se adaptar às duas línguas na faculdade, o português e a Libras. “Foi um tempo de muitas dificuldades, sendo a primeira delas a barreira da língua. Como sou surda, aprendi Libras, mas o português é muito difícil de compreender. Apesar das semelhanças, são línguas diferentes.”
Ensino primário da Língua Brasileira de Sinais (Libras)
O Distrito Federal é o único a contar com uma escola bilíngue, localizada em Taguatinga, que oferece educação em Libras e Português Escrito desde 2013. Em 2025, foi inaugurada a segunda escola integral bilíngue no DF, também com ensino em Libras-Português. Juntas, as duas unidades proporcionam a mais de 280 alunos com deficiência auditiva um ensino especializado e de qualidade, em que a Língua Brasileira de Sinais (Libras) é adotada como primeira língua e o português escrito como segunda.
A SEEDF informou ainda que a inclusão está sendo promovida também nas demais instituições de ensino regular. “Algumas escolas também adotam práticas de ensino de Libras para estudantes ouvintes, visando a construção de uma comunicação mais inclusiva no ambiente escolar”, destacou a secretária de Educação do Distrito Federal.
Para os estudantes com deficiência auditiva matriculados nesse mesmo ensino, a secretaria afirma que há profissionais capacitados para oferecer apoio pedagógico adequado. “Há o suporte das Salas de Recursos Específicas de Surdez e Deficiência Auditiva, que disponibilizam recursos pedagógicos para garantir a inclusão educacional desses alunos”, informou. A pasta também explicou que o provimento de intérpretes ocorre por meio de concursos públicos e contratações temporárias, e que há esforços contínuos para ampliar a oferta desse serviço, conforme a demanda.
Acessibilidade para deficiêntes auditivos no ensino superior
O professor com deficiência auditiva Saulo Machado, assistente da Universidade de Brasília (UnB), é formado em duas licenciaturas: Letras-Libras pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Letras-Inglês pelo UniCEUB. Ele também possui mestrado em Linguística pela UnB. Saulo compartilha como foi sua trajetória educacional até a formação acadêmica, destacando que contou, sim, com o apoio das salas de Atendimento Educacional Especializado (AEE) durante seus estudos.

Atualmente, como docente de Libras na UnB, ele oferece uma visão crítica sobre a acessibilidade no ensino superior: “Como professor de Libras na UnB, percebo que ainda há falhas na acessibilidade. Não diria que é cem por cento acessível. Existe uma necessidade de reestruturação para fortalecer a acessibilidade social e cultural”. Para ele, tanto as universidades federais quanto as privadas têm um papel essencial nesse processo: “As universidades são instituições fundamentais para acolher estudantes com deficiência. Elas precisam estar preparadas para receber essas pessoas com comodidade e garantir uma experiência satisfatória durante a vida acadêmica.”
De acordo com informações da PCD Legal, por lei, uma faculdade regular é obrigada a oferecer suporte específico para alunos surdos, garantindo o acesso à educação inclusiva. Isso inclui a disponibilização de tradutores e intérpretes de Libras (Língua Brasileira de Sinais) em sala de aula e em outros espaços. Além disso, a instituição deve fornecer equipamentos e tecnologias que facilitem a comunicação, a informação e a participação do aluno surdo.
Mesmo diante das dificuldades enfrentadas em relação à inclusão e acessibilidade, ambos continuam sendo fonte de esperança para quem sonha com um futuro melhor. Saulo Machado deixa uma mensagem inspiradora para aqueles que desejam seguir carreira como professores: “Com certeza a inclusão é muito importante para a sociedade, e desejo que ela aconteça de forma igualitária. Eu, como surdo, procuro sempre ser uma inspiração para professores, sejam surdos ou não, no ensino superior. Desejo a todos eficiência, ética e moral.”
Já Karen Elysee reforça que, embora a caminhada seja árdua, os sonhos devem persistir como forma de resistência e transformação: “Somos pessoas com vontade de vencer, de ampliar nossos conhecimentos, mas essa barreira que a sociedade nos impõe parece intransponível.”