Entre palavras e sonhos: a escrita muda vidas em uma escola do Riacho Fundo II

Mais do que uma competição, o projeto aposta na leitura e na criatividade para mudar a relação dos alunos com a escrita desde os primeiros anos escolares.

Vitória de Souza Lucena

Postado em 05/05/2025

Na Escola Classe 2 do Riacho Fundo II, um projeto simples em aparência, mas grandioso em propósito, vem transformando a trajetória de centenas de crianças: o concurso de redação. Muito mais do que uma competição, a iniciativa é a culminância de um trabalho contínuo de incentivo à leitura e à escrita, que começa no primeiro bimestre e segue com dedicação até o fim do ano letivo.

Segundo a diretora da Escola Classe 2 do Riacho Fundo II, Michele Rodrigues Alves, o projeto foi criado com o objetivo de combater os baixos índices de alfabetização e promover uma educação significativa. “A criança chega sem conhecer as letras e sai escrevendo contos de fadas. Isso só é possível com incentivo diário, leitura deleite, estudo de gêneros textuais e valorização da criatividade”, afirma​.

O processo do concurso é rigoroso e democrático. Todos os alunos participam, independentemente de seu nível de escrita. Os textos passam por uma seleção inicial nas salas e depois por uma comissão avaliadora, que analisa os escritos de forma anônima, com foco na criatividade e na fidelidade ao gênero textual. Os finalistas são premiados e reconhecidos, o que gera um impacto profundo na autoestima e na vontade de continuar lendo e escrevendo.

Corredor com exibição de arte dos alunos da Escola Classe 2/ Imagem: Vitória Lucena

A professora Duilli Nabele Campos de Deus, que atua há anos na escola, destaca o quanto os alunos evoluem com o projeto. “Mesmo os que tinham medo de escrever passaram a querer melhorar seus textos, a caprichar na letra e no conteúdo. É uma mudança de postura que vai além da sala de aula”​.

O reflexo desse esforço é nítido nos depoimentos dos alunos. Maria Isabela Kina de Souza, 10 anos, fala com entusiasmo sobre como o concurso estimula a criatividade. “A gente pode colocar muitas coisas no texto, até coisas que a gente sonhou. Isso ajuda a gente a ser escritor, médico, professora… o que quiser”​. Já Emanuela de Souza Rodrigues, de apenas 9 anos, relatou com orgulho o que sentiu ao ter seu texto reconhecido: “Quando você se esforça para fazer uma coisa e é valorizado, você fica feliz e orgulhosa”​.

As redações das alunas Emanuela e Maria Isabela encantam não apenas pela criatividade, mas pela profundidade e sensibilidade com que abordaram seus temas. Emanuela, de 9 anos, escreveu uma fábula com a mensagem de que “a gente deveria respeitar as diferenças e não julgar“​.

Maria Isabela criou A Aventura de Safira, a história de uma lobinha corajosa que enfrenta desafios para salvar a mãe, num conto recheado de emoção e superação. Para ela, o concurso é essencial porque “estimula muito a criatividade da criança, porque ela pode incluir naquele texto um monte de coisas que ela pensa, que ela imagina ou até mesmo que ela já sonhou”​. Ambas demonstram como o incentivo à escrita pode despertar o gosto pela leitura, fortalecer a autoestima e abrir portas para sonhos e futuros diversos.

Sala de aula com murais interativos/Imagem: Vitória Lucena
Sala de aula com murais interativos/Imagem: Vitória Lucena

Num tempo em que a tecnologia ameaça afastar os jovens do universo da leitura, iniciativas como essa mostram que é possível, e necessário, resgatar o prazer de escrever, como reforça Michele. Com um lápis e um papel, você viaja o mundo. E faz o outro viajar com você”​.

A diretora ressalta a importância do apoio governamental para garantir o acesso das escolas públicas à cultura, destacando que o incentivo à leitura e à escrita não pode ser responsabilidade apenas das instituições escolares. Segundo ela, “a escrita é extremamente funcional para uma sociedade que é baseada na escrita”, e por isso, é essencial que haja investimento público em bibliotecas, formação de professores e aquisição de livros.

Michele alerta que “se não tiver acesso à cultura, o aluno terá um repertório pobre de leitura e escrita”, reforçando que a equidade na educação só será possível com ações concretas, como o fortalecimento das salas de leitura e o incentivo à participação cultural, especialmente em um contexto em que muitas famílias não têm condições de oferecer esse acesso fora da escola.

Mural na Escola Classe 2 sobre a preservação do meio-ambiente/Imagem: Vitória Lucena

Em tempos de avanços tecnológicos e estímulos instantâneos, a diretora alerta para a urgência de incentivar a leitura entre os jovens, destacando que a tecnologia, apesar de útil, tem afastado as crianças do desenvolvimento cognitivo essencial. “O celular traz uma resposta muito rápida, que demanda menos esforço da criança”, afirma, explicando que a escrita exige conexões mentais complexas, como a identificação de sons, palavras e construção de narrativas com sentido. Ela reforça que, se a leitura e a escrita não forem incentivadas, essa capacidade criativa se perde, especialmente quando ferramentas como a inteligência artificial passam a ser usadas como atalho, em vez de instrumento de apoio.