Passagem cara, ônibus precário: o drama diário de quem vive no Entorno
Com tarifas acima de R$10, ônibus sucateados e pouca integração, trabalhadores do Entorno do DF enfrentam desigualdade e prejuízo diário para chegar à capital
Postado em 25/06/2025

A conta não fecha. Em um cenário de aumento no custo de vida, moradores do Distrito Federal e Entorno têm sentido no bolso o impacto crescente das tarifas do transporte público. Para quem depende de ônibus e metrô todos os dias, o gasto mensal pode ultrapassar R$500 — valor que representa mais de 35% do salário mínimo atual, fixado em R$1.412. A situação é ainda mais crítica para trabalhadores informais, desempregados e autônomos que vivem nas cidades goianas da Região Integrada de Desenvolvimento do DF (Ride), como Valparaíso, Luziânia, Cidade Ocidental e Novo Gama.
A maioria desses trabalhadores vive no Entorno e atua em empregos informais ou como diaristas, babás, cozinheiras, vigilantes, balconistas e operários, setores em que o vale-transporte nem sempre é garantido. O resultado é um sistema injusto: quem menos ganha é quem mais gasta para circular em Brasília.
“Só de ônibus, vai quase tudo que ganho num dia. Se preciso vir duas vezes ou resolver algo extra, já me desequilibra a semana inteira”, desabafa Maria dos Santos, diarista de 52 anos que mora em Novo Gama e trabalha três vezes por semana na Asa Norte. “E ainda é um transporte ruim, velho e cheio. Parece que vai quebrar a qualquer momento”, completa.
As tarifas cobradas nas linhas semiurbanas, regulamentadas pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), variam conforme a distância entre as cidades e Brasília. Em Luziânia, o valor pode chegar a R$10,35. Em Valparaíso, gira em torno de R$8, mas há trechos que custam mais. Um trabalhador que depende do transporte coletivo para ir e voltar todos os dias chega a gastar cerca de R$480 ao mês — 34% do salário mínimo. Para quem ganha apenas um salário, o impacto é brutal.
No Distrito Federal, as tarifas variam de R$3,80, para trajetos mais curtos dentro das regiões administrativas, a R$5,50, para percursos mais longos.
Reajuste
Segundo a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), as tarifas de ônibus nas capitais brasileiras têm aumentado em média 40% nos últimos cinco anos — um ritmo superior ao da inflação. Os reajustes são atribuídos a fatores como o preço dos combustíveis, o custo da manutenção da frota e o aumento da folha salarial das operadoras.
Em fevereiro, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) autorizou um aumento de 2,91% nas tarifas do transporte semiurbano do Entorno. O reajuste gerou revolta entre usuários e pressão política. Dias depois, o aumento foi suspenso por seis meses graças a um acordo entre o Governo do Distrito Federal e o Governo de Goiás, que prometeram subsidiar parte do custo do transporte.
O consórcio firmado entre os dois governos prevê a criação de um novo modelo de operação com tarifa média em torno de R$8 e melhorias na frota. Para isso, o investimento anual conjunto será de R$134 milhões — R$67 milhões de cada lado. A medida evitou o aumento imediato, mas não resolveu o problema de fundo: o transporte no Entorno continua caro e precário.
“O valor da passagem já é alto, e o serviço não condiz com o preço. Os ônibus vivem quebrando no caminho, são velhos, e a espera é longa. A gente sofre demais todo dia”, reclama o auxiliar de serviços gerais Davi Matos, 38 anos, morador de Cidade Ocidental.

Impacto desproporcional
Para o economista e professor Riezo Silva, o sistema atual penaliza as famílias mais pobres. “O ideal é que o custo de transporte represente até 6% da renda mensal. No caso de quem mora no Entorno e depende do ônibus, esse percentual chega a 30%, 40% — e ainda mais se for trabalhador informal. É uma distorção que aprofunda a desigualdade”, avaliou.
Ele lembra que, mesmo com o vale-transporte garantido por lei, muitos empregadores informais ou famílias/empresas contratantes não cumprem a obrigação. “A conta sobra para o trabalhador, que já enfrenta uma realidade salarial apertada”, completou.Silva destaca ainda que, em áreas mais periféricas, o custo da mobilidade se torna um entrave para o acesso ao mercado de trabalho e à educação. “O morador do Entorno está em desvantagem. Não consegue disputar vagas com quem mora perto do Plano Piloto, pois o deslocamento diário é demorado, cansativo e caro”, disse.
O problema se agrava ainda mais com o uso de cartões de crédito — no caso do DF — como meio de pagamento em catracas. “Muitas pessoas deixaram de usar o cartão de transporte com integração, e agora pagam a tarifa cheia a cada embarque. Isso eleva ainda mais os gastos e tira qualquer previsibilidade do orçamento”, alerta. Ele também aponta que a política atual de gratuidade é insuficiente: “Estudantes, idosos e pessoas com deficiência têm algum apoio, mas trabalhadores autônomos e informais, que representam uma enorme parcela da população, ficam completamente desassistidos”, finalizou.
Qualidade
Enquanto os moradores do Entorno enfrentam tarifas elevadas, o governo do Distrito Federal anunciou o congelamento das tarifas de ônibus até o fim de 2026. As passagens do sistema interno seguem custando R$2,70 (curta distância), R$3,80 (entre regiões administrativas) e R$5,50 (linhas longas e metrô). O subsídio é bancado pelo GDF com recursos do Fundo Constitucional.
O sistema ainda oferece integração por meio do Cartão Mobilidade, que permite ao usuário utilizar até três ônibus em um intervalo de três horas, pagando apenas uma única tarifa de R$5,50. No entanto, esse benefício não se estende aos usuários das linhas interestaduais, reguladas pela ANTT.
Relatos de passageiros indicam que o problema vai além do valor da tarifa. A qualidade do serviço prestado pelas empresas de ônibus é uma das principais queixas. Ônibus quebrados, superlotação, falta de manutenção e atrasos são recorrentes. Para muitos, o transporte público virou um sofrimento diário.“Tem dias que levo duas horas pra ir e duas pra voltar. Já chego cansada no trabalho e exausta em casa. E ainda pago caro. Além dos horários serem muito complicados, pois não tem toda hora, muito menos para todo lugar”, conta Sarah Santos, 23, secretária e moradora de Valparaíso. Ela ainda acrescenta que passa mais tempo dentro de um ônibus do que na própria casa. “Seria ótimo se fizessem as vias do BRT até Luziânia”, completou.
A proposta de reformulação do transporte no Entorno inclui a implementação de faixas exclusivas, criação de novos terminais e bilhetagem integrada.

(Foto: Giovanna Sfalsin)